segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Estávamos em plena época da grande revolução comportamental, da perca da inocência, dos grandes protestos juvenis contra a classe governadora, a convivência e experiências com as drogas e o surgimento do feminismo, quando no dia 7 de Fevereiro de 1969, doze anos e alguns meses depois da cadela Laika ter subido ao espaço, senti o chamamento. Tudo em meu redor era branco e silencioso. Tudo se parecia mover em câmara lenta. Os sons que se escutavam eram distantes e destorcidos, mas sabia que não iria ser assim por muito tempo. Sabia, devido à minha outra vida passada, que estava prestes a entrar numa outra dimensão, onde a minha própria sobrevivência poderia ser colocada em causa. Teria que tentar superar todos os meus medos e receios. Ser o mais forte e o mais confiante era a táctica a utilizar, assim como tentar não bater em nenhum “poste” durante o longo e rapidíssimo percurso. Só um seria o vencedor.
A minha preparação física e psicológica foi cuidada ao mais pormenor. Comprei ténis específicos de última geração na Decathlon para velocidades alucinantes. Teria de ter velocidade suficiente para conseguir ultrapassar toda a concorrência feroz que se iria intrometer entre mim e o objectivo. Comprei umas luvas de boxe na Feira da Ladra porque, como só existe lugar para um, de certeza que seria uma luta sangrenta e sem escrúpulos para a conquista do prémio final. Ainda estive indeciso se para o grande dia levaria o fato do casamento ou o equipamento de Lycra. Se, por um lado, o dia era especial e tínhamos que nos vestir a rigor, a verdade é que o equipamento de Lycra me daria mais mobilidade e velocidade. Depois de beber umas bebidas energéticas a pensar no caso, optei pelo equipamento em Lycra. Já tinha os ténis, o equipamento, faltavam os óculos, o MP3 e o mais importante, o capacete. Em relação aos óculos, optei por uns baratos, visto que a crise está instalada e como tinha perdido bastante dinheiro na bolsa, teria que efectuar cortes orçamentais em algumas partes do equipamento. No MP3 coloquei a minha playlist favorita. O som predominante é o Rock alternativo, mas como iria ser um dia único, Quim Barreiros foi o escolhido com a música super conhecida “A garagem da vizinha”. Com esta música a motivação estava em alta. O capacete, que foi escolhido para esta etapa da minha vida, foi sem duvida a questão que mais me fez pensar desde o primeiro dia. A segurança acima de tudo. Se conseguirmos trabalhar com segurança e com condições, mais perto ficamos da perfeição. Consegui através do Ebay um capacete amarelo das obras. Ficava-me ridiculamente mal, mas era um dever meu atacar o meu objectivo e não armar-me em metrosexual.
Sentia-se no ar uma ansiedade global. Estava prestes a existir uma mudança e isso excitava-me. Percebi que era um pouco maior que alguns ao meu lado. Os meus 57 milésimos de milímetro de altura, metiam respeito aos minorcas ao meu lado que pareceriam medir cerca de 50 milésimos de milímetro. Isso dava-me a entender em que teria alguma vantagem à partida. Sempre disse que comer duas colher de Néstum com Mel por dia faria crescer e daria saúde. Apesar de me sentir gigante, coloquei o Flagelo no chão, estiquei-me ao máximo para ver toda a dimensão do local e fiquei chocado. Eram milhões de participantes. Diria mais, eram milhões de adversários a abater. A frase é agressiva, mas era a verdade. Dos 5 milhões, apenas um conseguiria o prémio. Estávamos todos equipados de igual. Todos de certeza teriam o mesmo patrocinador, o do Pai Albertino. Enquanto aguardávamos a ordem de partida, reflectia como iria ser. Até ao momento tinha vivido em comunidade e de repente sentia que teria que lutar contra os meus melhores amigos. Seria correcto passar uma rasteira a um amigo que já te tinha dado a sua mão? Mas o nosso percurso de vida estava traçado. O nosso objectivo era o chegar o mais rapidamente possível. Correr, Correr, Nadar, Nadar, Nadar… até à exaustão, até ao óvulo.
As coisas lá fora estavam a aquecer e a qualquer hora a partida seria dada. Todos apertavam os atacadores e fixavam melhor o capacete. Estava pronto. Depois de tanto tempo de programação, de estrutura, de análise, tinha a certeza que iria atingir o meu objectivo. E de repente alguém baixou a bandeira e nadamos como loucos, como se fosse realmente a única coisa importante. Era a demência generalizada. Não existia ética, não existia moral, não existam deveres, não existia nada que parasse aquela multidão, naquele ambiente infernal pintado de branco. O caminho até ao objectivo era extremamente rápido para uns, mas muito longo para outros. Ao virar-me para trás via alguns a ficar para trás com problemas físicos, outros a tentar não descolar do grupo da frente, consumindo barras energéticas e produtos de marcas duvidosas.
Ao fim primeiro milionésimo de segundo, existia um grupo de 1 milhão na frente. Teríamos que enfrentar Túneis Alagados, Tsunamis gigantescos, dobrar vários Cabos das Tormentas, enfrentar 11 quilómetros de fila, desde 2ªponte do Feijó, para conseguir passar a Ponte 25 de Abril e por fim carregar no botão de Nitro para conseguir ser o primeiro a fecundar.
A minha táctica foi a ideal. Ser bastante forte fisicamente e confiante, aliado a ser bastante constante na velocidade e não me meter em disputas secundárias, levou-me a entrar na recta final na cabeça do pelotão. Nos últimos dois micromilésimos consegui esticar a cabeça e conquistei o prémio. Tinha conseguido. Depois de tanto sofrimento e perseverança, o objectivo tinha sido alcançado. Milhões de emoções/acções tocaram-se e deram origem a um Ser Humano. Senti que tinha evoluído, senti que tinha conquistado a primeira etapa da minha vida. Senti que a partir deste momento já pertencia a alguém. Alguém que iria cuidar de mim e eu dela. Iríamos de certeza ter uma simbiose perfeita. Iríamos viver bastante tempo um para o outro. Seriam meses de emoções fortes e de Amor contínuo.
Ainda estava cansado da correria, mas estava pronto para a nova aventura, em que seria obrigado a ambientar-me a uma nova realidade, um novo modo de vida. No início desta nova etapa, sinceramente, fiquei um pouco triste e aflito, visto não sentir qualquer feedback da parte da minha mãe. Só mais tarde vim a saber que três semanas passadas é que os meus pais souberam da boa nova.
Entravamos em Março de 1969, e eu do tamanho de uma ervilha, começava a nascer para o mundo. A partir da 10ª semana, cada vez que me espreguiçava, crescia. E crescia a olhos vistos, mas era aborrecido os meus pais não sentirem que eu me mexia. Esticava-me ao máximo e procurava dar uns chutos. Mais uma vez, só mais tarde li numa revista cor-de-rosa, no consultório do dentista, que só ás 18 semanas de gravidez é que os pais sentem o movimento dos filhos.
Lá estava eu no meu mundo cheio de líquidos, quando de repente senti um frio enorme, era aquela coisa aterradora. Parecia uma escavadora, empurrando-me para um lado e para o outro. Eu ouvi bem longe o nome do objecto: chamava-se Exames de Ultra-Som. Pessoalmente dispensava, mas como a mãe adorava ver-me naquela televisão pequenina, eu ficava feliz por ela.
Adorava chegar a casa onde os meus pais dormiam. Levava-me sempre a passear a um determinado ponto da casa e diziam “Este é o teu quarto”. O que realmente não gostava muito era da minha fotografia estar a preto e branco e todas as fotografias das outras pessoas estarem a cores.
A minha Mãe estava de desejos e nada melhor do que estar de desejos de Bolo de Bolacha. Foi a loucura durante os três primeiros meses. Não é de admirar que hoje o meu nickname seja JorgeMariaBolacha. Foi pena que os três primeiros meses tenham passado depressa e tenha começado a dieta. Se ao menos a dieta fosse à base de Pasteis de Nata. Do terceiro ao sexto mês, foi viver à grande: sempre a engordar.
Deveríamos estar no Verão quente de 1969 e os pais ou foram ao Woodstok ou tiveram uma seria discussão. Foi um barulhão… Eu bem enviei uns sinais cá para fora. Estava com sono e precisava de dormir. Os pais tem que ter consciência de quando se tem um filho, o ambiente provavelmente terá que mudar, assim como a forma de ver a vida, terá que ser encarada de outra forma, sem que isso lhes tire a própria vida.
Os meses passavam rapidamente e começava a dar pontapés acrobáticos. A minha especialidade era o pontapé de “bicicleta”. O meu pai já me tinha encostado o cartão de sócio do Benfica á barriga da minha mãe e disse que iria ser um grande jogador da bola. Como ganhava pouco na Lisnave, estava à espera que eu fosse a sua Lotaria. Assim seria dois em um. Eu a ganhar bem, comprava-lhe um Fiat 500 e ainda dava-lhe uns bilhetes para ir ver os jogos de borla.
Uma situação que não gostava era a minha mãe meter a minha cara na mão de todo o mundo. Estava sempre a dizer “Queres ver como ele mexe?”, e eu cá para comigo, “Lá vem mais uma mão a caminho…” Sentia-me violado e constantemente apalpado.
Correu tudo muito bem. Tirando os testes violentos dos Ultra-Sons e as apalpadelas de estranhos, lá me fui formado.
Era engraçado, depois de dormir um pouco quando acordava olhava para a minha mão e “ups, mais um dedo”. Gostei de ver como o corpo se formou. Gostei da ordem de ocorrência das coisas ser primeiro a cabeça e depois o resto do corpo, assim ia vendo a evolução. Já estão a ver a minha reacção se fosse ao contrário. Se fossem os olhos a última matéria a ser formada, quando os abrisse “ …socorro, está um monstro agarrado a mim”.
Ao fim de algum tempo comecei-me a sentir um pouco apertado. Já não me conseguia esticar muito, estava a ficar desconfortável. Comecei outra vez a sentir o chamamento. Comecei a ficar aflito. Há nove meses já tinha passado pelo mesmo. Será que tinha que ir comprar outro equipamento de Lycra? Olhei para lado e não vi 5 milhões iguais a mim. Depois de pensar um pouco, senti-me um pouco “louro”. Cinco milhões naquele espaço, coitadinha da minha querida mãe. Agora era só eu que teria passar por uma nova fase da minha vida. Uma fase muito perigosa. Seria a primeira ver que respiraria sozinho e sentiria sensações novas. Iria sentir o ar fresco da manhã, o cheiro da lenha queimada numa aldeia perdida neste nosso lindo pais, o cheiro da terra molhada num dia melancólico de Inverno e o horrível sabor da sopa de borrego feita com carinho pela mamã. Estava motivadíssimo para “sair”
Veio uma Cegonha directamente de Paris, através da Rodoviária Nacional, para anunciar a boa nova. Estava escrito nos livros secretos da humanidade, que no dia 12 de Outubro de 1969, Jorge Manuel Martins Benido de Carvalho, nascia na Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, pela 13H05m.
Os pais Albertino Martins Carvalho e Leonor Martins Benido Carvalho, estavam super radiantes, assim como o futuro filho Pedro Miguel Martins de Carvalho, que já nessa altura treinava duramente para conseguir ser o primeiro, dali a 6 anos, a chegar ao Óvulo. Fizeram a festa, apanharam as canas e colocaram-nas no Canão (em 1969 existia uma variação do Pilhão). Todos estavam histéricos e eu a pensar, “mas o que é isto?”, eu estou vivo há nove meses e parece que só agora é que ando por aqui? Deixem-se disso e passem-me um copo de leite se faz favor, que estou cheio de fome. Mas a verdade é que estava super feliz. Vi a cara da minha mamã e do meu papá pela primeira vez e foi uma sensação única. Foi tão forte que literalmente comecei a chorar e só acabei praticamente 3 meses depois. Todos choravam. Eu porque tinha acabado de nascer, outros porque estavam emocionados, outros porque já estavam fartos de me ouvir chorar.
A saída pelo “buraco” foi uma experiencia única. Afinal sempre existe uma luz ao fundo do túnel. Nunca uma frase foi tão correcta. Depois de ter dado a cambalhota e ficar a deambular durante um tempo, a luz apareceu e como estava farto da escuridão, apontei a mira à saída e tentei desesperadamente sair. Não foi fácil colocar uma enorme cabeça num buraco tão estreito. Alguém me pegou pela cabeça, e penso mesmo pelo pescoço, e me puxou para mundo. Se não tivesse que chorar naquele momento, como está no manual, dava um aperto de mão a esse senhor que me ajudou a mim e à mamã. Abençoado seja.
Depois de me colocarem no berçário, pela primeira vez que abri os olhos sem estar ao colo da minha mãe e quando olhei para o lado fiquei de novo em estado de ansiedade/pânico. “Vou ter que correr outra vez? Mas a vida é só isso?”. Estavam ao meu lado dezenas de seres iguais a mim. Todos pequeninos e todos a chorarem. Que linda sinfonia.
Era o futuro. Passava por ali a Humanidade. Passava por ali a sobrevivência do Ser Humano. A forma como iríamos abordar e definir estratégias para conseguirmos que o Planeta Terra se mantenha vivo passava por aquelas pequenas criaturas.
Erramos completamente. Como Seres Muito Inteligentes, somos um fracasso. Não conseguimos equilibrar a Ganância/Poder versus Mãe Natureza. Todos vamos ficar a perder. O Século XX (Revolução Industrial) foi o princípio do fim.
Foi naquele dia de Outono, de signo Balança, que respirei a primeira vez sozinho. Foi o começar de uma nova Era para mim e para os meus pais. Agora éramos uma família a três. Todos a partir da presente data tínhamos responsabilidades acrescidas. Eu teria que ser uma criança dócil e fácil de criar. Teria que compreender o que os meus pais me queriam transmitir. Teria que perceber os sinais. A forma mais fácil de continuar a crescer feliz era respeitar as regras dos meus pais e da sociedade e assimila-las como condição única de sobrevivência. Teria que as interiorizar e tentar ser um ser o mais equilibrado possível.
Pela primeira vez a minha mãe pegou-me ao colo. Senti uma simbiose perfeita. Conhecíamo-nos há muito de outras aventuras. Tínhamos passado 9 meses a comunicar como ninguém. Tínhamos sido os melhores amigos. Tínhamos sido a dependência um do outro. Sentia o seu calor, o seu cheiro. Sentia que era a minha mãe. Não me tinham trocado no Hospital, isso era uma certeza. Mais tarde ouvira histórias horríveis de crianças trocadas nos hospitais e maternidades. Crianças que foram retiradas dos pais biológicos por má logística e estrutura hospitalar. Trocas por erro humano. Que traumas psicológicos poderá ter uma criança quando soubesse da troca? Como iria sobreviver a uma vida de mentira e de engano? De certeza que iria deixar marcas profundas na sua personalidade. Iria ser uma pessoa mais fria e talvez com problemas de relacionamento quando soubesse da verdade. A verdade é que cada humano é diferente e reage de maneira diferente a confrontos duros que a vida lhe vai trazendo.
Depois de me dar mil e um beijos, a minha mãe, puxou-me para os seus seios e colocou-me a minha boca literalmente dentro do prato do almoço. Realmente o sabor não era o mesmo de um cozido à portuguesa, ou de um bacalhau cozido com grão, regado com um saboroso azeite, mas era o alimento que me iria manter vivo, cheio de proteínas e vitaminas. O leite espesso tinha um saber único, não sabia se era bom ou mau, visto que era o único alimento que tinha experimentado até ao momento. Não era nada mau, mas talvez com um pouco de açúcar amarelo, marchasse melhor.
A minha mamã sempre dizia que dar de mamar era reconfortante. Nunca se tinha sentido com preocupações ou stress sobre este assunto. Saberia se assim fosse o leite não sairia tão facilmente e que poderia causar ingurgitamento do peito.
Era uma criança feliz e saudável com os quarenta e nove centímetros de altura e três quilos, quatrocentos e cinquenta gramas de peso. Sentia-me bem e confiante, apesar do choro constante. A minha dizia que eram as dores que não tinha passado na gravidez e que seria eu a passá-las até aos meus três primeiros meses de idade. Para mim essa questão era um Mito Urbano e nada mais do que isso, como se veio a confirmar.
Depois da primeira refeição, a minha mãe estava muito cansada e eu também. Fui transportando do seu colo para o meu primeiro berço, pelo meu pai. O meu primeiro berço era mesmo ao lado da minha mãe. Lembro-me perfeitamente que era feito de ferro e tinha quatro rodas. Quando andava de um lado para o outro, chiava. Será que o Departamento de Manutenção não conhecia o W40 ou outro lubrificante para lubrificar as rodas? Eu pessoalmente tenho uma teoria em que a causa dos choros dos bebes das maternidades/hospitais são esses ruídos agudos horríveis, causados pela não sua lubrificação. Será que se vai tornar um Mito Urbano ou será pura verdade?
Enquanto ouvia palavras estranhas cada mais longe ao meu ouvido, estava de partida para o meu primeiro grande sono, fora da barriga da minha mãe. Dormi como um bebe que era. Sono profundo e silencioso. Sem ressonar ou sonambulismo, como mais tarde veio afirmar o meu pai. Não sonhei na primeira vez que dormi, pelo menos que me tenha lembrado. Mas se sonhasse de certeza que seria com as aventuras doidas de Tom Sawyer e o seu amigo inseparável Heckleberry Finn: correr descalço pelos prados ao pôr-do-sol. Que liberdade…
Depois de dois dia incríveis na Maternidade, onde fui tratado como Rei pelas enfermeiras, médicos, amigos e familiares, estava na hora de regressar a casa, mas desta vez já não na barriga da minha mãe, mas sim já como Ser Humano formado e quase preparado para governar o meu mundo. Antes de sair pela porta principal da maternidade, a minha mãe e o meu pai, fizeram uma visita guiada ao edifício onde nasci.
A Maternidade Alfredo da Costa fica localizada na Cidade de Lisboa, muito perto da Picoas, na freguesia são Sebastião da Pedreira. Foi edificada sobre alicerces de um templo. Foi projectado pelo arquitecto Miguel Ventura Terra, e foi inaugurada em 5 de Dezembro de 1932, constituindo a primeira maternidade em Lisboa a ser concebida e construída de raiz. Foi seu fundador e primeiro director o professor Augusto de Monjardino.
Deve ter sido em tempos o Templo da Esperança, tamanho era o estado de espírito positivo e de felicidade que vagueava por aqueles longos corredores e por todos os espaços existentes. As cores claras e alegres reflectiam novas esperanças e novos ciclos. Os sorrisos rasgados das pessoas que circulavam euforicamente, transmitiam segurança e acreditavam na nova geração, alem de se sentirem extremamente realizados por terem conseguido concretizar a maior proeza do ser humano, ou seja, deixar um descendente para poder gritar ao não da extinção da raça humana.
O meu pai tirou-me dos braços da minha mãe, deu-me um beijo e colocou-me numa alcofa própria de transporte de bebes. Tinha sido uma alcofa comprada numa loja especializada em segurança rodoviária. A alcofa apresentava todas as normas de segurança em vigor e deveria ser transportada no banco de trás da viatura.
Chegamos ao carro. O que eu me ri ao ver a cor do Toyota Corolla. Era azul-bebé. Ainda fiz um grunhidos para o meu Pai, mas este não percebeu e disse logo à minha mãe, “O rapaz deve estar com gases”. Porque não nascemos logo prontos a andar, falar e sermos logo completamente independentes? Somos o ser mais inteligente, mas somos o ser que depende até mais tarde de outros. Dá que pensar.
Lá partimos para a minha grande aventura automóvel.
Em 1969, o trânsito em Lisboa era o paraíso. Circulava-se á vontade e não existia o Tunning. As corridas na Vasco da Gama surgiriam mais tarde e o comboio da Fertagus na Ponte 25 de Abril, só chegaria no ano 2000, portanto quem queria ir de S. Sebastião da Pedreira à Graça era um saltinho.
A viagem foi feita de olhos bem abertos. Tudo era novo. As luzes, os sons, os cheiros. Tudo era um novo mundo, uma nova descoberta. Achei um pouco desconfortável o carro. Tentei chamar a atenção do meu pai que os amortecedores do Toyota estavam mas ultimas, mas ele disse de novo para a minha mãe “O rapaz deve estar a precisar de mudar a fralda”. Que aborrecimento, já não se pode ter um conversa de adulto, ninguém me compreende.
Pela primeira vez iria ser apresentado à casa onde iria viver os próximos seis meses da minha vida. Uma casa muito modesta, com apenas duas divisões. Um pequeno quarto e uma sala, onde se incluía a cozinha. Situava-se no último andar num prédio degradado na Graça. Era o melhor alojamento que os meus pais conseguiram quando se mudaram das suas Terras Natal para Lisboa. Eram pessoas pobres, mas trabalhadoras que tentavam em Lisboa conseguir uma melhor qualidade de vida.
Quando abriram a porta da casa e me colocaram no meu berço, fiquei radiante de ter chegado á minha casa. Nada melhor do que a nossa casa. Era ali que iria ter as minhas primeiras experiências.
Nos primeiros dias de vida, depois de ter saído da Maternidade, os meus pais repararam que estava a perder peso. Ficaram muito preocupados e dirigiram-se ao centro de saúde. Depois de estarem cinco horas à espera de consulta, o que era normal e ainda é normal nos dias que correm, fomos atendidos por uma médica muito simpática. Depois de ouvir a minha mãe, avançou para mim com um instrumento horroroso na mão. Colocou-o na minha barriga e arrepiei-me com frio. Tentei-lhe dar-lhe um pontapé, mas tive que me contentar com um choro agudo e quase impossível de aturar. Como por vingança a médica virou-me ao contrário e colocou outra vez aquele aparelho horrivelmente frio nas minhas costas. Segurei com o meu dedinho o dedo da minha mãe e tentei me acalmar. Entre choro e soluços, ouvi a médica dizer que era normal nos primeiros dias de vida de uma criança os bebes perderam peso, recuperando o peso até aos vinte dias depois do nascimento. Todos ficamos contentes. Os meus pais porque a situação estava controlada e eu porque já me estava a ver comer cinco hambúrgueres do McDonald´s por dia para ganhar peso.
Estávamos no sétimo dia de vida e, já que estávamos no centro de saúde, nada melhor do que continuar com o sofrimento. Depois da aventura do objecto estranho a esfriar a minha barriga, a minha mãe disse para o meu Pai que estava na hora do “teste do Pezinho”. Que fixe, pensei eu. Vão testar se serei um bom jogador da bola para jogar no Benfica e quem sabe na selecção. Depois das grandes exibições que fiz na barriguinha da minha mãe de certeza que me vou safar.
Estava à espera que me apresentassem uma bola, mas em vez disso vejo a aproximar-se uma enfermeira com um objecto fino na mão. “Não estou a gostar disto…” e não gostei mesmo nada. Quando me picaram no pé, abri as goelas ao máximo e entrei em redline. Algumas pessoas pensaram mesmo que poderia ter ocorrido por breves momentos um terramoto. A picada foi breve mas sentida. Quando pensava que tudo estava a acabar e que brevemente iria para a minha querida casa, para o aconchego da minha cama, não é que oiço que teria que fazer a vacina BCG e Anti-hepatite B. “Mau, se isto é viver cá fora, que já ir para dentro da barriga da minha mãe.” Estava dorido e cansado. Tinha sido um dia longo e duro. Penso que foi a partir dessa data que fiquei com fobia a agulhas e hospitais. Só o cheiro dos hospitais me provoca vontade de fugir e nunca mais voltar. Partir para longe do sofrimento.
Depois da aventura das agulhas e dos objectos estranhos a atacarem o meu corpo, dormi como um anjo. Bem, anjos são todas as crianças nestas idades. Ainda longe dos problemas da sociedade e das lutas que irão ter que enfrentar, olhando para eles, transpiram pureza. Deveríamos crescer e ficar sempre com a “pureza” de quando éramos crianças. De certeza que seriamos pessoas mais amigas, dávamos mais depressa a mão ao próximo e a partilha saudável seria o nosso único desejo.
Os dias passaram entre dormir e comer. “Que rica vida.” De vez em quando lá aparecia um chato que me pegava nas bochechas e dizia “que lindo menino”. Já não existia pachorra. Ao menos que mudassem de frase e apertassem outra parte do corpo. Outros pegavam-me ao colo e abanavam, abanavam, abanavam e mais abanavam. Tanto abanavam que lhe brindava com um valente vomito. Não era por mal, mas ás vezes mereciam. Não bastava abanar uma vez? Outros ainda traziam brinquedos que não faziam ideia do mal que me poderia fazer. Eu era um bebé e traziam brinquedos com pontas aguçadas e com fios? Isso é responsabilidade humana? Ainda bem que a minha mãe era responsável e tirava o brinquedo do meu alcance. Muitas vezes o problema, alem de ser da pessoa que compra, também é das empresas que fabricam os brinquedos não respeitando as normas de segurança, procurando acima de tudo o lucro fácil.
Um dia, o meu pai puxou-me para o seu colo e contou-me uma história. A história era longa e só a meio é que percebi que era a história da sua vida.
Sabes, começou ele por dizer, o teu pai e a tua mãe são de origem muito humilde. Nascemos pobres, em pequenas aldeias perto de Arganil. Eu nasci em Mouronho, numa aldeia em que tem 90 habitantes e quase todos eles trabalhavam na agricultura. O meu pai, teu avô, era o ferreiro da aldeia. Fazia ferraduras para os burros e outros utensílios em ferro. A minha mãe, tua avó paterna, vivia do campo. Cultivava o milho, as batatas, as couves e muitas outras coisas, que depois colhia para se poderem comer. Tenho quatro irmãos, ou seja, tens um tio e três tias. Nascemos todos na mesma casa e partilhamos todos a mesma sardinha ao jantar. Quando éramos novos, vivemos tempos difíceis. Existia pouco dinheiro. Todos tínhamos que trabalhar para ajudar a sustentar a família. Eu nasci em casa, não foi no palheiro, mas quase. Nasci num pequeno quarto escuro, em que a luz vinha de um petromax. Foi durante o Inverno e estava muito frio. Foi difícil, mas consegui sobreviver aos primeiros dias de vida. Mal coloquei o pé fora de casa, comecei a guardar ovelhas. Só fui à escola até à quarta classe. Devo-te dizer que fui um pequeno terrorista. Na escola ou fora dela, apanhei sempre. Ora eram as reguadas da professora, ora era o cinto do teu avô. Mas contigo vai ser diferente não vai? Aquela conversa estava divertida, mas eu estava a ficar com fome. “Que tal umas bolachas Oreo mãe?” Lá tive que me contentar com meio litro de leite desnatado by Leonor Carvalho.
Enquanto tentava passar “pelas brasas” o meu pai continuava com a história da sua vida. Parecia que isso lhe estava a saber bem. Ele estava a tentar passar-me algo. Depois percebi que era uma transmissão de sabedoria de vida, um grito de vitória, por poder estar ali com um filho, depois de ter tido uma vida particularmente difícil.
Sabes, continuou ele, depois da escola, fui trabalhar para o campo, fiz de tudo. Plantei, colhi, guardei, carreguei, trabalhei de sol a sol. Olha para as minhas mãos. Estás a ver estas marcas? São marcas de uma vida. Cada linha conta uma história, um ano de trabalho. Mais tarde consegui um lugar na padaria e tornei-me padeiro. Era uma vida dura. Trabalhava-se de noite e não se ganhava praticamente nada. Mas nessa altura o importante era ter algo para comer. Era levar um pão para casa e dividir com a tua família. Nessa altura tanto os trabalhadores como os patrões eram pessoas unidas e únicas. Lutavam todos para o mesmo lado, não é como agora que cada vez mais se está a ver que são os grupos económicos que governam o mundo. Espero que não vás ter problemas quando fores mais velho.
Enquanto ele falava, faziam-me festinhas na cabeça. Já há muito ouvia as suas palavras ao longe, mas tentava não adormecer, pois o que ele me estava a transmitir era sabedoria. Era experiencia de uma vida dura e em alguns casos dramática.
Sabes, continuava ele, tive sorte. Através de um contacto, fui para Lisboa trabalhar para a Carris. Fui para motorista. Tinha tirado a carta de pesados, apareceu a oportunidade e não hesitei. “Assim é que é, tentei dizer-lhe. Tenho um pai vencedor”. Foi um pouco antes de vir para Lisboa que conheci a tua mãe, continuou ele, num dos muito bailes das festas da região. Já lhe andava a piscar o olho, mas estava difícil de avançar. Naquele tempo era difícil. Era tudo à distância. Só mesmo nos bailes é que podíamos tentar a nossa sorte. Lembro-me perfeitamente. Foi no baile na Carapinha no Verão de 1963, quando nos cruzamos pela primeira vez. Ela vinha linda. Cabelo apanhado, uma camisa rendada e saias quase até aos pés. Tinha uns olhos lindos e sorriso de marota. A sua passagem por mim junto ao coreto arrasou com o meu coração. Tinha sido apanhado pelo Cupido. Não havia regresso. Estava apaixonado. Naquela altura todas as raparigas andavam acompanhadas e era muito difícil conseguir trinta segundos a sós. Teria que montar uma estratégia. Ao som dos Ferro e Fogo, com a música “Estou de Rastos”, cheguei-me devagarinho e convidei-a para dançar. Fiquei surpreendido pela resposta. Foi um NÃO de boca cheia. Fiquei de olhos abertos e rapidamente dirigi-me ao bar onde bebi cinco copos de três quase de seguida. O meu coração tinha sido esfaqueado. O mundo tinha acabado naquele momento. A vida não fazia mais sentido. Mas a surpresa estava para vir, quando saia do baile, uma rapariga veio ter comigo e entregou-me um papel. Estava escrito na folha a palavra SIM, assinado Leonor. Foi o início da nossa vida a dois. Quando o meu pai acabou a frase, adormeci profundamente e sonhei o quanto teriam sido felizes aqueles dias de namoro e casamento.
A minha Mãe tentava a todo o custo que nada me faltasse. Estava-lhe no ”sangue”. Era um impulso incapaz de ignorar. Era um dever. Dava-me banho, cuidava da minha pele, dava-me carinho e alimentava-me de forma saudável todos os dias. Tornara-se uma rotina. Uma boa rotina.
Dias mais tarde, depois de o meu pai contar a história da sua vida, chegou a vez da minha mãe contar a sua.
Sabes, disse ela. Onde eu é que já ouvi isto? Deve ser de família. Já me estou a ver a contar a história da minha vida aos meus filhos e começar com … Sabes ….
Sabes, nasci numa terra distante chamada Canhestro, a oito quilómetros de Arganil. É uma pequena Aldeia com sete casas e viviam cerca de trinta e cinco pessoas naquela comunidade. Sou a filha mais nova da família. Nasceram antes de mim, três irmãos. Dois rapazes e uma rapariga. Dentro das nossas possibilidades fomos felizes. Apesar de termos pouco dinheiro, tínhamos um mundo enorme para explorar e divertíamo-nos muito nos prados. O meu pai era muito bondoso e gostava de nos ter por perto. A minha mãe era mais severa, sempre com regras e impulsos agressivos. A nossa casa era grande e tínhamos muitos animais. Tínhamos bois, ovelhas, coelhos, galinhas e um porco. Era um autêntico Jardim Zoológico. Vai gostar de ir ao Canhestro, porque tudo continua igual. Na escola fui só até à quarta classe e depois tive que ir trabalhar para o campo. Era duro e trabalhávamos para sobreviver. Não quer dizer que hoje seja muito melhor, mas conseguimos, com a vinda para Lisboa, dar-te um pouco melhor qualidade de vida. Adorava a vida no campo. A apanha da azeitona, o podar as videiras, a arranca das batatas, o pisar das uvas, a matança do porco. Era tudo um circulo anual mítico e de grandes tradições. Esse circulo ainda não se quebrou e vais fazer parte dele de certeza. Agora vivemos em Lisboa e será aqui que vais crescer e aprender as regras da sociedade.
E se de repente sentisse água gelada a cair pela cabeça? Não, não foi Impulse, foi mesmo o que senti quando fui baptizado. Quando crescer quero ter um conversa séria com a minha mãe. Qual foi a ideia dela em me vestir um vestido completamente branco super piroso para aquela cerimonia? Eu com seis meses de idade, perfeitamente ciente da minha masculinidade, era necessário passar por aquela vergonha? Sei que foi um dia importante para os meus pais, avós e familiares. Fazia parte de uma tradição secular. Fui baptizado pelo mesmo padre que casou os meus pais, que casou os meus tios e que casou os amigos dos meus pais. Afinal era o padre que casava e baptizava todas as pessoas que habitavam num raio de trinta quilómetros da aldeia de Mouronho, terra do meu pai. Era um bom padre e deveria ter muito trabalho de certeza. Ainda hoje quando entro na igreja onde fui baptizado, sinto uma energia enorme. Toco na pedra onde colocaram a água do baptismo e relembro as caras dos meus pais. Apresentava rostos de afirmação, querendo dizer que me tinham entregue à igreja cristã e que agora pertencia à sua comunidade. Teria que viver conforme os seus padrões e regras.
Os dias passavam e cada vez estava mais mexido e curioso. Tudo servia para explorar. Tudo o que mexia era alvo da minha atenção. Os bonecos que me faziam companhia eram os melhores amigos. Puxava-lhes os pés, os braços, mordia-lhes em todo o lado e até a alguns arrancava-lhes a cabeça. Nunca os ouvi protestar. Eram mesmo bons amigos.
Chegou um dia em que as minhas costas já estavam fartas de cama. A vida não devia ser só comer e dormir. Não devia só estar deitado. Olhava para os outros seres parecidos comigo e via-os a andar e a correr. Se eles podem, porque também eu não posso? Já com sete meses de idade, o meu corpo começou a pedir mais, começou a pedir que me levantasse. Iria ser uma aventura das grandes, e como aventuras era comigo, lembro-me perfeitamente: foi num dia cheio de calor, no meio do mês de Maio, estava com a minha melhor fralda colocada e com uma T-shirt de cavas com o símbolo de Super-Man, quando me iniciei na aventura. Antes de me agarrar às barras de madeira da cama, fiz primeiro um aquecimento. Dei três voltas à cama em ritmo de aquecimento (entre 80-120 rpm), e mais cinco voltas já com uma pulsação de endurance (121-140). Peguei no boneco mais pesado que estava por perto e fiz “levantamento do boneco” cerca de vinte cinco vezes em cada braço. Para acabar o aquecimento, desapertei um pouco a fralda e fiz trinta abdominais. Estava a suar e estava pronto.
Olhei para um lado e para o outro. Não queria fazer aquilo com o meu pai ou mãe a ver. Queria-o fazer sozinho. Queria mostrar que estava crescido. Queria mostrar que era capaz de ultrapassar esta etapa sozinho. Primeiro coloquei-me de gatas junto às grades. De seguida coloquei uma mão na grade e avancei um bocadinho com os joelhos. De seguida coloquei a outra mão nas grades e avancei mais um pouco com os joelhos. Fiquei na posição ideal para tentar meter-me de pé. Depois de pensar um pouco, achei que me faltava algo para conseguir atingir o objectivo. Depois de beber um RedBull, o meu corpo até tinha asas. Agarrei com toda a força as grades. Comecei a fazer toda a força do mundo no pés e fui subindo, subindo, subindo, até que cai. Rebolei e coloquei-me de novo em condições de atacar as grades. Se temos um objectivo, nunca se desiste. Por mais que custe, por mais trabalho que isso nos dê, temos que avançar, temos que perseguir o objectivo, temos que lutar até ao fim. Agarrei de novo as grades, fiz de novo força nas pernas e subi, subi, subi e subi mais um pouco, estava quase, quase a chegar ao topo e de repente estava no topo do Mundo. Estava na parte mais alta que alguma vez estive pelos meus próprios meios. Era fantástico ter conseguido. Estava tão louco de alegria que enchi ao máximo os meus pulmões e gritei. Gritei com todo a força que tinha. Queria que os meus pais viessem ver a minha conquista. E de repente lá estavam eles à porta do quarto com lágrimas nos olhos. Não queriam acreditar. O seu filho estava de pé e tinha conquistado esse direito sem ajuda. Agarram-me e encheram-me de beijos e abraços. Foi um bom dia da minha ainda curta vida.
Além de comer e dormir, a minha vida passava também por passear com os meus pais e amigos. Apesar de ir na cadeirinha, gostava do que via. Os meus pais levavam-me a sítios não poluídos, evitando ambientes de fumo ou mal ventilados. Eles tinham a consciência que esses ambientes me poderiam fazer mal, assim levavam-me a parques cheios de árvores e relva, onde poderia sentir o cheio puro da natureza. Passávamos horas a ver os pássaros e os patos. Era muito divertido.
Agora já me sentia um adulto. Já comia a “comida dos grandes”. Se até aos quatro meses bebia só leite, a partir dessa data foram-me introduzindo outros alimentos. Foi pena que o Bitoque ainda não fizesse parte dessa nova alimentação, mas a sopinha cheia de coisinhas boas começou a fazer parte do meu cardápio diário. Como eu odiava sopa… Apesar de me sentir adulto com aquela atitude, a sopa definitivamente não era a minha comida favorita. Outra situação que me aborrecia era que só bebia aquele líquido transparente sem sabor, que lhe chamavam água. Estava doido para saber ao que saberia aquele líquido negro que o meu pai bebia diariamente ao jantar. Aquilo deveria ser divertido, porque quando ele estava com amigos e depois de beberem uns quantos copos, era só rir. Eu bem colocava o dedo no ar, quando o meu pai perguntava para a plateia se alguém queria mais um copo, mas não tive sorte nenhuma. “Fica para mais tarde” pensei eu.
Ouvi o mau pai dizer à minha mãe que eu estava pronto para a viagem. “Qual viagem?” perguntava eu a mim mesmo, já que ninguém percebia patavina daquilo que eu dizia. Seria a viagem outra vez ao Médico. Já estava um pouco enjoadinho de me andarem a apalpar e a meterem paus pela a boca dentro. Seria a viagem a um novo parque? Seria bom, pensado melhor a palavra viagem, era de certo uma voltinha para alem do meu universo. Fiz uns barulhos estranhos ao meu pai e parece que ele percebeu. “Pronto, eu digo-te, vamos ao Norte, à Terra onde o teu pai e mãe nasceram”. Fiquei doido de alegria. Tinha ouvido milhares de histórias daqueles locais de culto e estava fascinado por os ir observar de perto. Os arranjos para a viagem foram o caos. A minha mãe queria levar tudo e mais alguma coisa. O meu pai estava rabugento e discutia com a minha mãe o porquê da necessidade de levar alguns objectos fúteis. Explicava o meu pai que o carro era pequeno e que não poderia ir completamente cheio. A minha opunha-se e dizia que teria que levar tudo o que o Jorge necessitava. Eu pessoalmente estava do lado da minha mãe. Era claro que necessitava de tudo, inclusive do urso peluche de metro e meio que me deram quando nasci, além do Portátil Magalhães, claro.
Com dificuldade, conseguiu colocar-se tudo dentro do carro. O Toyota Corolla azul banana, com os seus 1200cc e 50cv, era lindo.
Por dentro estava bastante asseado. O meu pai esmerava-se com o carro. Era lavado e aspiradas praticamente todas as semanas, verificava regularmente a pressão dos pneus e mantinha as revisões em dia. Era uma forma de manter a viatura saudável e segura, sendo muito importantes estas acções para os seus tripulantes.
Finalmente partimos. Eram seis horas da manhã. Nunca percebi este fetiche que o meu pai tinha de sair de madrugada. Desde sempre até aos dias de hoje, ele continua a fazer as suas viagens de madrugada. “Pela fresquinha é que se vai bem”, disse ele. Fui colocado na viatura nas melhores condições de segurança possíveis e partimos ao som do José Cid. Lembro-me dos míticos cartuchos. O meu pai tinha muitos de música portuguesa mas nesse dia fizemos quatros horas e meia a ouvir José Cid. Eu estava louco de tanto Cid. Fartei-me de chorar para que o José se calasse, mas ora diziam que tinha fome, sede, fralda suja, ou sono, mas não percebiam que era do José Cid. Lá tive que gramar como o baril durante a longa viagem até ao Canhestro.
Nos anos setenta fazer uma longa viagem em Portugal era quase uma expedição. Os duzentos e sessenta quilómetros que separavam Lisboa do Canhestro eram feitos em quatro horas e trinta minutos, se tudo corresse bem. Não existiam auto-estradas e mesmo que existissem o meu pai é contra as mesmas. As condições das estradas eram péssimas, com muitos buracos e sinalização precária. Os carros também não eram sofisticados como os hoje, assim como as suas suspensões. O que mais me fazia confusão eram as viaturas não terem cinto de segurança. Apesar das viaturas nos anos setenta não atingirem velocidades muito elevadas, o facto de não usar cinto, era como carimbar a morte, num acidente grave.
As viagens ao Norte tinham as suas rotinas. As paragens eram feitas quase sempre nos mesmos sítios. Mais tarde, quando me comecei a aperceber dessa situação já sabia onde iríamos parar. As míticas paragens em Aveiras, em Pombal e na Serra de S. Pedro, onde parávamos para encher os garrafões de água numa bica muito especial, pelo menos era o que o meu pai dizia.
Na minha primeira viagem tudo correu bem e ao fim das já cronometradas quatros horas e trinta minutos chegávamos na terra natal da minha mãe. Quando o meu pai abriu a porta, senti logo sensações diferentes. As mais marcantes foram o cheio da terra molhada, da lenha queimada, do ar puro e um grande silêncio. Senti que estava em casa, quando os meus avós maternos vieram ao meu encontro e me abraçaram. Eram duas pessoas marcadas pela vida. Via-se nos seus rostos que eram pessoas que trabalhavam no campo e que tinham tido uma vida difícil. O meu avô materno era alto e atlético e a minha avó materna era magra, tinha uma voz aguda e falava muito alto. Já sabia de onde tinha a minha mãe herdado a voz. “Ó Jorge come a Sopa. Ó Jorge come a sopa, já”. Deve ter sido a frase que ouvi mais vez na minha vida. Fiquei mesmo com o trauma à sopa. Dificilmente como sopa actualmente.
Depois dos beijos e abraços, a minha avó foi-me mostrar a casa. Era uma casa grande, com um grande quintal interior. Ouvi ruídos que não me eram estranhos. Eram os animais que estavam no curral. Antes mesmo de ir para casa, fizeram-me uma visita guiada. Foram vinte minutos de loucura. Eram galinhas pequenas, médias, grandes, depenadas, com penas, com crista, sem crista. Eram coelhos pretos, brancos, castanhos, com orelhas grandes e outros nem por isso. Eram ovelhas gordas, magras, com lã, sem lã. Era uma parelha de bois, bem bonita e um porco enorme que fez um barulhão à minha chegada. Além destes animais que estavam no curral, existia o gato da casa e o cão de estimação de nome Joly. Fui apresentado a todos eles, um a um. Por mim passava o dia a brincar com bicharada, mas estava a ficar frio e a minha mãe aconselhou a minha avó a levar-me para dentro de casa.
A casa era enorme aos meus olhos. Comparando com a casa de Lisboa, era trinta vezes maior. Tinha cinco quartos, uma sala, uma cozinha, com um enorme fogão a lenha e ... espera lá, falta aqui qualquer coisa. Onde está a casa de banho? Fui informado com muita calma, sim, porque sou um rapaz da cidade e não estou a habituado a estas coisas, que a casa de banho era no pátio. Era um simples buraco, onde as pessoas se sentavam e faziam as suas necessidades. Por agora não me iria preocupar, porque neste momento a minha casa de banho era a fralda, mas isso iria mudar rapidamente e quando fosse crescido queria uma casa de banho a “sério”.
Depois de um almoço à base de sopa e de um pouco de peixe esmagado com batatas, fui fazer o meu sono de beleza. Estava tão cansado que tiveram de me acordar junto à hora de jantar para o meu banho diário. E que banho. Parecia que estava numa Piscina Olímpica. Colocaram um enorme alguidar na cozinha cheio de água quentinha e deixara-me estar de molho durante algum tempo. Todo o ambiente esta quente e sentia-me bem. Enquanto chapinhava, pensava que não seria muito diferente o meu banho do dos meus pais há uns anos atrás.
No dia seguinte, fui visitar os meus avós paternos. Depois dos beijos e abraços do costume, fui fazer mais uma visita guiada. A casa dos meus avós paternos era muito parecida com as dos meus avós maternos. Só a casa é que mudava de configuração, já que o resto era tudo praticamente igual. Mesmo a história da casa de banho no exterior continuava igual. O meu avô paterno era, comparando ao meu avô materno, muito pequeno. Era mesmo tipo anão. Não passava do metro e cinquenta e sete. A minha avó paterna acompanhava o meu avô em altura. Além de ser pequena era um pouco mal-humorada e agressiva. Se meus avós maternos tinham passado dificuldades, os meus avós paternos tinham passado muito mais. Via-se na sua personalidade, no modo como se tratavam, no modo como falavam. Era fácil olhar-lhes para o rosto e ver-lhes o sofrimento. Eram pessoas frias e quem raramente se via o sorriso. Para ser sincero, sempre me senti melhor na casa dos meus avós maternos. Sempre que era obrigado a ir a casa dos meus avós paternos, fazia sempre força para sairmos rapidamente de lá.
A visita ao Norte estava concluída. Tínhamos que voltar para Lisboa. Iriam existir duas grandes mudanças na vida da nossa família e eram para já, antes do meu primeiro ano de idade.
O meu pai tinha-se inscrito nas centenas de vagas abertas para trabalhar na Lisnave. A empresa situava-se na margem sul do Tejo e procuravam trabalhadores em varias vertentes. O meu pai foi aceite como pintor. O ordenado era superior ao que usufruía na Carris. A pensar na família, depressa se deslocou à margem sul para assinar contrato.
Existiu a oportunidade da minha mãe ser porteira num prédio nos Olivais sul, com direito a uma pequena casa e mudamo-nos de imediato.
Eram duas alterações na nossa vida bastante grandes. O meu pai mudara de emprego, a minha mãe tinha conseguido um emprego e tínhamos uma nova casa, num novo local. Assim, tínhamos mais dinheiro e uma casa nova. O dinheiro deu-nos mais estabilidade e confiança para enfrentar o futuro. A casa, apesar de ser muito pequena, era nova e isso também era importante. A sorte tinha sorrido à nossa família. Estávamos felizes.
Quase toda a minha vida vivi no Olivais Sul. Era um bairro estranho, porque foi feito a pensar em juntar dois tipos de classes sociais: os ricos e os pobres. Fizeram edifícios bem construídos perto de edifícios de habituação social. O que veio acontecer é que em vez de se juntarem as comunidades, os pobres ficaram a trabalhar para os ricos como, por exemplo, mulher-a-dias.
Os Olivais eram um sito bestial para se viver. Não eram como a Graça ou o centro de Lisboa. Nos Olivais podíamos ver grandes relvados, muitas árvores e passeios largos. Podíamos ainda ouvir os pássaros e sentir o cheiro da natureza por perto.
Como criança, para se viver, era o sítio perfeito. Nessa altura os pais das crianças podiam ficar descansados em casa, enquanto as crianças brincavam na rua. Não existia a insegurança que se sente nos dias de hoje. O Estado bem tenta controlar a situação, mas as mudanças dos hábitos, a pobreza, a saturação de seres humanos, o desemprego, assim como a informação negativa que nos chega todos dias através da Televisão, provoca um onda de intranquilidade generalizada.
Estava quase a completar o meu primeiro ano de idade. Sentia-me quase pronto para largar as paredes e começar a andar. Queria tanto dar esse passo. Era um passo gigante para um ser tão pequeno. Caminhar, andar, correr, deveria ser a realidade mais desejada por qualquer um de nós. Dá-nos autonomia, liberdade de escolha e poder de decisão. Ainda não era capaz, mas treinava todos os dias com afinco. Todos “puxavam” por mim. Todos me queiram ver a andar pela primeira vez. A minha mãe passava todo o tempo com a máquina fotográfica na mão. Queria registar o meu primeiro passo e mostra-lo ao mundo. Nesse tempo a fotografia em papel era a forma mais normal de nos “roubarem” a alma, como diriam os Índios. Era a forma de nos imortalizarem para resto da vida, apesar de aparecermos sempre um pouco castanhos nas imagens. Deveria ser dos químicos que utilizavam nos produtos de revelação.
Antes do meu primeiro ano de idade a minha mãe levou-me ao médico para a consulta do ano. A minha mãe ficou feliz por verificar que era uma criança saudável e com os pressentis acima da média. Ouvi dizer da boca da médica à minha mãe que estava pronto para andar a qualquer momento. Não gostei muito da experiencia quando a senhora me deixou no meio do consultório sozinho e afastou-se. Consegui equilibrar-me e rapidamente procurei uma parede, mas estas estavam longe. Rapidamente analisei a situação procurando a forma mais rápida e menos dolorosa para resolver a situação. A minha mãe e a médica estavam a cerca de três metros, as paredes também estavam a essa distância, só me restava andar, ou sentar-me. Quando dei o primeiro passo para a frente, senti um misto de emoções. Pânico, ansiedade, alegria, medo, coragem, mas ao segundo passo não resisti à pressão e deixei-me cair, para desespero da minha mãe. “Não se preocupe. È melhor não o assustar, porque assim poderá ganhar medo e começar a andar muito mais tarde”.
Comecei a gostar de ir ao médico, mas só depois da minha me afirmar que não levava “picas”. Acho mesmo que muitas vezes me fazia de doente para visitar a senhora que me dava balões e bonequinhos pequeninos. A nossa médica de família era muito simpática e oferecia-me sempre uma prenda quando a visitada. A minha mãe perguntava-lhe se era o Estado que oferecia aquelas pequenas “prendas”, a médica respondia que não. Era ela que comprava, porque percebia que as crianças vinham mais descontraídas e destemidas às consultas. Eu, pessoalmente, tenho uma teoria sobre este assunto: acho que muitas crianças se fingem de doentes para irem a este médico. Eu próprio o fiz. Era uma forma de receber mais uma “prendinha”, e como sabem, nesta idade só vivemos para isso.
Como todos as crianças nesta idade era manipulador. Provocava ao máximo, fazia chantagem emocional, através do choro, de cara de desgraçado e através de birras. Conseguia dar a “volta” à minha mãe, mas ao meu pai era mais difícil.
Nesta idade já comia de tudo. Parecia um “saco roto”, especialmente bolachas. Os meus pais bem tentaram criar horários, mas eu queria experimentar de tudo e tornava-se difícil quando deixavam algo para comer à vista, porque logo eu queria saber o gosto de tão adorado alimento.
Como curioso que era, explorava a casa de gatas ou em pé agarrado às paredes. A minha predilecção eram as tomadas e as fichas triplas. Os meus sentidos estavam sempre direccionados para os perigos. Devia ser uma loucura colocar os dedos dentro das tomadas, puxar os cortinados, apanhar uma caneta e escrever nas paredes, mandar um vazo para o chão ou subir a uma cadeira e apanhar uma faca perdida. Felizmente que os meus pais tinham consciência dos perigos ao colocarem protecções de tomadas e montarem outras estratégias para que crescesse sem problemas a esse nível.
Estava a fazer um ano.
Estávamos no dia onze de Outubro de 1970 e só faltava um dia para o meu primeiro ano de vida. Estava no meu parque artesanal e via a minha mãe entretida na cozinha, entre panelas, formas, farinha, ovos e muitas outras coisas que soavam muito bem ao meu ouvido. “Estou a ver que vai existir uma festa das grandes”, comentava eu com os meus botões. Já estou louco para ver as minhas prendas. Espero que me ofereçam a serie toda do Bonança. Isso é que era. Adoro filmes de Cowboys. Adorava aquela serie. O cheiro a bolos e folhados era perigosamente assustador e tentador. Já estava a ver a minha dieta a ser atacada por todos os lados. Depois do aniversário teria que fazer a Maratona House, que consistia em trinta e três voltas de gatas e quatro a pé (agarrado às paredes), em ritmo acelerado, percorrendo toda a casa.
Nessa tarde fomos a uma bonita loja de na baixa Lisboeta. Ainda era um pouco cedo para o São Martinho, mas o ambiente já cheirava a castanhas assadas. O chão estava coberto de folhas e as árvores despidas. As pessoas circulavam de longos casacos e de gorros. Apresentava-se um dia frio. O meu pai dizia-me que era Outono.
Viam-se senhores da Câmara a limpar o chão das ruas com pás e vassouras. Tentavam manter a cidade limpa. Era um dever não só do Estado, mas de qualquer cidadão manter o seu espaço limpo. Assimilávamos com convicção as mensagens espalhadas por toda a cidade de que era importante uma cidade limpa e bonita. Seria bom para nossa saúde, para o nosso bem-estar e para o nosso turismo.
Nesse dia o meu pai deu-me uma lição de vida. Ao passarmos por uma personagem quase sem roupa, de aspecto muito triste, com cara de fome, o meu pai parou, olhou para mim, foi com a mão ao bolso e retirou uma pequena moeda e colocou na mão desse personagem. Não percebi por momentos o que aconteceu, mas o meu pai ao puxar-me para o seu coloco e ao dizer as seguintes palavras, recebi um ensinamento para a vida. “Por mais pobres que sejamos, existe sempre alguém mais pobre. E é esse que temos que ajudar, ….” O meu pai ainda disse mais algumas palavras, mas já não as ouvi. Não é que percebesse muito bem as suas palavras, afinal ainda não tinha um ano de idade, mas o gesto, foi de facto importante e marcante.
Chegamos á loja que se chamava Grandela e fiquei deveras impressionado. Aquilo era gigante. Centenas de pessoas circulavam nos grandes corredores. O barulho era infernal. Fiquei impressionado, mas ao fim de vinte minutos queria-me vir embora. Estava a ficar stressado. Andávamos a ver roupa para o meu aniversário. Quanto mais a minha mãe escolhia, mais eu achava pirosas as suas escolhas. Mas será que a minha mãe não via o Fashion Channel TV? As roupas escolhidas eram simplesmente horríveis. Camisa bordada, calcas de vinco, sapatinho “à cocó” e meias com duas riscas e com a mítica raquete? E eu não tenho voto na matéria? Não tenho direito de voto? Eu já tenho uma conta no banco, posso comprar as minhas coisas, posso dar a minha opinião. Apesar ter feito uma gigantesca birra, ninguém me deu ouvidos, tirando todos os passantes por perto, que diziam que deveria estar com fome, tive que levar com as peúgas da raquete e toda a outra indumentária pirosa.
Chegou o grande dia. O meu primeiro aniversário. Estava histérico. Nem dormi. Nem eu nem os vizinhos. Estava sempre aos saltos e ouvia-se pelo prédio todo. Às sete da manhã obriguei os meus pais a retirarem-me da cama. Estava tudo um caos, mas por indicações da minha mãe, por volta da hora do lanche tudo estaria perfeito para o apagar das velas. “Apagar das velas?” pensei eu, “Não me digam que vai faltar a luz.”
Por volta das quatro da tarde, familiares iam entrando pela porta e traziam o que eu queria. Tinha-lhes mandado um SMS a dizer que se não trouxessem um embrulho com uma fita, não tinham direito a entrar. Não interessava se não trouxessem nada dentro da caixa tinham é que trazer um embrulho berrante e com um laço. De repente cai na real, estavam todos ali por minha causa, afinal quem era o Rei? Era eu. Durante as próximas horas era eu o centro das atenções e iria fazer tudo para que isso acontecesse. Agradeci todas as prendas, com um grande sorriso e beijinhos. Fiz umas palhaçadas e tentei andar sozinho, mas mais uma vez, não consegui. Brinquei com os meus tios, porque primos ainda não os via por ali. Brinquei o mais que pude. Diverti-me à grande e todos se divertiram comigo. Fiz um esforço enorme para não chorar, nem fazer birras, mas quando a luz se apagou a coisa ficou literalmente preta. Comecei a soluçar, mas quando vi aquela “fotografia” do bolo de anos a vir na minha direcção de todos a cantarem os parabéns, senti-me a pessoa mais feliz do mundo. Soltei gritos de felicidade e de alegria e quando me pediram para soprar as velas… foi o culminar de um dia super feliz. Tinha sido o meu primeiro aniversário, juntamente com as pessoas que amava e era isso que me interessava. Juntos para sempre.
Três dias tinham passado do meu aniversário e estava na hora de retribuir todo o carinho e amizade aos meus pais. Ainda pensei em dar-lhes a chave certa do totoloto, mas queria dar-lhes algo mais marcante. Um momento único na vida de uma criança. Já tinha dado sinais para que a minha mãe nunca tirasse a máquina fotográfica das mãos e chegou o dia há muito esperado. Estava na hora e eu sabia-o. Estava na altura de arrumar a trouxa e acompanhar o Patilhas (Patilhas e Ventoinha – parodiastes de Lisboa – anos 70). Vesti o fato de treino das três riscas, calcei os ténis comprados na Feira do Relógio e fiz os exercícios de aquecimento. Estava pronto. Coloquei-me no meio da sala e a minha mãe no fim. Tracei o azimute, fiz uma regra três simples, coloquei o esquadro no sítio certo e assentei o nível para verificar o terreno. Coloquei o dedo indicador na boca e molhei-o com saliva. Levantei-o e verifiquei o vento. Estava franco. Estava de Nordeste para Este. Como estava sol a bater-me nos olhos, coloquei os ósculos anti raios ultra-violetas para me proteger. Estava pronto. Estávamos todos prontos. Eu, a minha mãe e a máquina fotografia. Foi pena o meu pai não estar presente, mas estava a ganhar o tostão e isso também era necessário. Levantei-me, coloque-me direito, respirei fundo. Avancei com um pé. Abanei um pouco. Avancei com outro pé e por magia comecei a andar. Dei cinco passos e fui ao encontro dos braços da minha mãe. A minha mãe chorava e eu sorria. Estados diferentes de emoções na celebração da vida.
Estávamos no mês do Natal. No ano passado não me tinha apercebido a magia do Natal, mas este ano já era um homem. Já andava como os crescidos. Tudo era lindo. Eram as luzes, as decorações, as prendas, o Pai Natal, existia magia no ar e para mim era uma felicidade enorme participar nisso. As lojas apresentavam-se lindíssimas, cheias de cor e brilho. Eu queria tudo. Por onde passasse nada escapava aos meus olhos. Deve ser a época mais bonita para uma criança. Apesar de manipulada pelo Marketing e com isso são os pais que sofrem, é uma época de alegria e esperança.
Em casa tínhamos um pinheirinho cheio de luzes e bolas vermelhas e brancas. Na ponta da árvore, tínhamos uma estrela. A minha mãe contou-me a história do Natal, mas os meus olhos e ouvidos só estavam dirigidos para as prendas que estavam debaixo da árvore. Como sabia que a minha mãe iria repetir todos os Natais a mesma história, concentrei-me no que mais gostava naquele momento: as prendas.
O meu segundo Natal foi passado na terra dos meus pais. A família estava toda junta e foi um festival de comida, animação e recordações. Éramos muitos, mas o melhor foi brincar com o meu primo de quase um ano. Naquele momento éramos os melhores amigos. Partilhávamos tudo sem pensamentos negativos ou conflitos de interesses. Era a partilha no seu estado mais puro.
Na manhã do dia de Natal a excitação era grande. Era altura de abrir as prendas. Adorei todas as que me deram, mas fiquei aborrecido por não me terem dado o Carro do Kit – o Justiceiro. Disseram-me que era para mais de três anos. Pelos menos a embalagem assim o dizia. Que aborrecimento.
Como a minha mãe era porteira, nunca tive a oportunidade de experimentar as creches ou os infantários. Até à idade de ir para a escola pública, fiquei em casa dos meus pais. Não tive muita liberdade de movimentos fora de casa até aos seis. Os dias eram passados dentro de casa sozinho, enquanto a minha mãe cuidada do prédio e acompanhado quando o meu pai vinha do trabalho e a minha mãe acabava os seus afazeres.
Como o meu pai trabalhava por turnos, eu e a minha mãe passávamos muitas noites sozinhos. Ela contava-me histórias e adormecíamos juntos na sua cama. Ao fim-de-semana fazíamos pequenas viagens pela zona oeste ou pela Costa da Caparica. Levávamos um piquenique e passávamos as manhãs na praia e as tardes na mata. Eu gostava bastante da parte da praia, mas ir para a mata comer as batatas fritas e o frango assado dispensava. Ainda por cima passávamos a tarde a ressonar, deitados naquelas mantas de retalhos. Perguntava-me se não era uma perca de tempo estar ali. Não poderíamos ir para a praia? Sempre fiz pressão para depois da sesta irmos até à praia, mas o meu pai, sempre teve o trauma das filas na Ponte 25 Abril, dizia sempre “tenho que ir embora antes das cinco da tarde”. Era sempre a mesma rotina. Para ir para a praia era às seis e meia da manhã e para regressar era às cinco da tarde.
Lembro-me perfeitamente chegar à praia e sermos os primeiros a estender a toalha. Às vezes não era bem estender a tolha era enrolarmo-nos na tolha, tão grande era o frio. Chegávamos bem cedo e depois de despejar todas as tralhas, íamos fazer um joguinho de futebol na areia molhada. Durante pouco tempo, porque o meu pai queria ir à praça comprar as sardinhas para o almoço. Não gostava muito de ir, mas como ele comprava-me sempre um livro de cowboys em segunda mão, acabava por ir. Chegávamos de novo à praia às dez e meia. Depois de mais um jogo de futebol, íamos à água gelada. Qualquer criança gosta de água e eu também gostava, mas ficava pela beirinha da mesma. Saltava, corria, dançava e acabava por ficar cansado. Estava na hora do caprisone e da sandes de queijo, preparadas cuidadosamente pela minha mãe. No fim o meu pai informava-me que teria que colocar o lixo no caixote apropriado. Ao meio-dia, que eu achava cedíssimo, íamos até à mata, começar a preparar o almoço. Enquanto os homens preparavam a fogueira as mulheres preparavam a salada e tratavam dos pratos e talheres. Eu, já com os meus três anos, tentava explorar ao máximo a zona, mas não era fácil. Os meus pais achavam que ainda era pequeno e estavam sempre a chamar-me para me sentar perto deles.
Perto dos meus quatros anos, a nossa família foi convidada para um casamento na “terra”. Era do irmão da minha mãe. Já conhecia os procedimentos da viagem, mas estava curioso em assistir a um casamento enorme, com muitos convidados. Como sempre a partida para o Canhestro foi feita à seis da manhã. Ainda não se via o sol e já estávamos na estrada. Sinceramente aquelas viagens eram uma grande “seca”. A minha mãe trazia-me sempre um cobertor e uma almofada, para que fosse a dormir. Eu não me fazia de rogado e dormia quase o caminho todo. Quando chegávamos à Serra de S. Pedro era altura de acordar. Já faltava pouco, mas mesmo assim de dois em dois minutos a minha pergunta era sempre a mesma “já chegamos?”, “já chegamos?”, “já chegamos?”, “já chegamos?”, “já chegamos?”. Claro que aquilo para o meu pai não era música para os seus ouvidos. As primeiras vezes ainda ouvia, depois vinha em minha direcção uma descarga de mau génio. Mas porquê? Afinal só estava a fazer uma simples pergunta.
A casa da minha avó materna estava cheia de gente. Pais, filhos, netos, tios e amigos. Todos estavam presentes para a grande festa. Foi uma alegria brincar com os meus primos, especialmente porque era o mais velho. Dava-lhes a conhecer novas experiencias e novos lugares. Brincávamos como se fosse o nosso último dia. Brincávamos até cair para o lado de cansados. Eram tempos mágicos, sem preocupações.
O grande dia chegou. O meu tio Adelino ia casar. Mais uma vez a minha mãe comprou uma roupa horrível. É desta vez que vamos assinar a Tv Cabo, para que ela possa ver o Fashion TV. Ia de calções e meias até ao joelho e sapatinhos que pareciam de ballet. Mas os meus primos não iam melhores. Acho que deveria ser a moda na altura, as pessoas andarem pirosamente mal vestidas. Os casamentos são mágicos. A ansiedade da noiva, o nervosismo do noivo, o stress dos pais, as bebedeiras dos convidados e a liberdade das crianças. Penso que foi neste momento que conquistei o meu espaço no mundo. Nunca os meus pais me tinham deixado tanto tempo à solta. Pela primeira vez senti a liberdade total. Não senti durante horas os olhos dos meus pais fixados nos meus.
A festa religiosa foi uma seca. Fui obrigado a ficar uma hora dentro da missa sem poder falar ou mesmo respirar. Reparava nas pessoas concentradas e intimistas. Eu percebi que era um lugar sagrado, mas a minha cabeça estava lá fora. Depois da missa, tudo se transformou. Os meus pais finalmente repararam que já me podia aventurar sozinho. Foi um dia enorme, fiz o que apeteceu sem ter presente os meu pais. Corri o mais longe possível dos meus pais, escondi-me, rastejei, rebolei, gritei e nada. Não ouvi a esperada frase “Anda para aqui para perto de mim. Só fazes asneiras”. Não ouvi nada. Estava livre, tinha conquistado a minha liberdade.
Estava um belo dia em Setembro, quando vejo a minha mãe e o meu pai a aproximarem-se com um largo sorriso na cara. Não sei se fiquei contente ou apavorado, pela experiencia que tinha tido, poderia ser uma notícia espectacular, ou uma notícia que me iria obrigar a gritar e a chorar. Será que tinha que ir a outra vez ao centro médico levar as vacinas? Esses dias eram horríveis. Quando a minha mãe me dizia que no dia a seguir teria que levar as vacinas, essa noite era passada em branco e no dia da vacina era tentar arranjar a maior desculpa para não ir. Rapidamente apercebi-me que era uma conversa séria. Deu-me logo vontade de ir buscar a minha fralda do nariz. Apesar de ter seis anos, ainda sinto a sua falta. Era o objecto que, quando era pequeno, me fazia companhia para adormecer e me acalmava. Os meus pais sentaram-se e sorridentes disseram-me “este ano vais para a escola”. Fiz o sorriso mais amarelo do mundo. Eu para a escola? Já? Porquê, se estava tão bem ali em casa? Não quero dizer que não gostasse da ideia, mas deixar os meus pais, durante o dia? Ir para um local desconhecido, onde não conhecia ninguém? Ficar abandonado à mercê de estranhos e deslocar-me num lugar novo, não sabia onde ficava a casa de banho, nem o frigorifico? Estava tudo a passar-se tão rápido. Ainda há cinco minutos estava debaixo das “saias” da minha mãe e agora queriam que eu fosse para sítios desconhecidos sem protecção. Com lágrimas a escorrerem-lhe pela face, a minha mãe pega-me na mão e encosta-me a ela “Não fiques preocupado, vai tudo correr bem. Vamos estar lá para te apoiar”. Fiquei um pouco mais calmo. Sabia que ainda não era para já a ida para a escola e tinha uns dias para me adaptar a uma nova realidade.
A notícia de que iria para a escola mexeu com a minha personalidade. Não sei se fiquei mais adulto, mas fiquei mais pensativo e apreensivo. Os meus pais comentaram “anda tão calado”. De facto estava a passar por um nova fase. O castelo à minha volta tinha-se desmoronado e teria que construir uma nova fortaleza. Será que iria fazer novos amigos? Como eram eles? Como era a escola? Quem iria ser a minha professora? Tantas questões por responder.
Apesar de andar bastante preocupado, estava ansioso para comprar os cadernos, as canetas, as borrachas, o esquadro, o afia, os livros e todos os materiais necessários para ser um bom aluno. Dizia a todas as pessoas que ia para a escola e isso deixava-me feliz e alegre. Estava pronto para a nova etapa da vida: o conhecimento.
Entrava vezes sem conta na “Rampa”. Era a livraria/papelaria mais conhecida nos Olivais. Tinha um cheiro característico. Adora lá ir e olhar para todos os tipos de livros. Faziam-me alguma confusão aqueles livros que só tinham letras. Como era possível não terem desenhos? Mas como as pessoas os compravam, deveriam ter interesse. A Papelaria “Rampa” tinha uma grande importância e influencia na população dos Olivais. Era como fosse um centro de cultura. As pessoas procuram as últimas novidades e os proprietários lucravam com isso. Era do tipo bola de neve. Com a necessidade de uns, outros desenvolviam-se e assim crescia a economia.
Pouco dias antes de começar a escola a minha mãe levou-me à papelaria para escolhermos o material. Fiquei doido de alegria, mas ao mesmo tempo com grande ansiedade. Estava perto a data de ir para a escola e isso preocupava-me.
Naquela altura, o marketing não era agressivo, por isso não havia muito por onde escolher. Eram cadernos sem desenhos na capa e o resto do material era simples, sem grandes adereços. O livro da escola tinha uma capa vistosa, que me despertou de imediato a atenção. Estava tão fascinado que queria chegar a casa e desbravá-lo. A minha mãe pagou a conta a uma pessoa simpática que estava sempre a dizer, o menino já está um homenzinho. Gostava se saber quantas vezes passamos da fase de criança a adulto. É que já ouvi esta frase algumas vezes e acho que a vou ouvir mais algumas. Mas realmente era muito simpática. Era uma das características daqueles tempos. Todas as pessoas se conheciam e se cumprimentavam. Conhecíamos todos os vizinhos do prédio e dos prédios vizinhos. Sabíamos os seus nomes e tínhamos-lhe respeito. Actualmente nem conhecemos os nossos vizinhos do prédio e se nos baterem à porta nem abrimos. O índice de segurança actualmente está muito em baixo, por causa da sucessão de problemas apresentados nos telejornais e pela agressividade de como as pessoas comunicam. Actualmente ninguém tem paciência nem tempo, tudo se resume a números. Quem comanda a vida são números e “cifrões”. Basta olhar para a nossa estrutura da sociedade. A economia é colocada no patamar superior em relação às famílias e à sua forma como se comporta na sociedade. Cada vez existe menos tempo para perguntarmos ao senhor do lado se ele está bem. Andamos sempre a correr, a correr, a correr, a correr, …. mas vamos para onde?????!!!! Será que é para o lugar certo? Não me parece ….
Recordo-me em particular de desfolhar o meu livro da escola e ficar vidrado em duas páginas. Era uma pequena história do Tico e do Teco. Ainda hoje é uma imagem marcante, tão marcante que sempre sonhei em ter um restaurante à beira da estrada e chamar-lhe Tico e Teco. Ficava horas e horas a ver os materiais da escola. Queria mexer, riscar, pintar, mas não tinha autorização e isso deixava-me deprimido.
Na noite anterior de ir para a escola, nem dormi. Dei mil e voltas na cama, contei carneirinhos, bebi chá de tília, contei quantas estrelas tinha o céu, mas nada me fazia fechar a pestana. Estava à rasca. Já não sabia bem se aquela história que a minha mãe me contou de eu ir para a escola, era muito agradável. Estava desesperado.
Chegou o grande dia. Mais um marco da nossa vida. O primeiro dia de escola. Rapidamente de rapaz durão, passei a rapaz medroso. Aquele dia deveria ser apagado das minhas memórias. Foi demasiado penoso para ser lembrado. Os meus pais apoiaram-me nos meus primeiros passos em direcção à escola. Esta não ficava perto da nossa casa. Tínhamos que andar quinze minutos a pé, entre oliveiras, trilhos verdejantes, prédios de habitação social e passar uma estrada com muito trânsito.
As minhas pernas tremiam, o meu coração batia aceleradamente. Sentia sede. Todos os sintomas de não sentir-me bem. “Mãe estou doente”. “Não estás nada. Estás um pouco nervoso, o que é normal”. Ela sabia o que dizia mas não era ela que iria ser abandonada. Dava um passo para a frente e dois para trás. Os quinze minutos de viagem pedestre demoram cerca de trinta minutos. A verdade é que ia carregado com a sacola, cheia de livros e materiais escolares, mas pensando bem não foi isso que me atrasou. Foi mesmo o de não querer ir. “Sim, já decidi não quero ir à escola”. Bem tentei “enganar” os meus pais, mas nada feito. Lá teria que ser.
Depois de virar a esquina de um prédio, lá estava ela. Era uma escola como as outras. Um edifico enorme de dois andares, com um pátio ainda maior. O pátio tinha um pequeno campo de futebol e alguns locais sociais para crianças, como baloiços e algumas estruturas em madeira. Eram às centenas as crianças que se dirigiam para aquele local. Todas elas iriam começar um nova era. Todas elas iriam começar a ser preparadas para o futuro e lá estava eu no meio daquela multidão completamente alucinada e ansiosa.
Entrei a medo pela porta da escola e com passos minúsculos. Estava em frente à porta principal do edifício. Tinha um pátio interno enorme, que naquele momento era engolido por tanta criança a correr de um lado para o outro. O pátio era rodeado por enumeras portas. Deveriam ser as salas de aulas. Do lado direito existia uma escadaria enorme com degraus em mármore que nos indicava o primeiro andar, do lado esquerdo avistavam-se enumeras portas marcadas com enormes números e existia também um letreiro a indicar as casas de banho. Se olhasse em frente via a secretaria, onde se podiam ver os administrativos a preparar toda a documentação necessária ao bom funcionamento da escola.
Uma senhora super simpática veio em na direcção e apresentou-se. Era uma assistente da escola. Iria indicar-nos onde era a minha sala de aula. Já com uma lágrima no olho e agarrado às saias da minha mãe desloquei-me aos primeiro andar, subindo aquela escadaria enorme. Quanto mais andava, mas aterrorizado ficava. Apesar de todas as informações positivas dadas pelos meus pais, em que diziam que a escola iria ser fantástica para mim, não conseguia absorver essa mensagem. Já não tinha só lágrimas na cara, era um rio que corria na minha face. Os soluços também já se faziam sentir. Passados pouco minutos estávamos em frente à sala 2. Era um número que me iria acompanhar quatro anos. É curioso que durante a escola primária nunca mudei de sala, penso que não foi uma boa estratégia para o futuro, porque não ficamos preparados para a estrutura da escola preparatória.
Olhei para dentro e rapidamente recuei. Não disse nada à minha mãe e comecei a descer as escadas. Como naqueles tempos os professores eram muitos respeitados, o que não acontece actualmente, a minha mãe começou a ficar inteiramente em “brasa” comigo. A imagem que ela queria dar à professora era a de que me controlava e que era um menino bem comportado e respeitador. Não contava com que eu estava a sentir, o que era mais importante era “despejar-me” na escola, custasse o que custasse.
Enquanto tentava libertar-me daquela prisão, a minha mãe apresentou-se à professora. Esta, com alguma indiferença e sem prolongação na conversa, disse para me sentar na segunda mesa perto da janela. “Só pode estar a brincar”, pensei eu. Depois de quase vomitar, berrar, espernear, e tudo o que acabava em -ar, ninguém me quereria na escola. “Fixe”, pensei eu, “já me livrei desta”. Mas a realidade é que ouvi da boca da professora. “É normal, muitas crianças, no primeiro dia sentirem-se abandonadas pelos pais e reagirem assim. Vai ver que amanhã vai ser diferente”. “Amanhã? Vai existir um amanhã?”. Afinal iria ser um processo irreversível que me iria acompanhar durante muitos anos da minha vida: a Vida Escolar.
Depois de voltarmos a casa, a minha mãe pegou num livro e descreveu-me de novo a escola e todo o seu universo. Pensei, pensei e pensei mais um pouco. Apesar de pouco confiante, sabia que teria que enfrentar o “touro pelos cornos”. Teria que enfrentar a escola de frente. Ser forte e mostrar aos meus pais que tinha passado de criança bebé para criança crescida e com responsabilidades. No dia seguinte, fui o primeiro a ficar pronto e chamei a minha mãe: “Está na hora”. Entrei na escola, levantei os olhos e avancei confiante até à Sala 2. Cumprimentei a professora e fui-me sentar no meu lugar. Estava a primeira conquista concluída e pronto para a guerra escolar.
Das muitas viagens ao Norte, existiu uma que me marcou de forma bastante positiva. O meu pai andava a planear esta viagem há muito tempo. Iam-me dizendo “Quando formos à terra, tenho uma surpresa para ti”. Andava em pulgas. Estava à espera das férias de Natal da Escola, para partirmos para o Norte. O que seria? O meu pai nunca foi de me dar muitos presentes fora de época. Estávamos na época natalícia, mas o presente não era um presente de Natal, dizia ele. Estranho, muito estranho.
Lá fizemos mais uma desgraçada viagem. Foram horas de tortura dentro do azulinho. Paramos de novo nos waypoints míticos. Enchemos como sempre os garrafões de água na Serra S. Pedro. Para mim aquelas quatro horas e meia eram puramente perca de tempo, nesta vida de segundos preciosos.
Acabamos por chegar ao Canhestro, como sempre, cedíssimo. Tão cedo que dava para comer outro pequeno-almoço. A minha avó estava a fazer pão no forno a lenha. Era um forno na parte debaixo do quintal. Ao lado do forno existiam centenas de bocados de lenha, rachados pelo meu avô. Era a partir dessa lenha que depois de queimada, produzia brasas e o pão era cozinhado. A broa era muito saborosa, mas os que eu gostava mais, de entre todos os produtos que saíam daquele forno, eram os bolos da Páscoa. Eram uma delícia, então com manteiga barrada era de pedir e chorar por mais. Tudo era feito em casa com ovos caseiros. O meu pai e a minha avó eram sempre os padeiros de serviço. Amassavam a massa e controlavam o tempo de cozedura. O que eu gostava mesmo era de comer, apesar de ficar fascinado com todo o processo do fabrico do pão. De certo que existia padeiro na região, mas os meus avós ao fazer o pão em casa, conseguiam grandes economias monetárias e sabiam que o pão era perfeito, sem misturas de matérias manhosas.
Isto do pão era tudo muito giro, mas a minha cabeça estava na prenda que o meu pai iria dar-me. “Então, pai, quando é?”. “Vamos lá amanhã”, disse ele. “Amanhã?”, pensei eu. Deve ser longe. Porque se fosse aqui, não esperávamos para amanhã.
Naquela tarde acompanhei o meu pai ao curral do porco. O meu pai abriu a porta para que ele saísse. Era um sinal, era um mau sinal para o porco. Lembrei-me de outras situações. Outras datas que vi fazer o mesmo. Iriam ser as suas últimas horas de vida. Tinha o destino traçado. Estava para breve a matança do porco.
Acordei bem cedo no dia seguinte, apesar do imenso frio existente naquele quarto. Que gelo. Quando nos deitávamo-nos à noite, parecia que estávamos a entrar dentro de um lago gelado. Os lençóis pareciam estar “molhados”. Era muito desagradável, mas como não existia aquecimento central, tínhamos que sobreviver com o que tínhamos. Tomei o pequeno-almoço na cozinha, bem perto do fogão e tive a boa noticia que iríamos a Arganil. “É agora”, pensei eu. Do Canhestro a Arganil são nove quilómetros por uma boa estrada. Além de estar bem conservada, é bonita. É quase sempre a descer por meio de pinhais e terrenos plantados. O meu pai tinha a mania das poupanças. Nas descidas levava sempre a viatura desengatada. Tinha uma frase curiosa. “Está encher o depósito”. Cá para mim era uma irresponsabilidade e como adulto e pai de família, deveria verificar a atitude.
Chegamos a Arganil rapidamente. E, para minha surpresa, fui directamente a uma loja onde existiam as mais variadas bicicletas em exposição. Ao entrar naquele mundo fantástico senti que ira ter o meu primeiro objecto de culto. O meu primeiro transporte independente. Fiquei tão radiante, como envergonhado. Era uma prenda magnífica e cheia de significado. O meu pai perguntou ao especialista qual era bicicleta ideal para a minha altura. Era um senhor de baixa estatura, de bigode farto e voz grossa. “É para este menino? “sim”, disse o meu pai. Foram analisadas várias situações para a compra da minha primeira bicicleta.
A minha altura, o meu peso, se iria andar em estrada ou em trilhos e se era a primeira bicicleta. Gostei. Não estavam a tentar vender só por vender. Estavam a preocupar-se com o cliente e isso faz toda a diferença. Depois de algumas soluções apresentadas, a escolha recaiu para uma bicicleta vermelha de roda dezasseis. Era linda. Apesar de não saber nada de bicicletas, aquela para mim era a melhor do mundo. Era aquela com que ira conquistar vales e montanhas, que me iria levar a sítios maravilhosos e distantes.
Eu queria logo monta-la, mas o meu pai aconselhou calma. Teria que ser mais tarde, numa estrada sem movimento e em condições de segurança. Colocamos a bicicleta na mala do carro e regressamos à aldeia. Queria tanto contar à minha mãe a novidade. Foi um belo dia da minha vida e bastante marcante.
Nessa tarde estava prevista a minha primeira experiencia de bicicleta. Tinha umas rodinhas de lado e perguntei porquê ao meu pai. “É para não caíres. Se te portares bem e te equilibrares depressa, rapidamente tiramos as rodas. À frente da porta da casa da minha avó, existia uma estrada muito pouco movimentada. Essa estrada não tinha saída.
Era o sítio ideal de aprendizagem. Sentei-me na bicicleta, depois do meu pai ter ajustado o espigão de selim, olhei em frente e reparei que a estrada era plana e larga. Coloquei o pé no pedal e dei um bocadinho de força. A minha mãe, o meu pai, os meus avós, sorriram. Era uma realidade. Eu estava a andar de bicicleta. Estavam a resultar todos os ensinamentos que o meu pai me tinha transmitido minutos antes. Era fantástico o sentimento de deslizamento suave. Estava a adorar. Estava tão concentrado em pedalar que nem reparei que ia com velocidade a mais nem que não ia na direcção correcta. Se não fosse o meu pai a salvar-me teria batido no muro que divide a estrada das zonas de cultivo. “Tens que tirar a carta!”, disse a minha mãe sorrindo. Durante dias, com a ajuda com meu pai, ia evoluindo. Rapidamente percebi a técnica do equilíbrio e mais cedo do que todos esperavam ouvi do meu pai “Está na hora de tirar as rodinhas”. Estava confiante. Parecia que tinha nascido para ser ciclista.
Numa bela manhã de Dezembro, tudo se tornou rapidamente negro. Na segunda tentativa de andar sem as rodinhas, embiquei numa pedra, que me fez sair projectado da bicicleta, batendo com o corpo na vala da estrada. Escorria sangue dos joelhos e tinha a palma das mãos mal tratadas. Felizmente não tinha batido com a cabeça. Naquela altura não se usava capacetes de protecção, mas nos dias de hoje é indispensável. Como o acidente tinha sido aparatoso e tinha muito sangue a escorrer, a minha família achou por bem ir ao Centro de Saúde de Arganil. Era mais higiénico, tinham mais condições em termos de materiais e os médicos necessários, para conseguirem que ficasse bom mais rapidamente do que se fizesse o curativo em casa. Eu bem tentei que eles mudassem de ideias. Não queria ir a Centro de saúde, mas não tive sorte.
O Toyota azulinho foi o meio de transporte até ao Centro de Saúde. Naquela altura, o cinto de segurança nas viaturas era facultativo. Era um “crime” essa atitude. Morriam centenas de pessoas por ano e muitas devido ao não uso do cinto. O governo deveria fazer mais acções de informação junto do automobilista, ou melhorar a forma de combater a sinistralidade. Nessa época isso não era uma realidade. Fomos atendidos rapidamente no Centro de Saúde. A utilização dos meios certos para combater os prejuízos do meu acidente, resultou na perfeição. Ao fim de três dias estava pronto para pegar na minha Bike e partir para as conquistas anunciadas. Foram horas diárias a conquistar caminhos desconhecidos e adquirir forma física.
Ficamos mais uns dias na Aldeia. Ficaríamos até ao Natal. A casa estava sempre cheia nessa altura do ano. Eram tios, primos, conhecidos, desconhecidos e os outros. Sim, porque a casa da minha avó tinha histórias para contar. Era uma casa onde se ouviram falar de acontecimentos estranhos. Passos no meu da noite. Água a correr, sem ninguém a ter ligado. Telefonias a tocar no meio da noite. Bocados do corpo do porco morto espalhadas geometricamente pela adega. Eu próprio tive uma noite horrível, em que os exemplos que mencionei foram presenciados por mim. Foi numa noite de Verão, e a telefonia, a água e passos, forma sentidos. De manhã fui à adega e lá estavam os bocados do porco espalhados geograficamente. Que susto. Que medo. Que arrepio na espinha. Ouviram-se mais histórias e até foram consultadas pessoas de capacidade duvidosa para analisar os casos. As histórias permaneceram durante várias décadas nas bocas das pessoas, mas actualmente, à presente data, não passam de histórias e já ninguém lhes liga.
O santo porco estava nas últimas. Parecia que o sentia. Era a hora da sua morte. Sempre fugi nestas ocasiões. Que barbaridade que iram fazer ao bicho. Quando era pequeno, todos tinham orgulho em o mostra-lo. “Que lindo, está a vê-lo. É mesmo bonito!”. Tratavam-no como fosse um animal de estimação e agora como cresceu e se tornou feio, vai à faca. Para mim nenhum animal que fosse criado por nós, teria que ser abatido. Era viver até morrer de velho.
A tradição era libertar o bicho no pátio e ele correr até se cansar. Depois era colocado o carro de bois, no meio do pátio. Seis homens pegavam o animal segurando uns no corpo e outros tentavam a amarrar uma corda a uma das patas. Depois de imobilizado, estendiam-no no carro dos bois e o meu avô dava o golpe fatal no pescoço. O meu avô era o matador oficial da aldeia. Porcos, patos, galinhas, coelhos, para ele tudo marchava. Apesar de ser um matador eximiu, tinha uma cara muito simpática e um grande coração. O porco, enquanto morria, gritava alto. Eram minutos de agonia para ele e para mim, mas por fim tudo ficava silencioso. Ninguém falava, apenas tiravam o sangue para dentro de uma malga. Rapidamente o porco era levado para a adega e pendurado ao alto. Em poucas horas o meu avô desmanchava-o. Muitas partes eram colocadas na arca com sal e outras eram tratadas para consumo imediato.
O Natal estava à porta e passá-lo na Terra era espectacular. O frio, a geada de manhã, o fumo a sair da chaminé, os caminhos encharcados de água, a lareira, tudo fazia parte de um cenário exemplar, para que o Natal fosse perfeito.
As prendas só eram abertas na manhã de Natal e como era difícil aguentar tantas horas. Mas quando chegava a hora, todos corríamos pela escada a baixo e rasgávamos os embrulhos. Depois passávamos o dia a brincar com o que tínhamos recebido. Entre os primos partilhávamos os brinquedos e cada um vivia os seus sonhos de Natal à sua maneira.
Estava na hora de voltar às rotinas. As férias tinham passado e a escola apresentava novos desafios. Enquanto que os primeiros meses de escola foram de aprendizagem de estrutura e de comportamento, a partir de agora teríamos que começar a época de aprendizagem a sério das matérias. Tínhamos que nos debruçar sobre contas matemáticas extremamente elaboradas e começar a juntar milhares de palavras. A minha sala tinha janelas enormes que davam para o pátio exterior. Estava na segunda mesa, junto à janela. Gostava muito do lugar porque via sempre a minha mãe chegar, quando me vinha buscar. A sala era limpa, mas as mesas e o restante material, notava-se que já era muito usado. Eram mesas para dois e era uma sala que comportava vinte e oito alunos. Tinha uma professora já com uma certa idade. Não era muito bondosa e a minha mão sentiu a sua força. Era disciplinada e tratava as crianças quase de forma militar. Apesar de estarmos já depois do 25 Abril de 1975, a sua postura era de pouca flexibilidade e extremamente instituidora. Todas as diabruras efectuadas por nós eram de imediato censuradas e devolvidas com reguadas, ou o chamado “canto de burro”, onde as crianças ficavam voltadas para a parede num canto da sala. De vez em quando a senhora desfazia-se em sorrisos. Ora era porque a turma se tinha portado bem. Ora era por alguma gracinha mais alucinada que alguma das crianças tinha inventado no momento. Às vezes era difícil resistir ….
Para dizer a verdade, a escola, nunca me atraiu muito. Tenho problemas de concentração e na escola isso é fundamental. Gosto muito de ouvir e de comunicar, mas é mais nas áreas que me adapto e que desejo. Quando não é assim, começo a ouvir, mas rapidamente o meu pensamento vai-se arrastando para outras paisagens e começo a sonhar. Sem dúvidas que sou um sonhador e sem dúvida que ainda sonho e isso já me fez perder alguns anos da minha vida, ou será que foi o contrário?
Quando alguém fala e começamos a ficar distantes, das duas uma: ou a conversa não interessa, ou a nossa motivação nesse momento é outra. Na escola sempre foi assim. Muito bom em certas disciplinas e muito mau noutras. Apesar de ser em média um aluno regular até ao nono ano de escolaridade, tive sempre essa dificuldade na concentração.
Com matemática, historia, língua portuguesa e todas as outras disciplinas para estudar na escola básica, era a loucura colocar tudo ao mesmo tempo no meu pequeno cérebro. Nunca fui muito de estudar em casa. Fazia os trabalhos de casa, mas pouco mais do que isso. Os meus pais bem tentavam motivar-me a estudar mais, porque sabiam que quanto mais estudasse, mais estrutura base teria para enfrentar os próximos anos escolares.
Tinha grandes problemas ao nível de condições em minha casa para realmente ser um bom aluno. Não tinha quarto próprio para estudar. Quando estudava tinha que ser na mesa da cozinha. Entre tachos, talheres, pratos, esfregonas, som dos Abba (minha gostava de os ouvir), tocar à porta constantemente (a minha mãe era Porteira) e conversas entre a minha mãe e as vizinhas, era difícil eu concentrar-me. Outra situação que não me ajudava em nada era a escolaridade dos meus pais. Com dificuldade tinham feito a quarta classe e não tinham grandes valias para me ajudar nos meus trabalhos. Apesar de tentarem e sentirem que essa era a sua obrigação, mas não tinham competência para o fazer. Sinto que sempre foram duas questões fundamentais, alem da minha irresponsabilidade e falta de empenho em não ter seguido um percurso académico até à universidade.
Adorava os recreios na escola. Ansiava-os mais que tudo. Era ali que libertava o meu grito de guerra. Nunca me senti bem dentro de quatro paredes. Sempre me senti asfixiado. Procurei sempre os espaços abertos no recreio. Raramente ficava sempre no pátio interior. Procurava sempre os equipamentos de apoio à criança no espaço exterior. Tínhamos um campo de futebol.
Dois pequenos parque infantis, com baloiços e escorregas, bem tratados e que se via que tinham manutenção. Tínhamos também uma grande zona relvada em que nos permitia brincar aos piratas. Lembro-me que um dia ver por lá o Capitão Jack Sparrow. Conversamos um pouco e afinamos a melhor táctica para derrotar o Capitão Barbossa. Só muito mais tarde todos nós tivemos a oportunidade de ver essa aventura, no filme PIRATAS DAS CARAÍBAS: A MALDIÇÃO DO PÉROLA NEGRA. Eu felizmente tive o privilégio de saber o guião em primeira-mão.
Cerca de setenta por cento do meu tempo no recreio era jogar à bola. O meu pai dizia que tinha “queda” para o desporto. Estava sempre pronto para jogar o quer que fosse. Estava-me no sangue e isso verificou-se ao longo da minha vida.
A rotina diária da minha escola era a minha mãe de manhã levar-me à escola. Deixar-me à porta com um beijo na face e dizia-me sempre para me portar bem. Subia dois lances de escalas e entrava na sala dois. A professora já lá estava e dizia “bom dia”. Sentava-me na minha secretária e começavam os problemas para serem resolvidos. Todas as questões eram um desafio. A meio da manhã tocava o sino e era a demência. Corríamos, gritávamos, caíamos, agredíamo-nos, esfolávamo-nos e por fim corríamos, gritávamos, caíamos, agredíamo-nos e esfolávamo-nos. Antes de sair para aquela louquice, bebíamos o mítico leite, oferecido pelo Estado aos alunos. Leite com chocolate ao meio da manhã. Fazia bem e fazia crescer.
Ao longo dos quatros primeiros anos não tive grandes dificuldades. Na primeira e segunda classe tive a professora estruturada e militar que me provocou algumas alterações na personalidade. Talvez tenha ficado mais frio como pessoa, mas talvez mais responsável. A imposição e a forma fria como assumia o comando, transformara algumas crianças em robots, sem que pudessem dar o seu grito de revolta. Da terceira à quarta classe, tudo se modificou. Tive um professor amável, de fácil acesso e sempre com um sorrido nos lábios. Era um fantástico professor que em vez das reguadas, optava por uma acção pedagógica muito mais correcta. Tentava fazer ver ao aluno como estava errado e como ele deveria aprender com os erros. Tentava incentivar em vez de destruir. Lembro-me que era um professor com quarenta em alguns anos e que jogava futebol connosco no recreio. Muitas vezes passava rapidamente de professor a amigo e isso fazia diferença na atitude que tinha com a escola. Nesse dois anos maravilhosos, a escola era uma dádiva e não o inferno. Relembro que os Olivais não eram um bairro fácil. Tinha problemas de vandalismo, drogas e assaltos. Estávamos a meio dos anos setenta e depois do 25 de Abril. A democracia veio trazer alguns benefícios, como a liberdade de expressão, maior abertura em termos de investimento privado, maiores possibilidades de enriquecimento das famílias, mas a segurança ficou abalada. Os Olivais, como bairro complicado que era nesse campo, era uma dádiva andar na escola por prazer, do que não querer lá andar e fugir para se refugiar em “gangs” ou grupos onde a violência social era uma constante.
Tive a melhor noticia que uma criança pode ter. Iria ter um irmão. Não era uma irmã. Era um irmão. Naquela altura quem queria uma irmã? Eu queria era um irmão para brincar e cuidar. Apesar dos meus seis anos, ainda poderia brincar com ele e sabia que com esta idade já era suficientemente crescido e teria responsabilidades acrescidas no seu crescimento.
Com seis anos, perguntar se o Pai Natal existe é a mesma coisa que perguntar quando é que a cegonha vinda de Paris e trazia o meu irmão. Os meus pais bem me tentaram iludir, mas eu não fui nisso. “O teu irmão vem em Fevereiro e vai ser trazido pela cegonha vinda directamente de Paris, no TGV.” Os meus pais têm que deixar rapidamente de dar nos comprimidos azuis. “Cegonhas que vêem no TGV?”, “Elas nem tem bossas”. Acho que seria muito mais credível dar umas petas aos putos e dizer que eram os Cangurus que traziam as crianças da Austrália. Os Cangurus tem bolsa para trazer as crianças protegidas e o que é que as cegonhas têm? Cintos de seguranças, óculos anti-moscas e mascaras de oxigénio? Não me parece.
A alegria era grande. O meu pai pintava a casa, arranjava o meu berço e procurava observar todo o ambiente que iria rodear o meu irmão, para que tudo tivesse a cem porcento quando viesse viver connosco. A minha mãe bordava os babetes e retirava do baú as minhas antigas roupas. É chato, é muito chato ser irmão mais novo. Tem que se levar com os “restos” do irmão mais velho. Era uma prática corrente da família. Emprestar tudo e mais alguma coisa, aos rebentos mais novos. O desgraçado, a única coisa que iria ter nova era só mesmo a pulseira de identificação dada na maternidade, porque tudo o resto, iria herdar.
Como eu não era parvo, porque de vez em quando ia fazer umas compritas ao Media-Market, analisava a barriga da minha mãe a crescer e verificava que estava quase na altura do nascimento. Por fim, os meus pais, verificaram que não ia na história da cegonha e pegaram num livro e explicaram-me toda a evolução do crescimento de uma criança.
Explicaram-me que o meu irmão tinha que ser o mais rápido a chegar ao óvulo. Que o tamanho ao inicio era o de uma azeitona. Alimentava-se da comida da mãe e respirava através de tubos sofisticadíssimos através do corpo da progenitora. Demorava nove meses a formar-se completamente e ao fim desse tempo estava pronto para se aventurar fora da protecção da barriga. Enquanto a minha não mantinha-me informado da evolução do meu irmão, tive um dejá-vu. Muitos de nós já sentimos um déjà-vu – uma sensação inquietante de saber que uma dada situação não pode ter já acontecido, combinada com o sentimento de que de facto já aconteceu. É normalmente um acontecimento tão breve que os psicólogos julgaram, até há bem pouco tempo, ser impossível de estudar. Mas, para algumas pessoas, o sentimento de já ter estado em algum sítio é uma sensação persistente e aterradora. Eu senti essa forte sensação. Já tinha passado por onde o meu irmão estava nesse momento. Fazendo marcha-atrás no meu pensamento e na minha vidinha, percorri todos os caminhos espinhosos e gloriosos até chegar à primeira idade adulta. O meu irmão estava quase a conquistar a sua primeira vitória. Ver a luz e respirar livremente.
Passava horas a tocar a barriga da minha mãe. Sentia o Pedro a mexer. Era esse o nome que deram ao rapaz. Não tive qualquer intervenção no nome. Se tivesse que escolher um nome seria Pateta. Não porque ele iria ser pateta. Mas porque queria dar um nome da pessoa que gostava mais na Banda Desenhada. Apresento-vos o meu irmão Pateta. Até ficava bem, mas acho que ele não iria gostar muito.
E se de repente a minha mãe dissesse “rebentaram-me as águas”. Não. Isso não é problema da EPAL, nem dos bombeiros. É mesmo um belo problema com a minha mãe e o meu irmão Pateta, desculpem, irmão Pedro. Cada um corria para seu lado aos gritos. A coordenação era uma desordenação completa. Como será possível, depois de já terem uma primeira experiência de maternidade, estarem mais ansiosos que há seis anos atrás. Será que esta criança foi programada e a minha vinda foi um acaso. Será que andava perdido junto à Torre Eiffel e fui apanhado por uma cegonha? Não me lembro de ter andado no TGV. Está confirmado, a história das cegonhas é mesmo treta.
Depois de uma correria e berraria infernal, ao fim de alguns minutos, o meu pai consegui colocar todo o material já previamente programado no Azulinho. Ainda bem que o meu pai estava em casa, se não quem tinha que ir conduzir o Azulinho era eu, porque eu, a seguir ao meu pai, era o homem da casa. Com os quatros piscas ligados e o GPS cerebral do meu pai a trabalhar, onde é que era o waypoint mais desejado do momento? Nem mais, nem menos que o berço de Lisboa. A casa mais famosa de sempre em natalidade e de putos aos berros. A casa mãe de todos nós. A maternidade Alfredo da Costa.
As consultas durante a gravidez tinham corrido maravilhosamente bem e por isso tudo indicava que iria ser um rapaz saudável e super cabeludo. Qualquer comparação entre o Tony Ramos do Brasil e o meu pai não é pura coincidência. Eu próprio com os meus seis anos já apresentava um bigodaço de fazer inveja a muita gente.
O dia 24 de Fevereiro iria ser a data de nascimento de Pedro Miguel Martins Benido de Carvalho. Meu irmão de sangue para toda a vida. Isso, ninguém me poderia tirar. É curioso que ele consegue festejar o seu aniversário no mesmo dia em que nasceu, Já não é o caso da minha mãe. Ela nasceu a 26 de Maio, mas só comemora a 26 de Junho e isto porquê? Porque só a registaram um mês depois do nascimento. É como se costuma dizer, foram quase de bicicleta fazer o registo. Tem uma grande vantagem. Recebe duas prendas de aniversário, mas coitada da senhora já tem cento e vinte e quatro anos, mas ainda tem aspecto de sessenta e dois.
Vieram os primos, tios, irmãos, avós, vizinhos, gatos, cães e mais alguns ver o pequeno humano. É curioso que só vemos algumas pessoas que nos são chegadas em nascimentos, baptizados, casamentos e funerais. Assim de repente e sem pensar muito, deverão ser mesmo as quatros fases de desenvolvimento do ser humano católico. Acho que neste momento teremos que acrescentar o divórcio. O divórcio está a ter uma procura enorme. Se até esta altura a grande procura era pela Kit do Benfica, mas coitados não vêem o “padeiro” há muitos anos, neste momento o que está mesmo em alta é o divórcio. Eu diria mesmo Divórcio ao poder. Acredito que se o Divórcio se candidatasse a primeiro-ministro, teria mais votos que o PSD.
O rapaz andava feliz da vida. Tinha tratamento VIP das enfermeiras, dos médicos e dos kéfro. Que emplastros. Esses homens andam em todo o lado. Depois de dois dias no “hotel cinco estrelas”, Pedro e Leonor, saíram em grande estilo da Maternidade acompanhados pelo filho mais velho (olá, sou eu) e pelo pai super babado de nome Albertino.
Estava preocupadíssimo. Tinha responsabilidades de ser o irmão mais velho e tinha que ajudar. Mas ajudar a fazer o quê? Ele só mamava e dormia. Não chorava, nem ficava aborrecido. Eu queria ajudar, mas ele não colaborava. Portava-se demasiado bem. Estava a sentir-me um pouco abandonado. O meu irmão estava a fazer tudo para ser o filho querido. Não chorava, comia tudo, dormia toda a noite. Era completamente o contrário de mim quando era pequeno. Iria ser o filho querido e isto estava-me preocupar. Fiz tudo o que podia para chamar a atenção. Fiquei triste, chorei, mandei pratos ao chão e até perdi a jogar damas com o meu pai. Apesar de sentirem que andava triste, só tinham olhos para o Pedro. Afinal eu tinha nascido primeiro e já estava com eles há seis anos. Depois de muitos sinais, o meu pai entendeu e veio falar comigo. “Jorge, agora que o teu irmão nasceu, somos uma família maior e temos que repartir tudo por quatro, incluído o amor. Gostamos tanto de ti como no primeiro dia, mas agora o Pedro precisa mais de atenção e necessidades. Terás que te portar como um verdadeiro irmão e ajudar nesta fase difícil do teu irmão”. “Fase difícil?”, pensei eu “nem consegue ir à casa de banho. Faz quando e onde quer que os outros tratam de tudo”. Apesar de ainda estar aborrecido, a mensagem passada pelo meu pai foi percebida e a partir desse momento as coisas modificaram-se. Fiquei mais atento aos sinais do meu irmão e deixei de estar preocupado em lançar os meus.
Entre a escola e a vida familiar a vida corria ás mil maravilhas, talvez tirando aquele dia nebuloso em que o meu pai andou atrás de mim a correr com um cinto na mão pelos ruas dos Olivais.
Já tinha cerca de dez anos e a vida naquela idade era uma descoberta constante. Naquela altura existiam três vidas numa só. A vida escolar, a vida familiar e a vida de rua.
A vida escola e a vida familiar passavam por rotinas. Não exista muito por onde explorar. Estavam estanques e amarradas. Tinha que existir uma fuga à rotina e essa passava pela vida de rua. Na rua éramos livres. Não éramos controlados, nem pela mãe ou pai, nem pela professora ou auxiliares. Tínhamos toda a liberdade do mundo para cometermos as maiores loucuras possíveis, tanto boas, como más. Felizmente que me consegui sempre focalizar e estruturar para que pudesse efectuar uma analise profunda do que era bom e mau e saber viver bem em função disso.
Quando vinha da escola e depois de pousar a mala, partia para a descoberta exterior. Era comum todos os meus amigos de rua fazerem o mesmo. Encontrávamo-nos no banco do jardim e inventávamos alguma coisa para fazer. Existiam épocas para os jogos. No inverno, jogávamos ao espeta. Consistia em espetar um ferro em vários círculos. No Verão jogávamos ao berlinde e ao pião. Todos os jogos eram ferozmente jogados, apesar de sermos todos amigos. Existia sempre um clima de ver quem era o superior. De quem poderia ser o líder do bairro. Muitas vezes existiam lutas brutas que resultavam em sangue. Não era uma questão de gangs, porque isso não existia, mas era uma forma de tentar perceber qual o estatuto de um naquela micro sociedade. Não existia uma forma regida de hierarquias, mas notava-se quem tinha influências e quem era influenciado. Era um mundo só nosso, em que ninguém da minha família tinha acesso ou conseguia controlar. Era uma outra personalidade dentro de mim. Existiam duas caras no mesmo corpo. Em casa e na escola tentava ser mais chegado e menos frio. Na rua era uma pessoa mais independente e calculista. Tentava passar ao lado dos problemas da sociedade nos bairros sociais, sem que isso não me metesse por vezes em problemas. Realmente era difícil isso acontecer. Os problemas estavam ai mesmo ao nosso lado. Parecia que éramos empurrados para eles.
Num dia quente, onde os níveis de revolta e vingança estavam no máximo entre o bairro do 382 (o meu), como era chamado, e do bairro do 370, aconteceu o inevitável. Uma guerra sem precedentes entre bairros, pelo menos que eu tivesse visualizado. Valia tudo: pedradas, fisgadas, ferros, paus e luta directa. Foi agressivo. Muitos ficaram mal fisicamente naquele campo de batalha. Foi uma batalha de campo aberto durante quarenta minutos. Foi outra vez a questão do poder. Como sempre foi e será sempre, as guerras têm a ver com o poder. Mas quando é que vamos parar? Quando vamos parar de nos matar? Temos que nos sentar e falar. Falar, falar, comunicar, apresentar ideias credíveis e falar a uma só voz. É difícil mas não impossível.
Penso que neste momento a comunidade está a desenvolver um excelente trabalho. A Europa é um continente pacífico e unido. Neste momento trabalhamos em conjunto nas grandes questões e isso é fundamental. Se cada país trabalhasse individualmente, o futuro seria incerto.
A batalha ainda não estava acabada. Além de ficarmos feridos no corpo e no orgulho, a policia foi chamada. Quando os vimos, conseguimos fugir pelos becos e desaparecer como o fumo. Voltamos à nossa casa como se nada fosse. Quem apareceria com o olho negro, dizia que tinha sido a jogar futebol. A desculpa iria ser sempre o futebol. Mas o pior estava para vir.
A Policia conseguiu identificar os elementos que tinham provocado o distúrbio e foi a casa de cada um, chama-los para interrogatório. Na guerra campal, foram partidos vários vidros e vários carros amolgados. Eu já sabia que tinham ido a casa de amigos meus, mas estava esperançado que não me tivessem identificado.
Um dia, quando vinha da escola, (nessa altura já ia e vinha sozinho pois os meus pais já acham que tinha responsabilidade suficiente para efectuar o trajecto casa-escola) notei algo de diferente. A minha mãe estava à minha espera, num dos prédios perto da minha casa. Estava com um ar de pânico e muito preocupada. “Jorge, o teu pai está em casa todo furioso. Está com o cinto na mão à tua espera. Ele sabe o que fizeste. A Policia foi lá a casa. Partiste um vidro.”. Não podia acreditar. Tinha sido descoberto. Fiquei com o coração aos saltos, até podia ter tido uma arritmia. Isso não se faz. Notícias graves têm que ser dadas com suavidade e carinho. Sabia que tinha feito o mal e agora tinha que ser punido. O que é feito do trabalho camarário? Ou de lavar pratos? Ou de pagar em prestações suaves? Ser punido com o cinto? Estamos na idade medieval? Acho mesmo que estávamos na idade da punição corporal. O meu pai já me tinha dado uma bofetadas das grandes, mas o cinto ainda não o tinha sentido. Estava receoso de ir para casa, mas para onde poderia ir? Era melhor enfrentá-lo de vez, do que prolongar o sofrimento. Como a minha mãe não queria que o meu pai soubesse que me tinha informado, foi à frente para tentar acalma-lo. O homem estava desvairado. Só por ter partido um vidro? Mas afinal era muito mais que isso. Era uma questão de honra para o meu pai. Deu tanto da sua vida na minha educação. Trabalhou tanto para que pudesse ser um Ser equilibrado e responsável e de repente tinha-o traído. Sentiu que o nome da sua família ficou manchado e teria pagar por isso.
Toquei à campainha e nem tive tempo de respirar. Apareceu o meu pai, mas eu não o reconheci. De aspecto raivoso e agressivo, começou a vir em minha direcção com o cinto na mão. Nem era tarde, nem cedo. Abri a porta do prédio e dei corda aos sapatos. Quando olhei para trás, vinha o meu pai também em alta rotação. Foi uma perseguição à Estrelas de Hollywood. Só que nos filmes as situações são irreais e aqui era mesmo real. Deste problema não conseguiria fugir, estava condenado. Podia adiar por breves instantes, mas fugir para sempre, era impossível.
Ao fim de alguns segundos estava a experimentar pela primeira vez o cinto do meio pai. Teve que ser a minha mãe a separar-nos. O meu pai estava possuído e eu todo dorido. O meu pai nunca falou comigo sobre este assunto. Bateu-me e pronto. Para ele o bater tinha sido como tivesse uma conversa comigo. Foi um ajuste de contas. A verdade é que aprendi a lição. Nunca mais senti o cinto. Outra razão pela qual nunca mais me meti em alhadas foi a minha carreira desportiva durante vinte sete anos, dedicados ao Andebol. Desde os onze anos de idade até à presente data.
Na minha infância estava destinado a seguir a orientação católica dos meus pais. A vida dos meus pais foi pautada pela crença cristã e eles tentaram-me passar essa cultura. Fui baptizado e o passo seguinte era ser inscrito na catequese. A igreja dos Olivais recebeu-nos de braços abertos. A catequista era uma senhora muito simpática e calma. Deveria ser normal sê-lo assim. Para divulgar a palavra do senhor teria que ser uma pessoa bastante humana, simples e mentalmente forte para decidir que as mais importantes eram as questões morais e não as materiais. Recordo-me da mensagem mais importante que nos passaram. Alem dos estudos literários da religião cristã, em que falamos da Bíblia e da vida de Cristo e do que ele fez de bem e como sofreu, a mensagem que me marcou foi mesmo a que temos que dar menos importância ao bens matérias e dar mais importância aos bens morais. Neste momento, nesta comunidade de consumo é extremamente difícil conseguirmos equilibrar a balança. O consumismo é enorme. Somos abalroados por anuncio publicitários, tanto na televisão, rádio, internet, num marketing muito agressivo, que nos deixa muito pouco espaço de manobra para que o nosso cérebro se concentre em questões mais importantes, como os bens morais.
A catequese não foi um período importante para mim, apesar de ter retirado algumas pistas importantes em termos de orientação religiosa para o futuro. O que me lembro mais da catequese foi que iríamos efectuar uma corrida no Vale do Silêncio e que eu iria participar como atleta da Igreja. Estava tão motivado que pedi aos meus pais uns ténis novos. Fomos comprar os ténis, mas não sei o que se passou, compramos os ténis apertados. Só reparei que eles estavam realmente apertados na corrida. A experiencia diz-me actualmente, que nunca se deve experimentar em plena competição material novo. Primeiro deve ser testado e só depois deverá entrar em competição. Estava ansioso pela corrida. Guardei os ténis até ao dia da corrida. Eram vermelhos, com sola de borracha. Chegou o grande dia. O vale do Silencio é o “pulmão de oxigénio”, dos Olivais. É uma área urbanizada, cheia de árvores e espaços enormes cobertos de relva. Existem pistas de manutenção e aparelhos de ginástica. Aos fins-de-semana vêem-se famílias inteiras a exercitarem o seu corpo. Faz bem à saúde e à parte anímica
Estava tudo pronto. Parecia mesmo uma corrida a sério como aquelas que se viam na televisão. Existia um arco na partida e música ambiente. Éramos muitos. Mais de cem crianças preparadas para correr. Estava esperançado, porque na eliminatória da paróquia tinha sido dos primeiros e isso dava-me esperança. Depois de soar o apito de partida, corremos que nem loucos. Parecia que a nossa vida dependia desta corrida. Parti bem e fui para a “cabeça” do pelotão, mas ao fim de trezentos metros, comecei a sentir um pequeno aperto nos pés, ao fim de quatrocentos metros já não poderia correr. Era o fim da corrida para mim. Sai do pelotão e encostei-me à direita e comecei a chorar. Chorei, chorei, chorei, chorei de raiva. Peguei nos ténis e mandei-os fora. Culpei os meus pais por esta derrota. Fui malcriado com eles, irritei-os, provoquei-os, até ao momento que eles não aguentaram mais e bateram-me. Ainda fiquei mais irritado. Eles não compreendiam? Era fundamental um bom resultado na prova para os outros terem mais respeito por mim, mas para os meus pai era só uma actividade em que eu participara e mais nada.
A confrontação estava agora a começar. A partir dessa data, tinha a mania de que só eu poderia mandar na minha vida. Tudo o que os meus pais diziam não era o correcto e só eu é que sabia. Mais ninguém. É claro que foi o caos. A agressividade aumentou na relação com os meus pais e comecei a ficar uma pessoa mais fria.
Tinha acabado a primária com notas relativamente boas. Não era um aluno de eleição, mas tinha-me dado bem com a escola. Á vezes apetecia-me ir, outras nem por isso. Ás vezes até gostava de ficar doente só para não ir à escola. Mas o meu cérebro dividia-se sempre. Se ficar doente vou ao médico. Se vou ao médico posso ser injectado. O melhor mesmo é não me fazer de doente e ir à escola. Os últimos anos da primária marcaram-me significativamente em dois pontos. Existia uma senhora que fazia uns gelados caseiros de morango maravilhosos. Quando saíamos da escola, íamos comprar essa maravilha, num prédio perto da escola. Era um prédio velho, num bairro social. Subíamos a escada e batíamos à porta e pedíamos um gelado. Pagávamos e recebíamos a prenda. A minha mãe dava-me o dinheiro e sabia para o que era. É incrível como as estas situações eram permitidas. Imagino nos dias de hoje, pedir dinheiro à minha mãe para adquirir um gelado numa casa de uma senhora qualquer, num prédio quase a cair. Como era feito o gelado? Que componentes teriam? Era seguro para a saúde? Eram essas questões que naquela altura não se colocavam. A vida evoluiu muito desde essa altura. Se por um lado existe mais insegurança, penso que controlada, existe também muita informação disponível para tomarmos medidas preventivas, que não coloquem a nossa saúde tão exposta aos perigos.
Perto dos meus dez anos a minha sexualidade veio a revelar-se. Sou heterossexual, ou seja, a minha atracção sexual é pelo sexo oposto e ponto final parágrafo.
Descobri a minha orientação sexual. Sou heterossexual e não se fala mais nisso. É considerada a orientação sexual mais comum entre os seres humanos.
Quando brincava no recreio da escola e as meninas começavam a cativar-me, não pelas brincadeiras em si, mas por algo mais. Não percebia bem o porquê, mas existia um fascínio incrível por aquelas criaturas. Nessa altura dividia os recreios em duas partes. A que jogava futebol, em que tentava melhorar a minha forma de jogar, aproveitado para conseguir uma melhor técnica/táctica e para melhorar a minha forma física. Mas basicamente o objectivo era sempre ganhar. No segundo recreio tentava ser mais atrevido e dedicava-me aos primeiros jogos de sedução, apesar de não saber que era isso que estava a fazer. Mesmo no fim do último período lectivo, cheguei a jogar ao famoso e mítico Bate Pé. O jogo consistia em escolher uma menina e bater-lhe o pé à sua frente. Conforme as palmas que ela dava, tínhamos que dar um cumprimento de mão, um beijo na cara, dois beijos na cara, um beijo na testa ou um beijo na boca. Claro que para os rapazes o premio mas apetecível era o beijo na boca. Esse era o único objectivo quando batiam o pé. Se era recusado pela menina escolhida, o ego perdia-se e ficava de rastos. Nessa altura não era difícil o ego recuperar rapidamente. Era só um jogo e os sentimentos ainda não estavam muito apurados. Como se dizia, eram brincadeiras de crianças, mas apesar de serem brincadeiras, marcava a entrada numa nova era. A paixão pelo sexo oposto.
Com a transição da quarta classe para o primeiro ano da preparatória, muitas situações se alteraram na minha vida. Entretanto mudamos de habitação. A nova casa, que também era a casa da Porteira era um pouco maior. A distância entre ambas era só de trezentos metros, por isso mantive os mesmos amigos. Na casa, apesar de ser um pouco maior, eu e o meu irmão não conseguimos ter um quarto para dormir. Tivemos que continuar a dormir da sala. Tínhamos um armário que abríamos à noite e saia lá de dentro uma cama. Era pura magia. Era um ritual diário, arrumar a cama dentro do armário e no fim do dia desarruma-la. Eu e o meu irmão dormíamos juntos, naquela minúscula cama. Mais tarde o meu pai fez uns arranjos na casa e conseguiu fazer-nos um quarto também minúsculo, onde só cabia um beliche. Era basicamente um espaço só para dormir, mas ao menos não dormíamos na sala.
O actual prédio era mais moderno e tinha quarenta e quatro casas. Era um prédio enorme. O que mais me metia medo era quando ia com os meus pais ao terraço e olhava cá para baixo. Era tão alto que metia respeito. Ainda fiz umas asneiras nesse terraço. Eu e os meus amigos subíamos por uma parte vedada e andávamos a passear nesse espaço, chegando mesmo a empoleirar-nos nas paredes. Nessa idade parece que somos indestrutíveis. Nada nos acontece. A morte é uma realidade que não existe e nem nos lembramos dela. Podemos fazer tudo que estamos protegidos por algo que não sabemos explicar.
Além de mudar de casa, mudei de escola. Tive que me adaptar a novas realidades, novas estruturas, novos hábitos. Tive que me moldar a novos horários e a novas existências. Já estava mais crescido e a sociedade precisava de mim e da minha geração que continuássemos a estudar para mais tarde comandarmos o mundo.
A nova escola era mesmo ao lado da minha nova casa. Era o prédio mais perto da escola. Estava a cinquenta metros da entrada principal. Era uma escola pré-fabricada temporária. Era tão temporária que existiu mais de trinta anos em plena actividade. Basicamente era um corredor de pavilhões, divididos por um corredor alcatroado. Era uma escola muito menos intimista que a antiga. Mais fria e com menos condições. A primeira impressão foi muito negativa.
O dia das matrículas era sempre um dia muito importante. A ansiedade era enorme. Vestíamos a nossa melhor roupa e passávamos horas a pentearmo-nos e a olhar para o espelho. Queríamos mostrar boa figura. A entrada na escola, sem praticamente conhecermos ninguém era um pouco aterradora. Procurávamos o nosso nome nos editais e deslocávamo-nos para a sala referenciada. Antes da matrícula tive que ir tratar do Bilhete Identidade. Era obrigatório por lei que uma criança que frequentasse o preparatório fosse munida do BI. Mais uma vez a minha mãe acompanhou-me ao sítio específico para tratarmos da sua solicitação. Primeiro tiramos umas fotografias horríveis, naquelas máquinas que se colocavam umas moedas e tínhamos direito a quatro flashes na tromba em que ficávamos quase cegos. Já com as fotografias e os papéis preenchidos íamos ao Registo Civil. A fila era enorme. Lembro-me da minha mãe levar umas sandochas e o mítico Caprisone para conseguirmos passar as horas de espera pela nossa vez sem fome. Quando anunciaram o nosso número, fui medido e coloquei o dedo numa tinta preta. O meu dedo ficou marcado no cartão. Era a minha impressão digital. Estava feito. Era um rapaz feliz. Tinha Bilhete de Identidade e já podia ir para a preparatória
Antes de entrar na sala onde me iria inscrever procurei alguém conhecido da outra escola que tivessem sido da mesma sala. Não reconheci ninguém. As pessoas que conhecia eram os meus amigos da rua. Tínhamos relativamente a mesma idade. Uns iam matricular-se para o primeiro ano e outros para o segundo. Quase parecíamos uma matilha. Formávamos um grupo e protegíamo-nos uns aos outros, tanto a nível físico, como em apoio moral. A minha família não me acompanhou na inscrição na preparatória, estava por conta própria. Começou uma época escolar difícil. Com as poucas condições já mencionadas de espaço para estudo em casa, aliada ao não acompanhamento da matéria escolar por parte dos meus pais, estava sozinho para enfrentar este novo mundo.
Quando me inscrevi, a pessoa que recebeu os documentos, verificou se estava tudo correcto. Verificou o nome, morada e a toda informação mencionada na inscrição. Pediu o BI e tive que pagar o valor da inscrição. Feita esta rotina anual, só teríamos que esperar pela saída dos horários e saber qual a data do começo da escola.
Aqueles dias de intervalo entre a matrícula e a entrada na escola eram desesperantes. As horas pareciam dias, os dias pareciam anos. Todos esperávamos o início de um novo ciclo. Neste caso para mim era mesmo o início de uma nova escola, de um novo ambiente, de um novo ciclo de amigos. É terrivelmente assustador o primeiro dia de aulas. Sempre foi e sempre será, porque existe um misto de incertezas. Será que vamos encaixar no novo regime escolar? É uma nova forma de estudo. Agora passávamos a ter disciplinas individuais e seriamos avaliado individualmente em cada uma delas. Teria que aprender novas áreas, como o Inglês ou a Música. Existiriam intervalos no fim de cada aula e o começo da seguinte. Na preparatória não éramos tratados já com crianças, mas sim como adolescentes e isso trazia um problema. Éramos mais um. Éramos simplesmente mais um número. Enquanto na escola primária éramos seguidos só por um professor em todas as disciplinas, esse senhor era um pai para nós, era um deus. Além de nos apoiar e enviar, ouvia os nossos choros, testemunhava a nossa dor, dava-nos carinho e era o nosso melhor amigo adulto. Na preparatória estávamos entregues a nós próprios e será que estávamos preparados para isso? Será que tínhamos sido preparados para uma transição tão brusca. Será que o Estado tinha formado convenientemente os professores e conseguido um bom plano para esta transição brutal e radical fosse calma e sem choques? Não me parece. Conheci crianças que mudaram muito a sua personalidade, com a passagem da escola primária, para a escola preparatória. Como muitas dessas crianças o seu único apoio era o professor primário, porque em casa não existia qualquer estrutura familiar, sentiam-se completamente desamparados, tornando–se crianças frias, desordeiras e com problemas de comportamento.
A escola preparatória pública onde em dois anos fiz o meu quinto e sexto não tinha as melhores condições. Pavilhões pré-fabricados, sem qualquer protecção para a chuva e para o frio nas horas dos intervalos. Muitas das salas de aulas metiam água ou calor. Era infernal ter aulas naquelas condições. A mudança foi enorme da primária para a preparatória em todos os sentidos. Senti algumas dificuldades no início e com uma progressão lenta consegui encaixar-me naquele novo sistema escolar.
Tinha um novo desafio na preparatória. A língua inglesa iria ser introduzida na minha vida. Antigamente não era como hoje. Desde pequenas que as crianças de hoje, tem acesso ao inglês constantemente, através dos filmes, da televisão, das revistas, jornais e internet. Antigamente era tudo novo e foi um impacto enorme para mim. Apesar de ter tentado, nunca consegui ser um aluno razoável nessa disciplina. Ora tinha aproveitamento positivo muito perto do negativo, ou era mesmo negativo. Sem ajuda de aulas extras ou apoio familiar que dominasse a língua, foi difícil. Basicamente a preparatória foram dois anos de correria de pavilhão em pavilhão com resultado final em termos de “notas” aceitável. Além da língua inglesa, a música e os trabalhos manuais também faziam parte das disciplinas da preparatória. Adorava essas duas novas disciplinas. Eram criativas e ali sentia-me forte. Desde que dessem liberdade à minha imaginação, tinha a sensação que poderia ir longe. As minhas melhores notas sempre foram nesse tipo de disciplinas, especialmente em desporto.
Nas aulas de trabalhos manuais eram utilizados materiais como a madeira, os martelos, os pregos, a cola e um esquema de trabalho para fazer uma mesa, ou era utilizado barro em bruto para efectuar uma jarra. Era uma aula prática e isso agradava-me. A música era uma disciplina que era mais teórica, mas também tinha um componente bastante prática. Foi importante saber o solfejo e o grupo de notas para se poder tocar flauta. Eram música para os meus ouvidos, as lições de música.
Recordo-me com muito carinho de um último momento na escola preparatória. Foi a festa de final de ano do sexto ano. Tinha formado o meu grupo de amigos. Éramos bastante unidos e tínhamos todos as mesmas rotinas dentro da escola. Saímos sempre juntos das salas de aulas e íamos sempre para o mesmo sítio nos intervalos. Recordo-me como se fosse hoje. Era no fundo da escola, perto das salas de aulas de trabalhos manuais. Era um grupo misto e que muitos de nós já tínhamos ao pé uma pessoa mais querida. Podíamos-lhe chamar namoradas, mas ainda não era aquele sentimento que mais tarde se veria a designar por paixão ou amor.
A festa de final do ano, marcou-me basicamente, porque nessa altura já existiam músicas que me faziam sonhar. Quando ouço OMD, com a música Souvenir, o meu cérebro salta rapidamente para o ano de 1981. Foi a primeira grande música que me marcou. Foi a primeira grande festa de final de ano que me encantou. Naquela festa só tocamos esta música num gira-discos portátil. Era um aparelho muito utilizado naquela altura. A festa foi um misto de alegria e de tristeza. Via-se nas nossas caras que era o fim de um ciclo de amigos inseparáveis, que dificilmente nos iríamos voltar a ver. Mesmo que fossemos para a mesma escola no ano seguinte, iríamos para turmas diferentes e tudo seria desigual. A festa na sala de aula de trabalhos manuais, em que cada aluno ficava responsável por trazer bolos e bebidas. Existia no ar um sentimento já de nostalgia. Dançávamos sozinhos, em pares e em grupo. Ao som dos OMD, iriam ser os nossos últimos momentos juntos. Estava destinada a ser esta a nossa canção. A primeira canção de muitas que marcaram a nossa vida. Neste momento, a esta hora, à presente data, depois de escrever estas últimas palavras fui à Internet e no YouTube recordei, com uma lágrima no olho, o som que marcou uma determinada época.
O desporto e mais concretamente a modalidade desportiva Andebol foi a melhor coisa que me poderia ter acontecido aos meus onze anos. Estávamos no início nos anos oitenta e existiam inúmeros problemas na sociedade. A marginalidade e o aparecimento das drogas leves e duras, como o haxe ou a heroína e mais tarde a cocaína, levou inúmeros adolescentes a passar para o lado negro da vida. Bastava sair à noite e deslocar-me ao local favorito onde se encontrava a “malta”. Rapidamente me apercebia que amigos meus eram envolvidos nesse mundo, que muitas vezes não tem regresso. Eu próprio passei por “menino da mamã” ou por “careta” porque consegui sempre resistir aos assédios dos mais velhos. A droga era fácil de arranjar. Os distribuidores encontravam-se em Chelas e todos os dias existia uma peregrinação até ao local sagrado ……. para alguns. Vi à minha frente como se fazia um charro e como consumiam a heroína. Basicamente queimavam o haxe no tabaco, para o misturar. De seguida enrolavam numa mortalha e colocavam um filtro feito de um Modulo (titulo de transporte em cartão) da Carris. A heroína era mais complicado. Existiam duas maneiras. Fumada ou injectada. Eu observei como era feita das duas maneiras. A fumada, queimam a heroína em prata até fazer uma bolha, depois com uma nota fazem um tubo pelo qual ingerem o fumo formado pela referida bolha. No caso da injectada a heroína é aquecida numa colher de chá com um pinga de limão até se formar um líquido. Esse líquido é colocado numa seringa que é injectada numa veia. A heroína tem um efeito imediato. Se for picada ainda mais efeito directo tem. Fazia-me bastante impressão ver pessoas amigas a deteriorarem-se, a perder o controlo delas próprias. Naquela altura a droga era um “cancro” novo na sociedade e esta não estava preparada para a receber. Não existia qualquer informação dos seus efeitos secundários, nem qualquer criação de planos para a combater. Era o princípio de uma era negra, que até aos dias de hoje tem sido muito difícil combater, apesar de existir actualmente prevenção no combate à droga.
A forma de fugir da droga era ocupar o meu tempo, longe dos grupos de rua que consumiam e o andebol foi a minha salvação. Tinha onze anos quando um amigo meu, que morava no meu prédio, disse-me que tinha ido ao clube do Encarnação treinar andebol e como estavam a recrutar jovens, pediu-me para ir. Pedia autorização aos meus pais e tive resposta afirmativa. Os treinos eram de noite, mas os meus pais sabiam que iria em segurança, porque era o pai do meu amigo que nos levar colocar no pavilhão.
Nunca mais me irei esquecer do cheiro do pavilhão. Não era a primeira vez que entrava num pavilhão, mas era a primeira vez que iria treinar com uma equipa federada, e isso era emocionante. Era um pavilhão pequeno com tacos de madeira. Actualmente os pavilhões são bem diferentes. O piso é sintético, proporcionando aos atletas melhores condições de amortecimento nos constantes movimentos, evitando lesões graves. Tudo era novo, apesar de ser um pouco parecido com a escola primária. Tínhamos um treinador e um grupo de rapazes a aprender as técnicas e as tácticas. Fui apresentado e entregaram-me de imediato uma bola. Basicamente copiava o exercício olhando para os meus companheiros que estavam num nível mais elevado. Como tinha entrado mais tarde, teria que aprender rapidamente para estar ao mesmo nível do grupo. Tinha que correr mais, de suar mais, de estar mais atento às indicações do treinador. Como o treinador não me deu uma lição individual das regras do andebol, porque já o tinha feito no início da época, tive que aprender observando.
O Andebol é um desporto colectivo, jogado num campo com dimensões de quarenta metros de comprimento e vinte de largura. Os lados maiores chamam-se linhas laterais e a linha menor chama-se linha de saída de baliza. O tempo de jogo varia de escalão. Nos infantis e iniciados são duas partes de vinte minutos. Nos juvenis são duas partes de vinte e cinco minutos e nos juniores e seniores são duas partes de trinta minutos. A bola deverá ser revestida a couro ou matéria sintética. Deverá ser redonda e não deverá ser escorregadia ou brilhante. A equipa é constituída por doze jogadores. Dez de campo e dois guarda-redes. No terreno de jogo não se devem apresentar mais de sete jogadores ao mesmo tempo. Seis jogadores de campo, mais um guarda-redes. Os outros jogadores são os suplentes e podem entrar a qualquer momento do jogo. Só o guarda-redes tem direito a se encontrar na área de baliza. A área de baliza é violada por um jogador a toque, com qualquer parte do corpo. Só é permitido dar três passos com a bola na mão. O golo é válido depois da bola passar completamente a linha de baliza. O começo do jogo é efectuado pelo lançamento da bola, pela equipa que ganhou o sorteio a escolher o campo. Após os intervalos é a outra equipa que inicia o jogo. Após cada golo, o lançamento de saída, é efectuado pela equipa que o sofreu. O guarda-redes pode actuar como qualquer outro jogador de campo, desde que não saia da sua área conduzindo a bola. A falta faz parte da táctica defensiva. Uma falta acontece quando um jogador impede um adversário de prosseguir, com contacto físico. Um número ilimitado de faltas é permitido no andebol. Toda a falta normal é cobrada na linha tracejada (ou linha dos 9 metros), e toda a equipa atacante tem que estar atrás desta linha no momento da cobrança. Ao cometer falta desleal, o jogador pode ser punido com exclusão por 2 minutos ou até cartão vermelho, que o elimina do jogo. Se um mesmo atleta é excluído por 2 minutos por três vezes num mesmo jogo, ele também é eliminado do jogo. Se um jogador está em posição para fazer um golo e sofre falta por trás ou é agarrado, o infractor é punido com um livre de sete metros. Se o árbitro verificar que uma das equipas não está atacando a defesa, ele pode assinalar jogo passivo e conceder a posse de bola para a outra equipa. Quando a bola sai pela linha lateral, é cobrado o arremesso lateral, no qual o jogador deve ter um dos pés em cima na linha. Estas são algumas das regras com que faz o andebol ser um desporto um pouco agressivo e bastante rápido. Quando bem jogado é belíssimo e tem muita cultura táctica. Existem várias situações de jogo ou tácticas observadas. Podemos jogar a defender em 5x1, ou 6x0, ou homem a homem. A atacar, podemos o fazer em 5x1 ou em 4x2. São várias situações que ao longo do jogo o treinador tem um papel fundamental na avaliação do adversário e colocar a melhor táctica ao serviço da equipa. Como é um jogo de equipa é fundamental todos conhecermo-nos muito bem, tanto a nível de jogo, com a nível pessoal.
Não é por acaso que as equipas profissionais fazem estágios. Além de manterem os atletas controlados quanto aos horários e aos indicies físicos, também é para criarem laços que amizade, que depois no campo se traduzem em espírito de grupo e em uma união muito forte na ajuda ao mais próximo.
Eu ainda estava a aprender. A verdade é que em vinte e sete anos a praticar esta modalidade sempre aprendi. Conheci sempre gente nova todos os anos e ao vê-los tanto a praticar a modalidade, como em conversas sobre a mesma, retirava sempre ensinamentos. Mesmo quando fui treinador de Infantis, durante três anos, consegui aprender com rapazes de nove e dez anos. Estamos constantemente em evolução.
A evolução dentro da equipa foi grande. Apesar de ter começado a minha aprendizagem mais tarde, rapidamente tornei-me uma referência da equipa. Além de ter “queda” para o desporto, todo o meu passado, através dos jogos constantes de futebol na escola/rua, assim como o andar de bicicleta e ser um rapaz super energético, conseguia rapidamente absorver toda a informação importante para ser um praticante respeitado por todos.
Os jogos dos iniciados eram sempre aos sábados de manhã, pelas nove horas. Durante a semana o meu cérebro só pensava nos treinos e no jogo seguinte. Enquanto o Andebol foi fundamental para não me meter em maus caminhos, por outro lado também me retirou o pensamento da escola. Nunca serei contra os meus filhos praticarem desporto ou outras actividades extra escolares, mas a principal e na qual terão que estar mais centralizados terá que ser nos estudos.
Durante a minha primeira época de andebol, o importante para não era ganhar ou perder, mas sim o divertimento. Queria-me divertir com bola, fazer magia e estende-la aos meus companheiros. Era uma forma de entretenimento puro e de prazer absoluto. Não importavam as classificações ou os resultados. O andebol foi mais uma ferramenta para formar novos amigos da mesma idade, com os mesmos interesses e atitudes.
Depois de ter terminado o preparatório e antes começar o secundário, teria as maravilhosas ferias de Verão. Eram três meses sem fazer nada em termos escolares. Eram três meses de novas conquistas e aventuras, basicamente divididos entre os Olivais, o Canhestro e Mouronho (terras dos meus pais). No Olivais os dias eram repartidos com os jogos tradicionais (o pião, os berlindes) e os jogos de futebol. Passávamos os dias na rua deambulando de um lado para outro à procura de alguma coisa para fazer quando não tínhamos jogos de futebol marcados. Procurava-me sempre manter afastado de problemas, procurando as companhias certas. Apesar de os Olivais ser sempre um bom espaço para passar férias de Verão, por lá estarem os meus amigos e termos um espaço enorme para jogar futebol e praticar outras actividades, era nas terras dos meus pais que o tempo era melhor aproveitado com outras actividades que não fazia frequentemente.·
O azulinho continuava a ser o nosso meio de transporte. E ao som do cartuxo do José Cid e companhia limitada, fazíamo-nos à estrada de madrugada, com a viatura super carregada de tudo e mais alguma coisa. A chegada era sempre em festa. Os beijos e abraços aos meus avós eram como o anunciar de umas belas semanas na minha vida.
Se nos Olivais tinha alguma liberdade para explorar o que me rodeava, nas terras dos meus pais a liberdade era completa. O que importava era estar à hora das refeições em casa. O resto do tempo era passado em perfeita autonomia na exploração de novos terrenos e amizades.
Sempre tive uma pancada por carrinhos de rolamentos e sempre que chegava à aldeia tentava arranjar o que tinha ou fazer um novo com novas tecnologias que tinha adquirido ou na escola ou em consultas a livros ou jornais. O carro nunca poderia ser de rolamentos, porque a única descida perto da casa dos meus avos era em terra. A nossa solução passava por fazer as rodas em madeira. Utilizávamos um madeira de cinquenta centímetros de comprimento e vinte de largura. Se encontrássemos uma assim era excelente, se não teríamos que utilizar um serrote e cortá-la à medida. De seguida teríamos que pregar uma ripa na parte de trás, onde seriam colocadas as rodas. Na frente levava uma ripa com um eixo ao meio, para servir de direcção. As rodas eram cortadas com um serrote de um pinheiro. Verificávamos o diâmetro de um pinheiro e fazíamos contas. Se era o ideal, cortávamos quatro rodas. Essas quatro rodas eram depois cravadas nos cantos das ripas.
O carro estava pronto a ser testado. Como das outras vezes, durou dias a fazer, mas rapidamente deixou de ser usado. Não conseguíamos resolver o problema das rodas. Ao fim de algum tempo de utilização, estas partiam e assim abandonávamos o projecto e partíamos para outra maluqueira. Apesar dos meus pais tentarem passar a mensagem que era necessário participar nas actividades do campo, como ajudar na arranca da batata, apanha e descasca do milho, apanhar as azeitonas, apanhar as uvas e pisa-las ou ir ao pinhal buscar uma carrada de mato, nunca fui muito de me envolver.
Sempre serei um homem da cidade e ir para o campo será mesmo para andar de bicicleta ou fazer passeios a pé. Não tenciono, nem tenho conhecimentos que me levem a tomar tal atitude. Existe também a questão de que o mercado está tão competitivo que os valores dos alimentos compram-se mais baratos do que se formos nós a produzi-los em pequenas quantidades.
Apesar de não estar virado para a agricultura, muitas vezes tinha que ir ao castigo. Apesar de não gostar de trabalhar no campo, o que eu gostava mais era a descasca do milho e o pisar das uvas. São épocas diferentes.
A descasca do milho é efectuada com o tempo quente e durante a noite. Todos os aldeões se juntavam na eira principal da aldeia, com as suas vestimentas características. A saia rodada e um grande chapéu de palha faziam parte da toilette, nos homens e um garrafão de vinho na mão do homem, também fazia parte da fotografia. Todos se sentavam no meio do milho e cantavam, cantavam, cantavam. Descascavam o milho com um pequeno prego e cantavam, cantavam, cantavam canções tradicionais, como “Menina estás à Janela”, “Janeiras”, “Atirei o Pau ao Gato” ou a mais mítica de todas “Sexo na banheira é bom” dos Ena Pá 2000. Os homens bebiam, bebiam e bebiam mais um pouco, enquanto debulhavam o milho. Era uma festa dentro do trabalho. Olhava para os seus olhos e via-se alegria, mesmo trabalhando. Estavam ali por prazer e não por obrigação, o que tornava o trabalho bem mais agradável.
A meio do Outono o vinho era a religião da família. Era a altura de cortar os cachos e pisar as uvas. Carreguei bastantes baldes de uva para o carro dos bois. Basicamente alguém cortava os cachos e colocava-os nos baldes e desgraçados como eu carregávamo-los para o transporte. Os baldes eram carregados para a adega da casa e colocados dentro de um tanque enorme. Depois íamos lá para dentro e passávamos horas a pisa-las. Gostava do cheiro apesar de ser muito forte. Acho que apanhei bastantes bebedeiras naqueles dias. Era só rir e cantar. Quando a uva estava pisada, deixava-se fermentar, metiam-se uns aditivos e alguns dias depois estava pronto para ser recolhido. As pipas eram lavadas previamente antes de colocarem o vinho novo. As pipas do meu avô eram enormes e todas ficavam cheias. Aproveitando a massa do vinho era feita a aguardente. O meu pai era o mestre. Ia para o alambique fazer a mistela. Era curioso que ele tinha que passar sempre lá uma noite. Para mim era porque já não conseguia regressar a casa a andar tamanha era a “buba” que tinha apanhado.
Durante o processo, juntavam-se várias pessoas e cada um trazia vinho, chouriços, queijos e presunto. Acredito que depois de uma grande patuscada era difícil vir a direito para casa. Eu ainda não me tinha metido nos copos naquela idade, apesar das bocas foleiras que ouvia dos meus tios. “O rapaz já tem idade.” “Dá-lhe um copinho.” Agora observando bem, eles não eram muito diferentes dos meus outros amigos que me incentivavam a consumir droga, ou será que o álcool é menos dependente que as outras drogas. Poderá ser um pouco, mas o problema da dependência é parecido, só não é tão criticado na sociedade.
Adorava ir para o Rio Alva, para a praia fluvial.
Ficava a seis quilómetros da casa dos meus avós. Era sempre a descer. Depois da sesta da tarde partíamos para o Rio. No Verão a zona de Arganil é um sufoco e copiávamos os Alentejanos. Ia sempre de bicicleta para a praia.
Como era sempre a descer para lá, para cá a desgraça era completa. Quarenta e cinco minutos sempre a subir, mas com paragens para andar à “chichada”. Tudo o que era fruta marchava. Como voltávamos por volta das sete e meia a fome apertava e o dinheiro era nulo, não nos restava outra alternativa do que ir ao quintal do vizinho. Naquelas bandas nem era preciso retirar, era só pedir que os donos davam. Mas dava mais gozo “gamar”. Dava mais adrenalina e naquela idade era o que estávamos à procura.
O tempo no rio era quase todo passado dentro de água. O sítio é lindo. Tem uma catarata com cerca de três metros de altura, que divide duas partes distintas do Rio. A parte de cima da catarata é um grande lago, onde não existe corrente. Era ai que passávamos o tempo de molho. Na parte de baixo sentia-se a corrente, e a água dava-nos pelos joelhos. Íamos só para essa parte quando queríamos explorar ou tentar apanhar peixes à pedrada ou à fisgada. Mas a maior loucura do rio era o moinho com uma roda gigante que tocava na água. Era lindo. Feito de grandes pedras graníticas, apresentava ter milhares de anos. O moleiro aparecia à porta com os seus sacos de farinha já moídos. O senhor como era simpático, deixava-nos entrar e observar a mó a trabalhar. O barulho era enorme. A força da água a bater na roda, fazia rodar uma enorme pedra redonda que desfazia os cereais, transformando-os em farinha. É um processo que infelizmente deixou de ser usado, mas tinha muita pinta, nem que não fosse para pregar uma chapada de farinha na cara do meu irmão e do meu primo.
Existiam umas “Gaivotas” para alugar. Eram uma espécie de barcos, mas para os podermos deslocar era necessário dar aos pés, como fazíamos nas bicicletas. Como conhecíamos o dono, este dava-nos a chance de podermos andar sem pagar, quando a “gaivota” não estava ocupada. Seguíamos todas as regras de segurança. Colocávamos os coletes e não nos podíamos afastar do limite permitido. É claro que os primeiros minutos seguíamos as regras de segurança, mas passado algum tempo, era o deboche total. Sem tiramos o colete de salvação, que nos permitia flutuar, fazíamos saltos mortais, encarpados, amalucados e até ajoelhados. Valia tudo menos fazer o correcto. Apesar de saber que estávamos errados, também sabíamos que a água nos dava pelos joelhos e não iria acontecer desgraça nenhuma. Pelo que me lembro, ninguém ficou sem um olho. Várias vezes o meu pai levava-me à pesca. Aquilo era só rir. Como é que queria o Albertino pescar com um pau e com um fio de pesca sem qualidade nenhuma. Via pescadores com canas em carbono e carretos de cem contos.
De volta à rotina escolar, tínhamos pela frente um nova escola e consequentemente tudo de novo outra vez, mas só que desta vez bem pior. A escola situava-se na parte dos Olivais mais degradada e onde habitavam muitas pessoas de classe social baixa. Eu próprio senti a pressão de ter que viver com rebeldes e pessoas agressivas. Logo no primeiro dia foi me feita a praxe. Não foi uma praxe qualquer, mas sim uma praxe estúpida e humilhante. Não que fosse já preparado. Até achava alguma piada, porque isso queria dizer que entrava numa fase mais adulta da minha vida, mas foi o modo como foi efectuada. A verdade é que só deixei ir até onde eu quis, quando senti que estava a ser demasiado dei um berro e reclamei os meus direitos. Sou muito amigo, mas quando me tocam na ponta do meu “nariz” fico em modo “raivoso”. Quando a brincadeira começou a passar de pinturas para humilhações públicas, como pedirem para me ajoelhar ou rastejar, não permiti. Desde então, e para algumas pessoas/alunos que queriam controlar os outros, fiquei marcado. Fiquei marcado mas de forma positiva. Como não me rebaixei e encarei o problema de frente, os ditos “pintas”, ganharam-me algum respeito. Eu pessoalmente estava-me nas tintas para o respeito deles. Não queria nada com esse tipo de pessoas. Estava lá para estudar e conhecer pessoas com as mesmas orientações de vida que eu. Interessavam-me pessoas que gostassem de desporto, de música e que fossem pacíficas. De preferência que não fumassem e que tivessem respeito pelo próximo.
A escola era um pouco estranha. Existiam dois grandes pavilhões de dois andares, mas ficavam longe um do outro. Éramos obrigados a gastar o dobro das solas durante um ano lectivo para transitar entre ambos. O pior era quando tínhamos aulas seguidas em pavilhões diferentes. Penso que foi por essa situação que consegui o melhor tempo entre os quatrocentos militares, na Escola Militar de Electromecânica (Paço d’Arcos), quando fizemos a prova dos sessenta metros. Na escola tínhamos que ir de um pavilhão ao outro no redline, para aproveitar um pouco dos intervalos e fez-me um corredor nato de curta distância. Estava nesse momento na “idade do armário”. Tudo o que se fazia estava mal e estava de costas voltadas para o mundo.
O facto de não conseguir conquistar um grupo de amigos unidos por sangue, como tive nos anos anteriores, reflectiu-se na minha personalidade. Fiquei mais frio e mais desconfiado. O aproveitamento escolar também se reflectiu um pouco nesse comportamento. As notas não eram as melhores, mas sempre deram para passar de ano. Como não consegui acertar com um grupo certo de amigos, deambulava por vários grupos. Esse comportamento deu-me várias experiências, entre as quais conhecer novas formas de mentalidades. Existiam os certinhos, ou os betos como lhe chamavam. Eram rapazes vestidos de camisola de riscas, com pulôver aos quadradinhos em bico. Usavam sapatos de vela e usavam perfumes caros. Como amigos, eram muito unidos e frequentavam a casa uns dos outros. Durante uns tempos pensei que seria com eles que tinha que andar. Eram pessoas que estudavam e tinham boas notas. Aproveitavam tudo o que a escola lhes oferecia para conseguir melhores resultados. Utilizavam constantemente a biblioteca da escola, iam à reprografia tirar fotocópias de tudo e mais alguma coisa, para servir de base de apoio aos estudos. Aproveitavam os “furos” para estudarem e partilhar problemas. Existiam aulas extras de apoio que eram quase preenchidas por este tipo de alunos. Eram sem dúvida o futuro do nosso país. Alunos brilhantes, com capacidades invulgares. Alguns nem estudavam a sério. Bastava estar atentos nas aulas, para que o seu cérebro assimilasse sem problema os problemas apresentados e tivessem notas espectaculares. Cai na realidade quando frequentei a casa de um deles. Casas enormes, brilhantemente decoradas e com o aspecto de que tudo que eu tocava era muito caro. Os seus pais eram engenheiros ou médicos, o que tornava tudo muito mais fácil. Apesar de tentar ser como eles, não o era. A nível financeiro ou de comportamento escolar vim a verificar que era muito diferente. As minhas notas eram modestas e não tinha aquele impulso de estudo que eles tinham. Bem tentei frequentar os mesmos sítios, mas a minha cabeça estava no campo de futebol, ou no treino de andebol, ou nas raparigas, ou noutra coisa qualquer que não fosse o estudo. Lentamente comecei a desligar-me desses grupos e virei-me mais para o meu ambiente. Pessoas em que o estudo era secundário e que não tinham muitos meios financeiros, era o meu meio.
Durante os três anos que estudei naquela escola, foram dois anos da parte da manhã e um da parte da tarde. Gostava mais do horário da manhã. Nunca tive muitos problemas em acordar cedo e com a tarde toda livre, poderia ter outras actividades. Quando tive aulas na parte da tarde, pensava que perdia quase todo o dia com a escola. Aproveitava e acordava mais tarde e praticamente não fazia nada durante a manhã. Como as notas não eram as melhores, tentava várias maneiras de as melhorar. A principal foi só levar um caderno para todas as aulas e depois passar a limpo a matéria em casa para os diferentes cadernos. No princípio foi uma boa táctica, mas temos que ser pessoas estruturadas e levar essa estratégia a sério. O que acontece é que a quem não o faz e deixa de passar a limpo os apontamentos um dia, dois dias, três dias, depois é a confusão total. A desordem é tanta que o melhor é “abandonar o barco”. E foi isso que aconteceu. Muitas das vezes a estratégia virava-se contra mim e o barco afundava-se.
Olhando agora para os alunos das escolas preparatórias, parece uma passagem de modelos. Todos imitam alguém. A televisão e as revistas contribuem de forma significativa para essa reprodução. Antigamente poderiam existir tendências, mas eram menos observadas. No meu caso, as compras da minha roupa eram feitas na Feira do Relógio. Quando a minha mãe tinha algum dinheiro disponível e mo entregava para comprar alguma peça de roupa, esperava ansiosamente pelo Domingo. Ia cedo, porque sabia que poderia encontrar as melhores peças logo de manhã. É curioso que mais tarde optei por uma técnica diferente. Ia o mais tarde possível, porque quanto mais tarde, mais os preços eram inferiores. Com o passar do tempo apurei o conhecimento em encontrar as melhores peças, aos melhores preços. Se calhar é por isso que actualmente sou Técnico de Compras, onde procuro sempre o melhor preço/qualidade.
Os torneios inter-escolares eram do melhor que podia existir na escola. Além de termos treinos específicos com professores da escola, tínhamos a população da escola em peso para nos apoiar. Existia uma grande rivalidade entre as escolas. Dávamos tudo em campo para que a vitória fosse nossa. Era uma forma de nos assumirmos como os melhores e sermos respeitados. Fiz quase sempre parte das selecções escolares em futebol 5, no basquetebol e no pingue-pongue. Infelizmente não existiu selecção de Andebol.
Em alguns Domingos que o meu pai estava disponível, visto que ele trabalhava por turnos, levava-me a mim e ao meu irmão ao Estádio da Luz. Ao antigo Estádio da Luz, porque existe um novo Estádio da Luz com capacidade muito menor que o antigo. O antigo, chamado de banheira, levava cento e vinte mil pessoas e nos dias das gloriosas noites europeias enchia e chamava-se o inferno. Eram nessas manhãs que o meu pai me levava. Íamos ver as classes não profissionais a jogar, ou seja, desde os infantis aos juniores. Gostava de os ver a jogar na relva e tentava reter alguma jogada ou finta feitas pelos jogadores, na minha cabeça. Além de ir passear, também tentava tirar alguma informação da análise que fazia ao jogo. De vez em quando víamos algum jogador sénior e ficávamos em “pulgas”. Corríamos e pedíamos um autógrafo. Era um ambiente que gostava de estar. Só tinha pena em não estar lá dentro a jogar.
Depois de ter jogado dois anos Andebol nos Infantis no Encarnação, alguém me informou que estava abertas as captação de jogadores Juvenis no Sporting. Como tinha um amigo que iria tentar a sua sorte, também fui tentar a minha. Não fui muito esperançado. Deviam ser centenas de jovens à procura de ficar na equipa. Só dezoito jogadores ficariam. Lembro-me que foi a minha primeira saída de autocarro sem os meus pais. O meu pai não me podia levar, acabei por ir com o meu amigo de autocarro. A minha mãe deu-me dois talões de viagem pré-comprados, chamados módulos. A minha mãe utilizava muito os pré-comprados porque a viagem ficava mais barata do que os bilhetes individuais. Apanhámos o autocarro número cinquenta. Este autocarro viria a fazer parte da minha vida durante quatro anos. Foram os anos que joguei no Sporting. Joguei dois anos nos Juvenis e dois anos nos Juniores.
Era como um sonho, entrar no pavilhão do Sporting e vestir o seu equipamento, apesar de ser Benfiquista, por influência familiar. Ouvia-se falar tanto neste clube e agora estava ali equipado e dentro do seu espaço. Chegámos e dirigimo-nos ao balneário. Deram-nos o equipamento e mandaram-nos esperar nos bancos de suplentes. Observava outros atletas a jogarem. Também estava a prestar provas. Éramos mais de quarenta atletas reunidos dentro e fora do campo. Não estava nervoso nem apreensivo. Estava a divertir-me por estar naquele lugar e estava a desfrutar ao máximo. Lembro-me do meu pai me dizer: “Joga como sabes. Tenta jogar o mais rápido possível e sê agressivo o suficiente para impressionar. Entra descontraído e sem pressões.” Foram boas dicas. Assim o fiz. A velocidade sempre foi o meu forte e consegui alguns golos de contra-ataque e algumas deslocações rapidíssimas. Joguei cerca de cinquenta minutos e depois mandara-me para o banho. Depois do banho tomado, iria receber informações acerca do meu desempenho. Muitos teriam que voltar lá a prestar provas. Para mim essa situação seria dolorosa. Ou me queriam ou diziam que não interessava. Felizmente fiquei entre os dezoito jogadores que iriam fazer parte da equipa de Juvenis do Sporting Clube de Portugal na próxima época. Foi com grande alegria. Tinha dado um passo gigante no meu curriculum desportivo. Podia dizer com orgulho que jogava no Sporting. Não era pelo nome em si, mas pelas condições que eram oferecidas aos jogadores. Tínhamos direito a subsídio mensal, apoio médico, equipamento para treinar e jogar, saunas e massagens, acompanhamento de psicólogo e condições de treino fantásticos, onde poderia destacar por exemplo um excelente pavilhão, bolas sempre novas e material de apoio excelentes.
Foram quatro anos excelentes a nível desportivo. O início da época começava sempre no mês de Setembro. Efectuávamos testes médicos, através de análises de sangue, verificação do estado dos dentes, visão, audição, analise à urina e testes específicos da modalidade, como testes respiratórios e de reacção. Depois desta fase vinha o primeiro micro ciclo que consistia em ganhar resistência. Eram quatro treinos semanais, dedicados ao treino cardiofitness, em que o objectivo era trabalhar à base de pulsações. Menos batimentos, trabalha-se a endurance e recuperação. Mais batimentos, trabalha-se uma maior intensidade de esforço e massa muscular. Eram treinos chatos, porque como qualquer miúdo, nós queríamos era a bola para brincar. Passávamos trinta a quarenta e cinco minutos a correr dentro do pavilhão, seguindo depois de exercício de flexibilidade e força, acabando com treino de explosão, ou seja, de sprints em séries. Acabávamos sempre os treinos com flexibilidade, o que ajudava a recuperação do corpo para o treino seguinte. Este micro ciclo durava normalmente um mês. Ao fim de uma semana, a bola já era colocada nos exercícios durante o treino. Iniciava-se um segundo micro ciclo, onde o objectivo era a parte técnica. Trabalhava-se o passe e recepção. Ganhávamos força no remate, fazendo repetições contínuas de remate à baliza de várias posições no campo de jogo. Nos últimos vinte minutos do treino fazíamos pequenos jogos. Três contra três, ou quatro contra quatro, onde se efectivava a troca de bola rápida e o contraste de movimentação dos jogadores. O terceiro micro ciclo estava direccionado par a parte da táctica. Era nesse ciclo que aprendíamos a atacar a defesa adversária e a defender a nossa área de baliza. São três micro-ciclos fundamentais que temos que ultrapassar para chegar em condições à competição. Depois de entrar em competição, geralmente a semana passa a ter três treinos, em que o primeiro é basicamente para recuperação e treino de força, o segundo para aprumar a parte da técnica e o terceiro treino para preparar o jogo seguinte. Basicamente quem faz desporto colectivo passa sempre por estas fases na sua vida desportiva.
Em termos de conquistas durante estes quatro anos, foram fenomenais. Campeão nacional no meu primeiro ano de Juvenis. Terceiro classificado nacional no meu segundo ano de Juvenis e vice-campeão no segundo ano de Juniores. Em termos pessoais sempre joguei regularmente e fui importante nas conquistas da equipa. Durante os anos de treino desenvolvi ainda mais a minha velocidade pura e tornei-me um jogador polivalente, o que garantiu jogar no lugar onde mais gosto, a central.
Cheguei ao fim do nono ano com aproveitamento escolar mas com duas negativas. Era raro o ano que passava sem negativas. Por esta situação adivinhava-se um secundário difícil. A minha falta de concentração, as diversões extra-escolares, o pouco interesse da matéria e a falta de condições de estudo, levaram-me à falência escolar. Estava mal preparado para enfrentar o secundário e isso provou-se.
Inscrevi-me na melhor escola do País naquela altura. Pelos menos foi o que foi comunicado na Impressa. Era uma escola piloto e eu iria estreá-la. De certeza que não foi benzida, porque a minha estadia foi uma autêntica desgraça. Era a escola secundária nº2 dos Olivais, perto de Moscavide. As salas de aulas eram amplas, com bastante luz, mobiliário novo e de fácil acesso a pessoas deficientes. Os corredores eram enormes e com indicações correctas de como procurarmos a sala de aula. Tinha extintores por todos os corredores, conforme a lei da altura e estava tudo pintado de novo. Existia biblioteca e salas de estudo. Existia também uma sala enorme do aluno, onde estava situado a rádio da escola. O refeitório era moderno e a comida bem confeccionada. Estava aberta uma papelaria/reprografia durante o horário escolar, o que dava um jeito enorme para ir fotocopiar as cabulas dos meus amigos. No exterior existia um enorme campo de jogos específicos para a área de desporto, que incluía um campo de Futebol/Andebol/Basquetebol, uma pista de atletismo e uma parede de ténis. Existia também um pavilhão de dimensões oficiais onde poderíamos praticar todos os desportos de pavilhão. O pavilhão estava bem recheado de boas materiais para a prática desportiva. Com a entrada no décimo ano, tive que optar por uma área escolar e claro que a única palavra que me vinha à cabeça era Desporto. Fiquei no décimo A de Desporto. Depois de três anos a deambular por entre grupos de amigos ou conhecidos, nesta escola consegui outra vez unir-me a um grupo forte de amizades. A minha turma era muito unida e fazíamos tudo juntos. Adorei estes quatro anos que passei nesta escola. Tive amigos fantásticos e marcantes. O desporto neste momento era o centro da minha vida e adorava viver assim. Foi pena terem metido na área de desporto o Inglês, a Matemática e a Físico-química. Que aborrecimento. Porque não colocaram áreas como a “Mobilidade Alternativa”, “Salvem o Planeta” ou a “Ajuda Comunitária”? Tinham que colocar aquelas áreas horríveis e super chatas, sem qualquer interesse que me obrigaram a chumbar sistematicamente. Que aborrecimento. Estou mesmo aborrecido. Hoje de certeza veria tudo de maneira diferente. Tinha que ver a escola como um desafio e não como obrigação. Essa é a grande diferença para mim, na conquista dos meus objectivos.
Oi, Oi, o Amor. O amor é lindo e sabe bem … ou não.
Enquanto a seta do cupido nas paixões anteriores acertou-me no pé, na testa, na bunda ou mesmo no olho, este ano, depois de ele ter ido aos treinos, acertou no coração. Acertou com tanta força, que foi preciso um balde daqueles comprados no Continente para “apanhar” o sangue. Também precisei de vários palitos, daqueles que se usam para colocar nas pipas de vinhos, para que este não deixe escorrer o vinho, para tapar a ferida criada pela seta. A paixão naquelas idades deixa-nos loucos e parvos. Efectuamos de imediato uma ligação de uma música à pessoa e cada vez que ouvimo-la ficamos num estado tão grande de ansiedade, nervosismo, ausência, transtorno, agonia, aflição, anseio, tormento, perturbação, desassossego, que parece que o mundo pára e que a nossa cabeça esta com umas “palas de burro” e só vimos a rapariga. O nosso comportamento muda bastante depois de repararmos na personagem. Só me apetecia rapta-la e leva-la para outro planeta. Era minha e só minha. Tantas vezes sonhei com essa situação. Até tinha uma plano. Eu não a conhecia. Iria fazer-me passar por um aluno super inteligente, daqueles que elas só querem conhecer, para que façamos os seus trabalhos escolares. Depois dizia-lhe que o meu pai era astronauta na NASO (Não me Acompanhas Sofrerás de Otites). Sinceramente poderia dizer-lhe o que queria que ela era loura burra.
Não que tenha qualquer atitude racista com as loiras pouco inteligentes, mas está mais que provado que o QI das mesmas não é dos mais elevados. Mas também acho que ultimamente estamos a assistir à “revolta das loiras”. Cada vez mais as raparigas bonitas têm vindo a vingar no cinema e na televisão. Participando casa vez mais nos problemas da globalização e participando em eventos de caridade. Penso que não só as loiras, mas actualmente todos nós temos uma acção mais activa na sociedade. Eu, por exemplo, participo em passeios de bicicleta ou caminhadas de carácter solidário, para pessoas que têm dificuldades. Dou a minha dízima e acreditem que me sinto bem a ajudar o próximo. Outra ajuda é efectuada nos supermercados, quando solicitam a ajuda em alimentos. Deixo com a entidade promotora da acção vários alimentos, que podem ser pacotes de leite, arroz, massa, biscoitos ou água.
Cada vez que passava pela linda loira, pelos corredores da escola, ficava todo nervoso. Queria arrancar algumas palavras da minha boca, mas nem com um alicate elas saíam. Noites em branco. Milhões de litros de água perdidos pela minha face abaixo, que dava para hidratar algumas crianças em África. Milhares de linhas escritas no diário imaginário. Estas eram as angústias que o cupido me fez passar. Estava mais que claro que tinha que enfrentar a loira como se fosse um boi. Tinha que ser de frente. Tinha que me lançar aos seus “cornos” e agarrá-la bem até ela amansar.
Estava disposto a avançar com o plano. Num dos milhares de intervalos escolares que tive, antes de me aproximar, coloquei uns óculos para dar ar de “cromo” e abalroei-a. Quase levei um sopapo. Mas lá consegui falar com a rapariga e por incrível que pareça convenci-a mesmo que o meu pai trabalhava para a NASO. De seguida tudo foi fácil. Disse-lhe que o Ambrósio do meu pai (chauffeur particular) que nos vinha buscar, estava com sarampo, e que tínhamos que apanhar o cinquenta (autocarro) para Algés. Quando saímos na paragem idealizada e andamos um pouco por meio de prédios manhosos, coloquei-lhe um lenço branco cheio de álcool etílico na boca/nariz. “És tão querido” disse ela. “Cheira mesmo bem. Usas o perfume da Springfield?” Tinha-me enganado no lenço. Sem que ela reparasse troquei de lenço e ela adormeceu.
Tinha tudo combinado com um amigo motorista de táxi. Passou á hora certa e fomos para o Aeroporto Internacional de Lisboa. Quando chegámos, liguei para outro amigo das bagagens e conseguimos uma viagem à borla para o Waikiki. Ainda antes de ela acordar, consegui que chegássemos ao local onde iríamos viver juntos para sempre e teríamos os nossos treze filhos. Fiquei babado a olhar para o seu acordar. Queria ver a sua reacção à ilha que tinha comprado de dois metros por dois metros com uma palmeira no centro.
Afinal o plano não passava de um sonho e a realidade era dura. Finalmente conheci-a e ao fim de alguns dias pedi-lhe para lhe falar. Sentamo-nos num dos bancos corridos dos corredores da escola. Ela olhava para mim, mas nem uma palavra saia. Foi uma situação mais que parva. Foi mesmo patética. Tive que ir buscar a “chave-inglesa” para conseguir arrancar umas palavrinhas da boca. Abri-lhe o meu coração através de palavras quentes e amáveis. Mas a resposta foi fria e brutalmente fulminante. Não fui correspondido. Virei estátua por vários minutos. Foi uma primeira experiencia bastante marcante e demasiado dolorosa. Fiquei uma pessoa mais calculista e fria. Compreendi que primeiro teria que controlar as emoções e avançar quando sentisse que a outra pessoa também dava um sinal positivo.
A música sempre me interessou, apesar de sentir que sempre foi um pouco surdo para as notas musicais. Estamos no bum da música portuguesa. Na época de oitenta, pessoas/bandas importantes como Rui Veloso, Xutos e Pontapés, GNR, UHF, Grupo de Baile, Policias do Comercio, entre outros, faziam-nos sonhar e querer ter uma banda. O meu pai anos antes tinha-me inscrito a mim e ao meu irmão numa escola de música. A escola era uma secção da Junta de Freguesia dos Olivais sem fundos lucrativos. As aulas dadas por um professor de música, duas vezes por semana. A escola oferecia algumas condições aos alunos, mas não as ideais. Só tinham duas guitarras e um piano. Rapidamente desinteressei-me. Todos os alunos eram muito novos e eu senti-me a mais. Não me encaixava e acabei por procurar outros conhecimentos em outras estruturas sociais. Alguns anos antes já o meu pai tinha-me comprado um órgão. Já tocava alguma coisinha. Tinha sido autodidacta, explorando livros e falando com pessoas que também tocavam instrumentos. Basicamente, aprendia com os erros. Através de um amigo, acabei por conhecer mais pessoas que tocavam e acabamos por formar uma banda de garagem. Não lhe chamaria bem uma banda de garagem, mas sim de quarto. Por ser de quarto, tivemos alguns problemas com os vizinhos. Depois de discutida a situação e até fui eu que propus, tínhamos que conseguir outro local de ensaio, porque também não gostava estar no meu lar a descansar e alguém a fazer bastante barulho constantemente. Conseguimos um local espectacular para ensaiar. Foi na Instituição Luís de Camões. Era uma instituição que ajudava os jovens em varias áreas da cultura. Música, teatro, dança, pintura e fotografia eram as áreas fortes da Instituição. Conseguimos uma sala onde podíamos tocar e fazer o barulho que quiséssemos, porque ninguém nos poderia ouvir. A verdade é que no princípio da banda ainda bem que ninguém nos ouviu. Basicamente o que tínhamos? Um baterista, um baixista, uma guitarrista, um teclista, um saxofonista e um vocalista. Os últimos dois a entrarem na banda foram o baterista e o vocalista.
Era curioso que naquele tempo todos queriam fazer parte de uma banda e por isso tínhamos filas de pessoas a quererem entrar para a banda. Por incrível que pareça tivemos que fazer um casting. Eu só me ria. Não percebia quase nada de música e estava a fazer um casting a pessoas para entrar para a banda. A verdade é que foram as outras pessoas que percebiam mais de música é que aceitaram musicalmente os outros elementos. Eu só queria que fossem uma mais valia para a banda e para me ajudarem a evoluir como músico. Basicamente construíamos a música a partir de uma estrutura musical e depois aplicávamos a letra. Nos ensaios conseguia evoluir e melhorar os meus conhecimentos, através de ajuda dos mais conhecedores, assim como tentava desesperadamente desentupir as minhas orelhas surdas.
Depois de termos algumas músicas feitas estava na hora de as começar a tocar para o público. O primeiro objectivo era mostrar o trabalho aos nossos amigos. Fizemos os convites aos mais íntimos e demos o nosso concerto que foi o mais pequeno do mundo. Mais pequeno e o primeiro. A mistura de Rock alternativo com um pouco de melodia encantou as pessoas. A verdade é que eram nossas amigas. Se não dissessem bem eram corridas a pontapé e a biqueiradas.
Acho que o início dos Xutos e Pontapés começou mais ou menos assim. As novas bandas nessa época dedicavam-se a fazer muita música alternativa e como era pouco “comercial” (não vendia) tinham algumas dificuldades em se impor. O nosso som era bem-vindo porque ficava no ouvido. O próximo passo era procurar a divulgação da nossa música. Existiam vários canais de difusão. Existia a televisão que estava completamente fora do nosso alcance, porque queriam artistas consagrados. Existiam as rádios, apesar de serem de melhor acesso que a televisão, também era difícil. Eventualmente num programa de autor isso pudesse acontecer. Restava-nos o que as novas bandas faziam. Procuravam os Concursos de Música Moderna Portuguesa. Existiam bastantes e em diversos lugares. Estes concursos eram quase todos anunciados e patrocinados pelas autarquias locais. Basicamente montavam a estrutura e davam o PA. O PA era a aparelhagem que necessitávamos para ligar os nossos aparelhos e que nos ouvissem para fora do palco.
Assim fizemos. Procurámos junto das juntas de freguesia, Câmaras Municipais, através de jornais e revistas especializadas e tentamos falar com pessoas ligadas ao movimento. Por incrível que pareça, o nosso primeiro concentro foi na minha escola secundária. Nessa altura estava numa lista a concorrer à associação de estudantes. No início da campanha, fizemos uma lista de acções que iríamos adoptar para conquistar os alunos. Além de divulgarmos as nossas ideias para uma escola melhor e mais participativa por parte dos alunos, queríamos acabar em beleza a nossa campanha. Nada melhor que trazer uma banda para tocar ao vivo. Desdobrei-me em contactos com o Presidente do Conselho Administrativo da escola, com a associação de pais, procurei alugar o PA e falar com a banda. Todo correu muito bem e conseguimos dar o concerto para um anfiteatro cheio de curiosos. Naquela altura da banda só tínhamos quatro músicas.
O concerto era para ser dado durante o intervalo grande da tarde, pelo que pensávamos que as quatros músicas chegariam, mas o sucesso foi tanto que nos pediram para repetir. Tocámos de novo as músicas, mas quando deu o segundo toque resolvemos parar, visto que teríamos que respeitar os alunos dentro das suas salas de aulas, assim como não tentarmos alunos em ficarem a ver o concerto, em vez de irem para as aulas.
A banda continuou a ensaiar e procurou mais concertos. Tivemos dois momentos altos, um foi tocar no Mítico Rock Rendez Vouz, onde todas as grandes bandas portuguesas tinham começado a tocar. A sala tinha um carisma brutal.
Tinha dois pisos e um cheiro característico. A acústica era perfeita e sentia-se toda a força do público a puxar por nós. Era um concurso de dez bandas e só tocávamos duas músicas. Tentámos uma técnica que nos garantiu o primeiro lugar. Tínhamos uma música muito forte e então optamos por toca-la primeiro e em seguida tocamos um pequeno instrumental de uns minutos. Queríamos que o publico e júris ficassem agarrados só a um som e que não tivessem poder para comparar. Quando ao fim de algumas horas, soubemos que tínhamos ficado em primeiro lugar, foi a expulsão de alegria.
Outro ponto alto foi quando fomos apuramos para tocar em Belém, no palco dos Sétima Legião. O programa era constituído por cinco novas bandas Portuguesas, como cabeça de cartaz os Sétima Legião. Nós, os Petromax, tocamos em primeiro lugar e apesar de não ter arrefecido, nem aquecido a assistência, ficamos satisfeitos com a oportunidade de tocar no mesmo palco de uma grande banda da Música Moderna.
As pessoas da banda eram muito diferentes. Era um misto de bonzinhos e mauzinhos. Para mim o desporto era tudo e a música era um escape. Era mais uma aventura. Eram novos conhecimentos. Para outros era uma oportunidade única de se assumirem e mostrarem o que melhor podiam fazer nesta vida. Tínhamos três pessoas que eram mais velhas e não faziam nada. Apenas ensaiavam e eram toxicodependentes. Para mim era pacífico quando à toxicodependência andava longe da minha área, mas quando chegou ao meu perímetro saltei fora. Quando vi a prepararem a heroína à minha frente e injecta-la de seguida, disse para mim “chega, estou num mundo estranho, onde não me encaixo”. A partir desse momento deixei os Petromax para sempre. Agora as pessoas que consumiam têm família e estão “limpos”. Penso que foi a sua consciência e a prevenção desenvolvida pelo governo que os ajudaram a atravessar uma situação difícil da sua a vida.
Actualmente continuo a tocar por carolice. Tive aulas de guitarra clássica. Aprendi os movimentos básicos e os acordes importantes. Através da Internet consegui retirar todas as músicas possíveis e imaginárias e toca-las com algumas dificuldades. É necessário prática e esforço para ser um bom músico. Na brincadeira criámos uma banda de nome The Bolachez. Duas guitarras, um baixo, um teclado e computador a fazer caixa de ritmos. Usamos o acid pró 6 para fazer as ligações e conseguir um som decente. É um projecto a longo prazo, em que o objectivo é evoluirmos juntos e passarmos bons tempos sem qualquer pressão. Mas o objecto é criar um álbum com doze músicas e difundi-lo através da Internet, mais propriamente no YouTube, SapoVideos e outros canais que possamos mostrar o nosso trabalho.
Em plena guerra escolar com a campanha para a presidência da associação de estudantes, a letra A, era a lista a abater. Apesar de ser uma escola nova e de ainda não ter tido qualquer associação de estudantes, era a nossa única concorrente. Nós tínhamos o privilégio de garantir aos alunos que éramos um lista independente. Que não éramos uma lista apoiada por partidos partidários. Muitas associações são patrocinadas pelo PS, PSD, ou PCP. Neste caso era o PSD a patrocinar a lista A, com autocolantes, cartazes e todo o material de divulgação. Nós tivemos que inventar e tirar o maior proveito do que tínhamos. Fazíamos cartazes com cartolina normal e com lençóis. Fazíamos panfletos a anunciar as nossas ideias na máquina de escrever e depois íamos fotocopia-los. A nossa grande arma era a passagem de informação de boca em boca e comícios constantes nos intervalos. Prometemos uma associação independente, que lutaríamos pelos direitos dos alunos e promoveríamos melhor ambiente escolar. As nossa luta passava por criar uma Rádio na Escola (foi conseguido), no refeitório existir comida para vegetarianos, na sala principal do aluno existirem duas mesas de ping-pong, dar uma festa por cada período, organizar um concurso de música moderna portuguesa, avançar com vários cursos/ateliês em áreas da fotografia e artes plásticas. Promover o debate para as condições humanas e ambientais e na luta contra o racismo. O racismo naquela altura era muito elevado mas escolas. Conseguimos a presidência da associação de estudantes e eu fiquei no pelouro da cultura, na área da Música. Basicamente a minha função era criar um rádio escolar com horários em que abrangesse bastantes áreas músicas e que também tivesse uma voz activa na escola. Existiam programas de informação e de debate. Teve algum sucesso, porque sempre tivemos pessoas a querer fazer rádio em todas as vertentes. Durante quatro anos dirigi a rádio e fui sempre o DJ das festas. Outra preocupação que tinha era fazer um concurso de DIAS. Tínhamos sempre muitas inscrições e via-se perfeitamente que os participantes treinavam afinadamente para que o resultado final fosse perfeito. Chamava-lhe “ESO2 – Capital da Música”
Morte, a palavra que ninguém quer ouvir. Morte refere-se ao término da vida. É um fenómeno natural que ocorre quando muitas células individuais morrem, assim como os órgãos principais do corpo humano. Uma pessoa é dada como morta quando a actividade cerebral acaba por completo. É duro perder alguém que se ama. É raivoso e revoltante vermos “partir” os nossos avós, amigos e conhecidos. Não existe nenhuma forma de mudar o sentido da vida. Nós somos mortais e essa será sempre a nossa marca registada, que não conseguiremos apagar.
O meu Avó materno morreu com um embolia cerebral. “A embolia cerebral surge quando um coágulo (formado num coração doente por arritmia, problema de válvula, etc.) ou uma placa de gordura (ateroma), que se desprende ou se quebra geralmente da artéria carótida, correm através de uma artéria até encontrar um ponto mais estreito, não conseguindo passar e obstruindo a passagem do sangue.”. Ele estava a trabalhar no pátio de sua casa a cortar madeira e de repente começou a gritar e caiu para o lado. A minha avó veio em sua ajuda, mas não conseguiu socorre-lo. Naqueles tempos não existia telemóvel e também não tínhamos telefone em casa. As ambulâncias demoravam horas a chegar ao local o que impossibilitava salvar mais vidas. Actualmente com os telemóveis e as linhas de apoio directas às ambulâncias e assistência médica, conseguimos verificar que chegam em poucos minutos as ambulâncias aos locais do acidente. Existe também muita formação individual na área da saúde. Todos nós sabemos algumas questões básicas quando existe um acidente. Quando é um acidente de mota, por exemplo, nunca retirar o capacete da cabeça à pessoa acidentada. Coloca-la de lado, também é uma opção válida. Chamar de imediato a ambulância e retirar as pessoas para longe do acidente.
Não se previa com setenta anos a morte do meu avó. Era um homem bem constituído fisicamente e dado sempre como apto para trabalhar. Sabemos que naqueles anos não existiam os exames físicos como existem hoje regularmente. Antigamente só se ia ao médico quando se estava bastante doente, ou incapacitado para trabalhar. Actualmente os seguros de saúde, assim como a obrigatoriedade das empresas, por lei, terem que ter consultas marcadas de dois em dois anos para os seus colaboradores, dá uma maior segurança às pessoas. É fundamental efectuar check-ups ao corpo regularmente, numa instituição credível.
Após a minha avó ter chamado a vizinha para ajudá-la, esta telefonou para o Hospital que enviou uma ambulância. Já nada havia a fazer. O meu avô estava morto. Numa questão de segundos tudo se mudou naquela família. A minha mãe foi avisada e ficou muito infeliz e alterada. Ficou num misto de tristeza e fúria. Porquê? Existe sempre um porquê nesta questão. Porquê aquela pessoa bondosa e benévola, que contribuía para a evolução da sua aldeia de forma significativa? Porquê não era outra pessoa que não cooperava em nada, que vivia à custa dos outros e era um parasita da sociedade? Como se costuma dizer “estava na sua hora”.
O corpo foi levado para a morgue onde foi efectuada a autopsia e tratadas das questões legais, com a edificação do corpo e escolha do caixão e do local do enterro. Nesse mesmo dia foi levado para a igreja da aldeia e ficou em câmara-ardente. Vieram pessoas de todos os lados. Ele tinha muitos amigos e todos lhe quiseram dar um último abraço, um último beijo de despedida. Entre lágrimas e gritos, num ambiente extremamente pesado, as palavras eram poucas. Era tempo de recordar os melhores momentos da vida do meu avô em silêncio e prestar-lhe a devida homenagem.
Nessa época as igrejas não fechavam de noite, o que queria dizer que os familiares ficavam perto do corpo toda a noite, resultado: no dia seguinte viam-se as caras cansadas e com um aspecto horrível. Não lhe chamaria tradição, mas o ritual da morte naquela província era igual para todos. Todos os familiares mais chegados chegavam ao dia do enterro com ar de muito cansados e abatidos. Fizemos um quilómetro a pé da igreja ao cemitério atrás do carro funerário. O pior momento de um funeral é quando abrem o caixão antes de o colocar na sepultura. Os gritos de dor estendem-se a quilómetros de distância e as lágrimas escorrem violentamente pelos nossos rostos. Atiramos um pouco de terra para o caixão com esta já dentro da sepultura, terminando assim o ritual do funeral. Os dias seguintes foram fechados para a sociedade. A família refugiou-se em casa e com a televisão sempre apagada. Era a hora do luto. Todos se vestiram de preto e tentaram reestruturar-se para uma nova condição de Vida. Viver sem a companhia do José Benido.
Anos mais tarde, quase por acaso e em conversa com o meu superior hierárquico no trabalho, começamos a falar sobre a vida alem da morte. Como eu sou muito Terra, via com dificuldade o seu ponto de vista. Ele acreditava e ainda acredita na vida depois da morte. É complicado acreditarmos naquilo que não vemos, naquilo que não conseguimos sentir. Olhamos para o céu e perguntamos “Será que está por aí alguém?”. Mas porquê o céu e não o centro da terra? Será porque foi a religião cristã que nos indicou esse lugar? O meu colega falou na teoria em que quando a pessoa morre, só o corpo é que morre, mas o seu espírito fica vivo. No mesmo momento que o corpo morre, o espírito liberta-se e fica a vaguear pelo nosso espaço físico (O filme Espírito do Amor, é extraordinário a abordar este assunto). Quando fica a navegar no nosso espaço físico, chama-se pré-espirito, porque ainda “habita” o mesmo espaço dos “mortais”. Só quando é chamada para as “plataformas” é que passa a espírito. Os famosos fantasmas de que tanto se fala, não são mais que pré-espíritos perdidos no nosso espaço. Estão à espera da ordem para retomar um novo corpo e quando isso não acontece, andam-nos a azucrinar a cabeça. No fundo, esses espíritos estão baralhados e não sabem que o seu corpo morreu e estão a tentar comunicar com os “Mortais”. Os pré-espíritos depois de serem chamados para a “plataforma”, estão aptos a regressar a um corpo. As “plataformas” são a localização onde se juntam os espíritos em diversos níveis. O regresso a um corpo ou organismo terá a ver com a evolução que o espírito teve no corpo passado. Nunca poderá existir um retrocesso. Se já fomos Ser Humano, não podemos voltar como lagartixa. A evolução do espírito não é só no Planeta Terra. É uma situação muito mais abrangente. A nossa evolução poderá deixar de ter um corpo e “viver” em outros planetas ou galáxias em forma de micro organismos ou em seres de cinquenta cabeças e só com um pé. O que é importante neste processo é a evolução para um espírito melhor em que as questões materiais são as menos importantes.
Depois desta espectacular discussão fiquei muito, muito curioso. Procurei rapidamente a biblioteca mais perto e fiz pesquisas na internet. Fiquei tão fascinado com o que li, que afinal o meu colega poderia ter alguma razão. Existem discursos de pessoas que falam nas suas vidas passadas e depois de investigar consegue-se verificar, identificar e confirmar as palavras ditas pelas pessoas que se lembram das suas vidas passadas. É arrepiante, mas verdadeiro. O que este conhecimento me deu? Um estado de espírito mais confortável em relação à morte. Ninguém quer morrer e se existe uma continuação, será sempre bem vinda.
Eu e o meu pai estávamos diante de um edifício enorme com as seguintes siglas CGD. “O que é?” perguntei ao meu pai. “È a Caixa Geral de Depósitos”. Era o banco onde o meu pai guardava as suas economias. Aquele dia foi uma lição de vida. “Tens que fazer sempre três mealheiros: um para o tempo de reforma, quando deixares de trabalhar, outro para eventuais problemas que possam existir durante a vida, tipo doença, problemas com o carro e manutenções gerais, ou compra de um nova casa e outro mealheiro para as teus luxos, ou diversões” Este último terá que ser bem mais pequeno que os outros dois. Terás sempre que poupar e resistir à tentação do consumismo. A lição foi bem passada e posso hoje dizer que sou “forreta”. Não compro nada por impulso. A compra é sempre bem ponderada e é analisado sempre o melhor valor no contexto preço/qualidade. A compra dos pequenos luxos só mesmo se valer a pena e se for para me sentir melhor e ficar com mais confiança na minha personalidade.
Estava na hora de o meu pai abrir uma conta no meu nome. Que loucura. Iria ter o meu dinheiro. Foi preciso do meu Bilhete de Identidade e de assinar dois documentos. O meu pai leu-me as condições gerais da conta, referenciados no contrato e eu concordei. A partir de agora tinha uma conta e queria ser tratado com respeito. Ainda pensei em comprar um chapéu à la Alcapone, mas não ficaria bem com as minhas calças de ganga da Feira do Relógio.
O facto de pertencer à Associação de Estudantes abriu-me as portas para alguns amores extra sentimentais. As relações passavam a correr sem a marca da paixão. Eram relações esporádicas, onde só interessava o momento, mas nada de ligações afectivas longas e responsáveis. Eram tempos felizes nesse capítulo. Conhecíamos novas personagens em festas de escolas, ou em outros círculos de amigos e conseguíamos divertirmo-nos sem aquele sentimento de posse ou de traição. O álcool começou a entrar na minha vida, quando andava nesse ciclo de experimentação. Começamos a frequentar uma tasca nas redondezas na escola. Era indiferente o sexo nesta questão. Todos íamos e todos bebíamos. Queríamos o mais barato, não verificando a qualidade do vinho que nos era apresentado. Muitas das vezes íamos embriagados para a escola, não respeitando os estatutos e os deveres que devíamos cumprir. Tivemos a sorte de alguém de bom senso perceber que o problema não era único, não era só de um pequeno grupo de alunos, mas sim, um problema da escola em si. O Presidente da Escola, ao aperceber-se da grave situação entreviu e efectuou um plano no combate ao alcoolismo, verificando quantas tascas e restaurantes ficavam perto da escola. Falou com os mesmos a solicitar que não vendessem bebidas alcoólicas a menores senão chamaria a policia. Outra intervenção efectuada foi fazer colóquios sobre o Álcool, referindo a importância do álcool no ser humano, falando sobre as suas virtudes e os seus problemas. A verdade é que escola conseguiu que muitos de nós percebêssemos o problema e desviássemos a nossas ideias para outras questões e problemas.
Depois de algumas relações relâmpago, senti um espaço vazio no meu coração e sem dar por isso estava envolvido com um “moçoila”. A seta que me acertou não foi pela beleza ou pela paixão desgraçada, mas sim pelo mesmo gosto e pela forma muito parecida com encarávamos o mundo. Éramos os dois de desporto e isso aproximou-nos. Foi um ano e poucos meses, onde a sexualidade foi exprimida ao máximo. Estava preparado totalmente, tanto a nível físico e psicologicamente, para assumir uma relação de confiança/compromisso, intimidade/proximidade e de paixão/atracção física. Só numa relação de amor construída deste modo podemos tanto viver plenamente o prazer e os aspectos positivos da relação, como enfrentar os riscos de saúde que o início da actividade sexual adulta nos proporciona. Tive que estudar e aprender como se utilizavam os métodos contraceptivos. Existem muitas opções para se proteger de uma gravidez indesejada e das doenças sexualmente transmissíveis. A escolha terá sempre que passar por um aconselhamento médico, o que não era fácil naquela altura, com a idade que tínhamos. Existem muito métodos contraceptivos no mercado, entre os quais o diafragma, preservativo masculino e feminino, pílula e pílula do dia seguinte.
Sempre procurei ser responsável e ter cuidado. Naquela altura não tinha as mínimas condições nem psicológicas, nem financeiras para formar uma família, além disso estava preocupado com as doenças e todo o cuidado era pouco.
Desses tempos onde o amor, porque a paixão tinha sido deixada para trás, reinava o meu corpo, tudo era belo e indestrutível. Cada momento era único e muito forte. Cada nova experiência era brutalmente gratificante e marcante. Fosse um passeio à beira mar, ver um simples filme no sofá, passar férias numa tenda no Algarve, tudo era demasiadamente bom, tudo era demasiadamente excepcional. Senti que estava agarrado a uma teia de aranha e não me conseguia libertar. A verdade era que não me apetecia libertar. Sentia-me dominado e não conseguia controlar o meu corpo e o meu pensamento. Estava perdido, mas feliz.
Fazia tudo para estar na companhia da mais que tudo. O poder económico dela era bem mais potente que o meu. Fui confrontado em irmos passar umas férias ao Algarve. Apesar não ter um tostão nos bolsos, não dei parte fraca e avancei com um sim. Estava à rasca. O que poderia fazer? Assaltar um banco? Pedir dinheiro ao Totta? Arrumar uns carros? Vender a dentadura da minha avó? A última coisa que queria fazer era pedir dinheiro aos meus pais. Peguei no jornal e fui aos anúncios de trabalhos. Verifiquei que precisavam pessoas para trabalhar numa obra durante oito dias e que pagavam no fim. Não era precisa qualquer experiência, porque o trabalho seria como servente. Era mesmo isso que queria. Levei o jornal e apresentei-me. Fiquei a trabalhar na obra. O responsável da obra tinha o dever de accionar todos os mecanismos de segurança para que eu trabalhasse sem problemas. O capacete, a roupa, o calçado eram analisados se estavam dentro dos parâmetros de segurança. Só depois de analisados podíamos começar a trabalhar. Foi o meu primeiro trabalho a sério, onde iria receber um ordenado. Tinha regras e tinha que a cumprir. Os horários, a segurança no trabalho, o respeito pelos outros colegas e o profissionalismo eram importantes para integrar a equipa de trabalho a cem porcento. O trabalho era pesado, mas pensando nas férias que iria ter, passaram-se bem os oito dias.
Com a tenda às costas e com o horário na mão, embarcamos no transporte que me mais fascina. O comboio. Para mim quanto mais lento o comboio, melhor é a sensação de viajar. Adoro os comboios regionais. Cheios de pessoas do campo, com as suas roupas típicas, seus sacos míticos de batatas, couves e o lanchinho sempre preparado para ser mastigado. Nos comboios regionais existe tempo para tudo. Nada passa a correr. Podemos comunicar com as pessoas das mais variadas nações. É normal pessoas de outros países circularem nos nossos comboios e terem a mente aberta a troca de ideias. Grandes conversas que enriqueceram os meus conhecimentos. Falámos, por exemplo, como estruturaram uma longa viagem. Se fazem a viagem em low-cost ou têm dinheiro para gastar à vontade. Utilizam quais transportes e onde dormem, se utilizam roupa específica para diversos climas e se tomam vacinas apropriadas. Circulam com estojos de primeiros socorros ou se utilizam o cartão-jovem ou outro cartão que lhes permitem descontos. Todas essas questões colocadas e respondidas foram importantes para planeamento das minhas viagens. Ao longo da minha tenho viajado bastante e sempre que o faço, falo bastante com pessoas que também viajam, assim como gentes e instituições locais. Sempre consigo retirar mais e melhor informação. É uma bola neve constante que me permite ir mais além na minha planificação e escolher os melhores locais, nas melhores condições.
Chegado ao destino, consultamos os valores e montamos a tenda. O sol a praia e a companhia era do melhor. Só faltava mesmo um robot a enxotar-me as moscas. No terceiro dia de férias existia um movimento anti-lixo nas praias. Participamos na recolha do lixo e sensibilizamos as pessoas para não abandonarem as beatas e os restantes despojos na areia. Havia quem recebesse a notícia de braços abertos, outros nem por isso. Mal voltávamos as costas, enterravam a beata na areia. Eles nem pensam no mal que fazem. Se não cuidarmos do planeta, rapidamente os seus recursos acabam e é o fim do ser humano. Temos que cuidar do nosso bem mais precioso. O planeta terra.
Com a morte do meu avô, a minha tia meses depois e muito influenciada por pessoas dúbias, resolveu convocar a família para uma reunião espírita com um pessoa que conseguia comunicar com os mortos. Era aterrador a ideia de comunicar com o meu avô, mas como fomos convocados, lá fomos. A sala era escura e tinha uns sons estranhos de fundo e muitas velas acesas. Formámos um círculo juntando as nossas mãos. A senhora tentou perceber um pouco da vida do meu avô, fazendo perguntas. Ao fim de algum tempo começou com uma espécie missa numa língua esquisita. “Será que é a língua dos mortos?”, pensei eu. De repente, apareceu vento dentro da casa e as velas a querem-se apagar. Ficámos nervosos. A mulher entrou em estado possuído e começou aos berros. Por mim pisgava-me de imediato dali para fora, mas alguém me agarrava com toda a força. Além do vento, ouviram-se uns grunhidos estranhos na sala. O auge foi quando a mulher ficou fora de si e bateu com a cabeça na mesa. As luzes abriram-se e acabou tudo. Ficamos todos a olhar para a mulher. Ao fim de algum tempo a mulher levantou-se e afirmou que tinha contactado com o meu avô e que este lhe disse que estava a dever dinheiro a uma pessoa e queria que a família efectuasse o pagamento. Durante uns dias andei pensativo. A realidade confundiu-se com ficção. Ainda não conseguimos explicar cientificamente onde está a barreira de separação e se existe realmente o outro lado. Investiguei e li coisas incríveis, mas aparentemente quase na totalidade tudo são tretas e pode dizer-se que essas pessoas, que se passam por médiuns, o único objectivo é roubar dinheiro aos desgraçados que estão desesperados em querer contactar com os seus queridos que já partiram.
Passei quatro anos no secundário. A calamidade foi completa. Passei dois anos no décimo, deixando disciplinas para trás e passei dois anos no décimo primeiro, deixando disciplinas para trás. Nunca me consegui motivar com os estudos, ou melhor dizendo, com certas disciplinas. Tinha boas notas em todas as disciplinas, mas Inglês, Matemática e Físico-Química sempre foram a minha “cruz”. A minha falta de concentração e o facto de estar sempre ocupado com outros projectos extra aulas, que eu achava na altura muito mais interessantes, provocaram-me dissabores enormes. Em casa ouvia sempre a mesma frase: “Não queres estudar? Vais trabalhar!”. Talvez não tenha sido a melhor frase. Deveria ter sido mais “Onde tens problemas? Vamos tentar resolvê-los”. Não culpo os meus pais. Motivaram-me à sua maneira.
De repente senti-me a mais na escola. A minha idade já era muito elevada em relação aos alunos que lá andavam. Estava na hora de partir, de seguir o meu rumo.
Estava perto da idade de ir para a tropa e não iria conseguir de certeza um emprego estável. Procurei uma empresa de trabalho temporário. Inscrevi-me e falei-lhes da minha experiência, ou seja, nenhuma, mas sabia escrever à maquina e que gostava de trabalhar em escritórios. Rapidamente me telefonaram (velhos tempos onde não existia de falta de trabalho) a propor-me trabalho nos arquivos de um grande Banco. Desloque-me à empresa de trabalho temporário e depois de saber os meus deveres, procurei também saber os meus direitos. Os deveres eram estar todos os dias à hora de entrada e seguir as indicações do meu responsável e o meu direito era receber o salário conforme acordado. Depois de verificar o contrato temporário durante um mês, assinei-o.
O Banco era dentro de Lisboa e tinha acesso fácil de transportes. O local de trabalho era no menos três do edifício. Não tinha janelas e era pouco arejado. Mas eu não me importei. Estava contente era o meu trabalho e iria dar o meu melhor. O trabalho consistia em retirar os agrafos de processos, para depois estes irem ser digitalizados para serem arquivados em ficheiro. A minha única ferramenta era um desagrafador. Era um trabalho rotineiro e bastante chato. Consegui alguns contratos extra. Consegui ficar até ao fim do projecto de digitalização e assim consegui trabalho durante uns tempos. Quando acabou o trabalho naquele Banco, fiquei à espera que a empresa de trabalho temporário me chamasse de novo. Rapidamente entrou em contacto comigo para ir trabalhar para os arquivos da Singer. O trabalho era o mesmo: de arquivo. Era um trabalho sem responsabilidade, mas sentia que tinha que ser o mais responsável possível, porque talvez a empresa gostasse do meu trabalho e me contratasse. As condições de trabalho não eram as ideais, mas o recibo de pagamento era sempre fiável no fim do mês e isso agradava-me. O contrato era temporário mas contínuo até que uma das partes pedisse a sua anulação. Os meus colegas fizeram para que ficasse, mas a empresa decidiu terminar a nossa relação. Estava de novo no desemprego.
Acabei a minha última época de júnior o Sporting Clube de Portugal. O Sporting era uma grande instituição. É um clube poli-desportivo português, fundado em 1906. A sua sede é em Lisboa e patrocina várias modalidades desportivas. Nos mais de cem anos de história do clube, já se praticaram 34 modalidades, sendo que 12 encontram-se suspensas ou foram extintas. Conhecido principalmente pela equipa de futebol, desporto de maior projecção nacional, o Sporting é um dos três clubes mais importantes do país. A nível mundial é o clube com mais medalhas e vitórias em competições olímpicas, sendo também o segundo clube com mais títulos europeus conquistados no conjunto de todas as modalidades, feito superado apenas pelo Futebol Clube Barcelona. Actualmente, a equipa de futebol do Sporting Clube Portugal joga no Estádio José Alvalade, em Lisboa. Tinha passados quatro anos excelentes tanto a nível desportivo, como pessoais. Os treinadores além de orientadores desportivos, também eram educadores de jovens. Fazíamos parte de uma família e é curioso que conseguia falar de alguns problemas pessoais, como o álcool, aos meus treinadores e não aos meus pais. Os treinadores tinham uma atitude positiva, de ajuda, ao contrário dos meus pais, que me iriam repreender e ter uma atitude extremamente negativa, podendo existir mesmo uma rotura nas ligações afectivas.
Tive alguns problemas graves com o meu pai, em que lhe queria explicar alguns problemas pessoais, mas quando o ia fazer, as frases não me saíam da boca por causa do medo. Preferia ficar calado e sofrer sozinho ou procurar ajuda exterior. Felizmente hoje tudo é diferente. O meu pai evoluiu como ser e está muito melhor na área da comunicação, assim como está mais maleável e flexível.
Estávamos no fim da época e como qualquer júnior queria saber se ficaria no clube da equipa sénior ou seria dispensado. Através do meu treinador e numa longa conversa de amigos, fiquei a saber que iria ser dispensado. A maior razão era a minha altura. Tinha um metro e setenta e jogava numa posição dentro do campo em que os jogadores teriam que ser altos. Explicou-me que tinha grandes qualidades, como a velocidade, rapidez de execução e inteligência para jogar num clube da primeira divisão, mas não de topo. As minhas piores qualidades, eram a altura e o poder de choque. Sinceramente gostei como fui tratado. Se me enviassem uma carta a dizer que tinha sido dispensado, ficaria de rastos e com vontade de partir a “loiça” toda. Mas assim percebi a mensagem e comecei logo a fazer contas de cabeça. Se não conseguia jogar numa equipa de topo, iria tentar um pouco mais abaixo.
Num dos dias seguintes a terem acabado os treinos, telefonou-me um responsável da equipa de Andebol do Boa-Hora Futebol Clube. Sinceramente não conhecia o clube. Jogavam na segunda divisão e lutavam para subir à primeira divisão. Fizeram-me um convite para jogar nos seniores. Porque não? Era uma equipa ambiciosa e se foi a primeira a me telefonar é porque já conhecia o meu trabalho. Marcámos uma reunião na sede do clube. Fui apresentado ao presidente e treinador. Do presidente não gostei e do treinador fiquei na dúvida. Parecia um pouco a máfia. Sentados em cadeirões a fumar os seus cigarros e atentar negociar. Todos os clubes na primeira divisão pagavam uma verba aos seus jogadores para jogar. Começaram a dizer que era muito jovem e que teria que mostrar o que valia. Realmente era verdade, mas escusavam de dizer de uma maneira que pareciam os donos do mundo. Apresentam-me um valor e eu estendi logo a mão para selarmos o contrato. Nunca tinha visto números tão gordos. Para quem não tinha ganho dinheiro a jogar andebol, aqueles números pareciam-me muito bem. Esperei que me entregassem o contrato que tinha direito por causa dos valores, mas a informação que tive que existia era um contrato verbal. “Verbal?” disse eu. “Se iria receber uma quantia estipulada durante dez meses, teria que existir um contrato assinado por ambas as partes.” Mas o único contrato que assinei foi o da inscrição para a Federação Portuguesa de Andebol. Fiquei sempre com a dúvida, será que vão mesmo pagar?
A época começou no início de Setembro com os míticos treinos de corrida. Tudo era novo. O clube, os jogadores, as instalações. Tinha acabado a formação em Andebol no Sporting e agora estava nos seniores e iria ser a doer. Como sempre levei o Andebol como uma forma de consulta ao psicólogo, andava sempre motivado, independentemente se as coisas corriam bem ao não. Para mim os treinos eram para me divertir e libertar o stress acumulado no dia a dia. Esta postura, mais o trabalho desenvolvido, levou-me a garantir um lugar na equipa e respeito de todos. Durante oito anos joguei naquele clube. Milhares de treinos, centenas de deslocações, rios de suor e lágrimas de alegria e tristeza. Quando avanço para um projecto que gosto, dou tudo, independentemente se as condições são as melhores. Para mim o dinheiro não é muito importante, mas sim a realização pessoal. De certeza que existiriam projectos que pagaria para os realizar e em vez disso pagavam-me. No caso do andebol foi assim.
O contrato assinado verbalmente correu sempre mal. Nos tínhamos o dever de ir aos treinos e aos jogos e dar o máximo e tínhamos o direito de receber aquilo que nos tinham prometido, mas neste clube passou a ser prática que nos últimos meses nunca pagavam o que prometiam. Só pagavam se ficássemos para a época seguinte. Ao fim de oitos anos, achei que teriam que colocar um fim neste tipo de contrato. Nessa altura era capitão de equipa, devido a ser a pessoa com mais idade no plantel. Naquela altura a idade era um posto, o que não se verifica muito especialmente nas empresas. Era capitão há dois anos. Era a pessoa que tinha que comandar a equipa em campo. Dizer-lhe como controlar o ritmo de jogo, transmitir os conhecimentos do treinador para dentro do campo, falar com os árbitros, assinar a ficha de jogo e, acima de tudo, ter um “balneário” unido, ou seja, conseguir que o grupo de jogadores tivesse sempre ligado e falássemos a uma só palavra. Como era o representante dos jogadores foi falar com o presidente sobre a questão dos salários. Apresentei factos concretos, transmitidos por os meus colegas sobres os valores que não estavam a ser pagos e disse-lhe que se não pagasse os valores que estavam em falta que deixava de ser capitão e que me iria embora. A resposta foi que me podia ir embora. Como infelizmente não existia nada escrito para apresentar em tribunal através de um advogado, tive mesmo que abandonar o clube a meio da época desportiva. Comigo vieram vários jogadores o que fez com que o clube terminasse a época com jogadores juniores a lutar para não descer de divisão.
Voltei à escola. Desta vez foi à escola nocturna. Influenciado por amigos meus resolvi voltar a estudar. Tinha a consciência que teria que terminar o décimo segundo ano para ter uma melhor vida. Só com uma escolaridade mais elevada poderia ter acesso a empregos mais renumerados e com melhores condições. O meu grande sonho era ser Professor de Educação Física e se calhar não irá passar de um sonho …. ou será que não? Depois de terminar a certificação do décimo segundo nas Novas Oportunidades, sou menino para ingressar no Piaget e conseguir tirar o curso académico de Educação Física. Estou motivadíssimo e isso para mim é tudo.
A escola à noite tem um grande problema. Ou vamos determinados e sabemos que é mesmo aquilo que queremos ou será muito difícil. Quatro horas de aulas de matérias aborrecidíssimas depois do emprego, tem que se ter uma capacidade de sacrifício fantástica. Outro problema é que o acompanhamento ao aluno durante a noite não é tão próximo. Senti mesmo uma despreocupação generalizada dos professores. Será que são professores que ganham menos, será estão menos motivados, será que não têm as devidas condições que queriam para trabalhar? Alguma coisa está mal na profissão de professor. Desde de sempre existiram manifestações de professores a reclamar os seus direitos. Antigamente um professor era muito respeitado e tinham imenso respeito pelo seu trabalho. Pessoalmente acho que é uma das profissões mais nobres, além da medicina, são os professores que estão a educar/ensinar os nossos futuros “administradores” do nosso planeta em todas as áreas. Vivo com uma professora e há pouco dias fomos à manifestação contra o Governo, por causa do processo de avaliação dos professores. Cerca de 120 mil professores manifestaram-se durante a tarde de sábado, em Lisboa, contra o actual modelo de avaliação de desempenho. A Plataforma Sindical dos Professores afirma ter reunido “a maior manifestação de sempre em Portugal”. Não tem sido uma tarefa fácil, mas já conseguiram que o Governo aceitasse rever a sua estratégia.
Trabalhava de dia e estudava à noite. Como também tinha os treinos de andebol á noite, a ida à escola tornou-se esporádica e acabou por ser retirada da minha agenda, para tristeza dos meus pais.
Aos vinte anos recebi uma carta para me apresentar no quartel de Paço d’ Arcos, mais concretamente Escola Militar de Electromecânica. Não iria para a escola, iria mesmo para a guerra, como se dizia na altura.
Dois anos antes, tinha ido à junta de freguesia dar o “nome para tropa”. Era um acto de orgulho para os meus pais. Iria passar de adolescente para a fase adulta. Na junta de freguesia pediram-me os documentos para me identificar e solicitaram que visse os editais uns meses depois para verificar qual a data da inspecção. Assim o fiz e depois de o ler, tinha-me marcado a inspecção no Quartel de Inspecção Militar e Setúbal. Para mim as inspecções não eram novidade. Todos os anos as fazia para o Andebol e não seriam muito diferentes, pensava eu. Cheguei a Setúbal cedo no dia marcado para a minha inspecção. Fui de camioneta. Cheguei cedo porque além de me querer despachar rapidamente, também gosto de ter tempo para analisar o ambiente. Eram centenas de indivíduos vindos de toda a parte do país. Eram gordos, magros, brancos, negros, amarelos, pessoas inválidas, rockbills, punks, toxicodependentes, alcoólicos, sem-abrigo, betinhos, surfistas e todas as categorias possíveis que se pode catalogar um ser humano. Parecia que estávamos no circo. O mais engraçado é que despidos eram todos iguais, sim porque a inspecção era efectuada sem a roupinha no corpo. Existia uma fila enorme para entrar na porta da morte. Lá dentro éramos obrigados a despir e gozados pelos soldados que estavam de serviço. Eram tantos soldados que mesmo que alguns quisessem responder de forma agressiva eram logo controlados. Eram feitos exames ao sangue, à urina, à audição, à visão, verificado o estado dos dentes, analisada a pele, os pés e as mãos. Também eram tiradas as medidas do nosso peitoral, auscultados e respondíamos a um inquérito. O inquérito era basicamente para saber se os nossos pais tinham doenças crónicas e os nossos gostos em termos profissionais. A minha resposta foi que os meus pais não tinham doenças crónicas e que gostava da área de comunicação. Gostava de fazer rádio. Depois de um dia inteiro entre esperas nos corredores e exames médicos o dia chegou ao fim e tive a triste notícia que tinha que ir de novo ao quartel no dia seguinte. Dois dias para fazer a inspecção, achei muito tempo. Penso que se o quartel se organizasse de outra forma não haveria necessidade. Penso nos pobres coitados que vinham de aldeias longínquas sem qualquer sentido de orientação em cidades, terem que sobreviver a dois dias, bem diferentes do que estavam habituados. No dia seguinte tive que fazer mais uns exames e esperar, esperar, esperar e estava a desesperar. Finalmente fui chamado para uma sala. Fui abordado por oficiais das tropas dos comandos, pára-quedistas e da marinha. Devido aos meus exames tinha condições de integrar essas tropas especiais. Mostraram vídeos e tentaram aliciar com belas frases. As tropas especiais nessa altura não eram obrigatórias e só como voluntários é que podiam pertencer aos seus esquadrões. Apesar de me terem vendido bem o produto, optei por ficar na tropa “oficial”. A minha vida não passaria pelo exército e o objectivo era passar aquele período o mais depressa possível.
A Escola Militar de Electromecânica, em Paço d’ Arcos, onde fiz a minha recruta, era um quartel como os outros. Tinha uma grande praça central, envolvida com os dormitórios e armazéns de material. No primeiro dia foi-nos dada a roupa e apresentado o nosso beliche. Quem tinha o cabelo cortado livrou-se de uma humilhação. O cabeleireiro era um brincalhão. Fazia desenhos no cabelo aos “maçaricos”, gozando com os mesmos. Eu que já levava o meu cabelo cortado, achei piada à situação, mas a verdade é que todos acabavam com o cabelo cortado a pente zero. Este pormenor do corte de cabelo é um momento único e marcante na vida de muitas pessoas. Talvez seja a marca mais visível do rasgar com o passado e assumirem-se como adultos. Em jovens vindos de aldeias e terras distantes via-se no seu rosto o terror mas mais responsável.
A disciplina imperava. Os horários não existiam e o trabalho físico era duro. Basicamente corríamos, corríamos, marchávamos, rastejávamos, saltávamos e marchávamos de novo. Aprendíamos a cultura militar através da repetição. Aprendemos a desmanchar uma arma e montá-la o mais rapidamente possível. Eram armas verdadeiras e com munições. Fomos obrigados a respeitar o código de segurança, para que nenhuma desgraça acontecesse. Um dos pontos importantes e sempre falado para quem vai para o exército são as malditas vacinas. As chamadas “injecções de cavalo”. O meu pai contava-me com aversão que tinha levado duas “injecções de cavalo”, nas costas. Era feita uma fila e depois vinham dois enfermeiros por trás e inseriam as agulhas alternadamente junto ao pescoço. Deve ter sido uma experiencia horrível e agora era a minha vez. Ainda bem que as técnicas de aplicação tinham mudado. Não me livrei das duas injecções, mas estas foram dados em braços diferentes. O líquido milagroso inserido, iria prevenir que o meu corpo criasse anti-copos resistentes às doenças e assim conseguisse efectuar a recruta no melhor estado físico possível.
Via com pena algumas pessoas a rastejarem fisicamente quando eram dados os exercícios. Eram pessoas sem nenhum passado desportivo e chegavam ali e “levavam” com quatro a cinco horas de exercícios, o que arrasava por completo. Dormiam como bebés e quando iam jantar, quase que a sua cara caía dentro do prato, tal era o seu cansaço. Um mito urbano no exército era que o vinho, água ou sumo dado nas refeições tinha um produto que tirava o apetite sexual. É compreensível que assim seja, visto que os militares na recruta passavam semanas sem ir a casa. A verdade é que o cansaço era tanto que a única coisa que se queria fazer depois de um dia de campanha era dormir. Pode não passar de um mito, mas.. .
Passada a primeira parte da recruta em que o objectivo era tornar-nos aptos fisicamente, teríamos pela frente a nossa formação a nível de especialidade. Calhou-me a formação em Técnico de Radares. “Boa” pensei eu. Deve ser interessante. Afinal não era nada interessante por duas razões. Primeiro era reparar radares e não trabalhar com eles, numa área mais operacional, outra razão e a principal, é que o único sítio em que existiam radares era no Quartel em Santa Margarida, muito longe de casa.
Tive que aprender esquemas e pormenores dos radares portugueses. Desmontei-os e reparei-os. Apesar de não achar muita piada, para o fim já estava mais satisfeito. Consegui uma boa nota final no curso, mas não o devia ter feito, talvez isso não me levasse para Santa Margarida.
Era o dia da semana de campo e do tiro. A semana de campo reduziu-se a uma noite passada numa tenda e a uma longa caminhada com uma mochila pesadíssima às costas. Levávamos tudo o que precisávamos para sobreviver. Ração de combate, cobertor térmico, arma, ferramenta de sobrevivência e equipamento de comunicação.
Na tarde em que tivemos a prova de tiro foi divertidíssimo. Tinha que dar trinta tiros em três posições. Em pé, agachado e deitado. Quando atirava só via a sinalização do meu tiro, como notas entre oito a dez pontos. Não está mau, será que o meu companheiro do lado não está atirar para o meu alvo?
A recruta estava a chegar ao fim e todos estávamos felizes por acabar. Tinham sido três meses duríssimos, mas com algumas conquistas pessoais. Muitos, ou quase todos, conseguiram ficar mais fortes fisicamente, psicologicamente, mais compostos como homens e mais responsáveis. Fez muito bem a “tropa” a muita gente. A nível pessoal tinha ficado satisfeito em ver o meu nome no princípio da lista do quartel, no tempo efectuado aos sessenta metros na pista de atletismo. Não sabia é que iria ter outras duas boas surpresas. Fui chamado pelo meu furriel que me informou que iria receber duas medalhas no dia do juramento de bandeira. Tinha sido considerado o melhor recruta geral e o melhor atirador de entre quatro centos e cinquenta militares. Das cinco medalhas de mérito, duas iriam ser para mim. Fiquei de facto contente e só pensava nos meus pais. De certeza que os ia encher de orgulho. Não tinha conseguido na escola, mas aqui tinha mostrado que era um homem válido, quando estou inserido num meio em que a minha motivação está em alta. Não lhes disse nada. Gostava de ter visto as suas caras quando fui chamado e condecorado.
O dia de juramento aproximava-se rapidamente e fizemos os ensaios e umas das prioridades era saber o hino nacional.
Heróis do mar, nobre povo,Nação valente, imortal,Levantai hoje de novoO esplendor de Portugal!Entre as brumas da memória,Ó Pátria sente-se a vozDos teus egrégios avós,Que há-de guiar-te à vitória!Às armas, às armas!Sobre a terra, sobre o mar,Às armas, às armas!Pela Pátria lutarContra os canhões marchar, marchar
No dia de juramento de bandeira era normal todas famílias virem assistir ao “JURO” dos seus filhos. É um dia único na nossa vida. Estavam presentes as maiores individualidades bem aprumadas, prontos a discursar e a testemunhar a passagem daqueles rapazes a homens. No início fizemos uma demonstração de aparelhos de ginástica e depois de trocarmos de roupa iríamos cantar o hino. Éramos quatrocentos e cinquenta militares alinhados à espera de cantar o hino e dizer juro mas antes ouvi o meu nome nos altifalantes. Estava na altura de ir receber as minhas medalhas. Aproximei-me e bati a pala. Entre elogios e cumprimentos, colocaram-me as duas medalhas ao pescoço. Foi um momento de grande emoção e de grande importância para mim. Tinha mostrado que tinha capacidades e competências e isso para mim é importante.
Com a palavra JURO, tinha acabado um capítulo da minha vida, mas rapidamente me disseram que tinha que me apresentar no Campo Militar de Santa Margarida dias mais tarde.
Campo Militar de Santa Margarida (CMSM) é uma base área de instrução do Exército Português. O CMSM localiza-se na localidade de Santa Margarida da Coutada, no Concelho de Constância, sendo a maior instalação militar portuguesa em termos de guarnição e a segunda maior em termos de área ocupada, sendo apenas suplantado pelo Campo de Tiro de Alcochete.
Fui colocado no Regimento de Cavalaria em Santa Margarida, onde supostamente tinha os meus radares para reparar, mas a verdade e para meu espanto não existiam radares mas ficaria na mesma unidade a fazer outra coisa qualquer. Foi a desgraça total. Andou o Estado a gastar dinheiro aos contribuintes para eu aprender uma “profissão” e depois a mesma não existe? Devem estar a gozar com o Zé-povinho. Todos me disseram que era bom. Iria durante seis meses e uma semana a não fazer nada. Não fazer nada? Eu odiava não fazer nada. Iria me sentir um inútil e acabaria por me sentir “vazio”. Por sorte tinha escrito na minha ficha quando fui fazer a inspecção que escrevia bem à máquina. O meu pai tinha-me oferecido uma máquina de escrever e com o tempo fui evoluindo e actualmente já escrevia bastante rápido. Era necessário um escriturário para o escritório dos oficiais. Fiz um teste de rapidez e de erros e acabei por ser “contratado”. No escritório dos oficiais nem parecíamos que estamos na “tropa”. Éramos dispensados das formaturas da manhã e da do almoço. Não fazíamos serviços de fim-de-semana e tínhamos acesso a um bar privado. Além de escriturários também éramos assistentes pessoais. Tomávamos conta do bar e tínhamos também como obrigação abrir o escritório de manhã e fechá-lo ao final da tarde. Fui com a patente de primeiro-cabo para Santa Margarida. A minha chefia era um sargento-chefe muito simpático e muito humano. Trabalhávamos para um Coronel e dois tenentes. Os meus companheiros no escritório eram mais um escriturário (soldado raso) e mais dois motoristas (soldados rasos). Como a patente mais elevada era sinal de chefia, fiquei responsável pelos três rapazes. Foi curioso que entramos todos ao mesmo tempo e que não ficou ninguém da outra campanha. Se tivessem ficado, teríamos sofrido bastante, porque éramos os maçaricos e eles eram da “peluda”. Teríamos que nos sujeitar um pouco às suas regras. Os dias passados eram bastante pacíficos. Eu de manhã abria o escritório e ligava a máquina de café e a máquina de fazer tostas. O Sargento-Chefe estava sempre presente mas as restantes chefias só apareciam de vez em quando. Passávamos umas folhas à máquina e passávamos a maior parte do tempo no bar. Estávamos ansiosos que passassem três meses para os nossos maçaricos entrassem. Isso tornaria a nossa vida muito melhor.
A vida militar depois da recruta para mim foi sensivelmente muito parecida com a vida fora da tropa, até no desporto. Os militares faziam questão que o desporto fosse uma área fundamental da sua vida. Estavam sempre a organizar competições entre quartéis. Tive a felicidade de logo que entrei organizarem um torneio de andebol entre quatro quartéis dentro do Campo Militar. Como sabiam que jogava andebol, fui convidado para pertencer à equipa do Regimento. Foi um abrir de portas para seis meses de competições em três modalidades. Primeiro o Andebol, de seguida o Volleyball e por fim o Futebol. Era dispensado frequentemente no meu serviço de escriturário para os treinos e jogos. De facto tive uma vida santa no exército em relação aos meus camaradas. Como estávamos na cavalaria, eles faziam semanas de campo em simulações de combate. Treinavam como se tivesse na recruta. Quando não estava no campo a treinar, tinham que lavar os tanques até que estes ficassem a brilhar. Eram uns desgraçados, mas muitos deles adoravam, porque se sentiam com poder e sentiam uma grande camaradagem. Uns gostaram tanto que estavam dispostos a meter o “Chico”, ou seja, estava disposto a seguir a carreira militar. O Estado estava disposto a propor-lhes um contrato de continuação até aos trinta anos.
Era bonito chegar ao fim do mês e receber o Pré. Eram cinco contos de salário. As contas eram fáceis de fazer. O ordenado era o ordenado mínimo nacional, mas depois retiravam-lhe a alimentação, a dormida, o transporte e outros impostos, o que no final ficavam os espectaculares cinco contos para gastarmos. Era penas não existirem, em Santa Margarida, bares de luz vermelha. Daqueles bares manhosos cheios de mulheres indecentes, mas que alegrariam a vida a muitos militares. De certeza que os cinco contos ficariam logo por ali.
Com a chegar dos maçaricos para nos substituir a nossa vida ainda era mais facilitada. Entraram dois novos escriturários e partir dessa altura éramos a “peluda”. Praticamente deixei de escrever à máquina e dava só umas dicas. Enquanto não treinava e jogava, comia tostas mistas no bar e bebia umas cervejas.
Na tropa vê-se muitos tipos de pessoas. As que eu gostava mais eram as do norte. A segunda-feira era o melhor dia da semana. Fazíamos sempre um petisco na caserna. O pessoal do norte trazia de tudo. Vinho caseiro, chouriços, queijos, presunto, doçaria regional. Eram um manjar de deuses, trazido por pessoas simples e amigas. Traziam por amizade e não como produto de troca de informações ou matérias-primas.
Durante a minha estadia militar numa deixei de treinar e jogar andebol no meu clube. Sabia que tinha um compromisso e queria-o cumprir. Apesar dos cento e quarenta e seta quilómetros de distância entre Lisboa e Santa Margarida não me demoveu a vontade de ir duas vezes por semana treinar. Saia do quartel às cinco da tarde e apanhava a ligação de camioneta que existia sempre do quartel até à estação de comboios. Depois apanhava o Regional em que o bilhete, por ser militar, custava um terço, para Lisboa. Em Lisboa tinha sempre uma boleia à minha espera e ia treinar às oito horas da noite. Depois do treino, deixavam-me da estação e apanhava o comboio às vinte e trinta. Às duas e meia da manhã já estava a dormir. Foi uma rotina durante cerca de quatro meses, que me agradava, porque gostava de cumprir os meus compromissos.
Os seis meses em Santa Margarida passaram rapidamente. Estava na altura de fazer o espólio. O espólio é o dia em que entregamos o material militar e voltávamos à vida civil. Fiquei com uma lágrima olho quando esse dia apareceu na minha agenda. Tinham sido dias felizes em que ganhei muito na construção da minha personalidade. Principalmente em alguns factores. Fiquei mais responsável, mais estruturado e o sentido de camaradagem e apoio pelo próximo ficou vincado na minha individualidade.
Passei o portão do quartel e virei-me para trás. Senti nostalgia e também uma grande preocupação. Neste momento não tinha uma direcção a seguir. Estava sem emprego e teria que viver à custa dos meus pais de novo.
O mercado de trabalho estava difícil. Enviei muitos currículos para muitas empresas. Inscrevi-me de novo em empresas de trabalhos temporários, mas nada. Nas poucas entrevistas que fui, precisavam de pessoas com experiência. Experiência não tinha e isso penalizou-me. Durante quatro meses andei desesperado até que o telefone tocou e fui informado que a empresa temporária Menpower tinha-me arranjado trabalho numa empresa chamada Enatur – Empresa Nacional de Turismo. A empresa tinha sede em Lisboa, mas propriamente em Alvalade. Apesar de ir para qualquer emprego, mesmo que fosse no “fim do mundo”, a Enatur ficava a três quilómetros dos Olivais e isso agradava-me, porque economizada nos valores dos transportes. Teria que só ter o passe social mais barato e poderia ir comer à hora do almoço a casa dos meus pais.
No dia seguinte fui entrevistado pela directora dos recursos humanos da empresa. O trabalho seria de contínuo interno/externo e que iria ficar à experiência. Toda a questão de pagamentos e contratos ficariam à responsabilidade da empresa de trabalho temporário. Assinei um contrato de um mês, renovável automaticamente. O valor do ordenado já estava estipulado pela categoria profissional.
No dia a seguir apresentei-me ao trabalho com a minha melhor roupa. Não que me fosse pedido, mas sabia que iria ser a imagem da empresa, quando dissesse que vinha da Enatur e a apresentação é fundamental para que as pessoas possam ter uma imagem positiva não só de nós, como da empresa onde trabalhamos.
Dirigi-me à minha secretária e, de forma descontraída, falaram de quais os meus deveres e direitos. O meu horário era das nove às dezoito horas, com uma hora e meia de almoço. Iria ser-me entregue uma viatura e que tomaria conta dela como fosse minha. Era responsável pela sua manutenção e revisões, assim como a sua limpeza. O meu trabalho era entregar correspondência importantíssima a várias instituições relevantes, como o Fundo de Turismo, Câmara Municipal de Lisboa, Instituto de Turismo, entre outros. Também fazia parte das minhas funções fazer o correio. Deveria fechar as cartas, pesa-las e despachá-las nos Correios de Alvalade.
Era um trabalho simples e pouco qualificado, mas prometeram-me de imediato que se fosse um bom profissional poderia ficar a trabalhar em definitivo na empresa. Era mesmo isso que queria ouvir. Tinha um oportunidade para mostrar o meu profissionalismo e ao fim de três meses fui convidado para deixar a Menpower e assinar contrato a prazo, de três meses, com a Enatur- Empresa Nacional de Turismo. A empresa fazia parte do universo do Turismo em Portugal. Tínhamos quarenta e três Pousadas distribuídas pelo continente Português. Eram divididas em quatro categorias. Pousadas Históricas (situadas em edifícios históricos), Pousadas Históricas Design (sitiadas em edifícios históricos com decoração contemporânea), Pousadas Natureza (inseridas no meio da natureza), Pousadas Charme (localizadas em Cidades, Vilas ou Aldeias).
O termo “Pousada” evoca uma ideia de pausa, de paragem. De certa maneira, ele restitui-nos o sentido da arte e do prazer de viajar. As Pousadas são lugares que apelam aos sentidos. Não basta falar delas, contar a sua história ou descrever a paisagem que rodeia cada uma. É preciso viver o espírito das Pousadas, assente no conceito diferenciado e inimitável do bem servir e receber. Partir à descoberta das mais belas regiões de Portugal e desvendar Castelos, Conventos e Mosteiros, verdadeiros tesouros da nossa história, ou se preferirmos, viver o prazer do ambiente campestre e os cenários a perder de vista de outras Pousadas. Este é um pouco do conceito das Pousadas.
Desde sempre, as Pousadas de Portugal privilegiaram também a recuperação do património arquitectónico nacional assegurando, dessa forma, a conservação de monumentos e, em paralelo, aumentando a oferta de um produto turístico, original e de qualidade. Assim considerou a ASTA (American Society of Travel Agents) e a Smithsonian Foundation, ao atribuir em 1995, o prémio anual para as instituições de todo o mundo com um papel mais preponderante na defesa do património cultural e do ambiente para fins turísticos. Fiéis à sua origem, redescobrindo o prazer da autenticidade, as Pousadas pretendem ser o reflexo da região ou da zona onde estão inseridas. A sua concepção, mobiliário e decoração estão, de uma maneira geral, em harmonia com a região ou simplesmente evocam a ambiência histórica do monumento (móveis de estilo, tapeçarias, quadros, etc.). Os Pousadas de Portugal revelam-se autênticos tesouros da nossa Cultura e da nossa História.
A primeira Pousada foi inaugurada em 1942 em Elvas. Era muita famosa, porque albergava os viajantes de Espanha que se deslocavam a Portugal e vice-versa. Era um ponto de paragem não só de repouso, como cultural. Na Pousada trocavam muitas ideias de povos diferentes, porque além dos espanhóis tínhamos pessoas de todo o mundo a dormir nas Pousadas. Actualmente as Pousadas são uma mistura de povos num mesmo sítio. Podemos falar com ingleses, japoneses, alemães ou angolanos nas nossas Pousadas. Eles procuram visitar as nossas terras e conhecer os nossos costumes e nós queremos que eles se sintam bem e que sejam muito bem tratados. Se assim for e se formos profissionais, podemos ter possibilidades de ultrapassar a actual crise financeira com mais serenidade, mas teremos que ter em conta que os principais cortes orçamentais numa família serão sempre primeiro nas viagens e nas aquisições chamadas de luxo.
Depois de três meses a trabalhar como contínuo fui convidado a trabalhar no Departamento de Compras. Não poderia ser melhor. Eu, forreta como sou, procuraria sempre o equilíbrio da melhor qualidade versus preço. Parecia o trabalho ideal para mim. Já me estava a ver a ter um gabinete só para mim, com os pés em cima da mesa, a fumar charuto e a negociar com a máfia italiana a compra de material desde o parafuso ao camião. No departamento de Compras comprávamos de tudo o que era necessário para o funcionamento de uma Pousada. Depois de verificar todas as alíneas do contrato coloquei lá o “bacalhau” e fiquei com uma cópia para mim. Arranjei uma moldura das pirosas compradas na loja dos trezentos e coloquei lá o meu orgulho. Aindei durante uma semana com ele debaixo do braço e mostrei-o a todas as pessoas. Só não gostei da afirmação do meu pai “Não fazes mais que a tua obrigação”. Coitado, teve uma vida difícil e tive que compreender a sua resposta.
Era o meu primeiro trabalho a sério e iria fazer tudo para o manter. Esforçava-me ao máximo por aprender as rotinas e fazia o possível por ir a todas as formações possíveis Não só para enriquecer o curriculum, como para mostrar que estava sempre disponível para as responsabilidades e verificar que era uma pessoa que tinha vontade de aprender. Com esta minha atitude, deu-se o meu primeiro grande passo na minha carreira. Falaram comigo para que ficasse responsável pela frota automóvel da empresa. Eu até não gosto muito de carros, ao contrário de amigos meus que só sonham com carros e falam durante horas e horas sobre estas viaturas que contribuem de forma muito significativa para ao estado de poluição aguda do nosso planeta terra. Mas, como era uma função única na empresa em que eu seria o responsável, aceitei de imediato, independentemente de saber que seria aumentado. Mais responsabilidade, mais remuneração.
Quando entrei para o departamento de compras, um dos cursos que fiz de imediato foi um curso de computadores. O computador era o centro do trabalho e o curso Windows na Óptica do Utilizador, foi uma ferramenta importantíssima para o desenvolvimento do meu trabalho. Depois tirei mais cursos específicos, como Word Avançado ou Excel Avançado, sempre no contexto da minha área profissional. Quando fiquei responsável pela frota automóvel, fui à Petrogal tirar um curso específico para fazer a gestão dos cartões Galp frota. Na frota automóvel tenho a meu cargo a gestão de cento e vinte viaturas. Controlo desde a compra (renting), a manutenção, impostos, gasolinas, seguros, multas e a entrega final da viatura à empresa de Renting. Também controlo as entregas da rent-a-car e toda a facturação que a frota automóvel apresenta. Fui inscrito num curso de gestão de frotas, o que me deu ideias e conhecimentos que mais tarde implementei na empresa, com bons resultados. Mais tarde também fiquei responsável pela compra geral do material estacionário (envelopes, cartões de visita, cartões pousadas, papel de carta). Tive que ter reuniões com gráficas para ficar a conhecer o produto. Tive que pedir orçamentos a mais de uma empresa, para conseguir o melhor preço e verificar a qualidade do produto. Mais tarde também fiquei responsável pelas telecomunicações físicas e móveis da empresa. Tirei um curso de gestão de telecomunicações. Actualmente faço a gestão de facturação, garantias, equipamentos, cartões, da rede móvel TMN (empresa que temos um contrato de dois anos renovável) e da rede fixa PT. Tenho que gerir perto de cento e cinquenta números, em comunicações móveis e placas de banda larga. Estas três áreas de trabalho que tenho actualmente são muito dinâmicas e diversas. É uma loucura ter acabado de desligar o telefone e ter resolvido um problema com uma viatura e o telefone tocar de novo e o assunto ser telecomunicações. É preciso ter uma estrutura enorme para ter tudo controlado e não dar em “maluco”. Já tive várias reuniões com o meu superior hierárquico a tentar dar-lhe uma nova visão de gestão, em que referi que era preciso personalizar/individualizar o trabalho. Deveria existir uma pessoa para cada área. Assim poderíamos explorar novas funcionalidades dentro da mesma área. O trabalho final seria muito superior. A resposta foi a que está na moda. “A empresa não tem budget para empregar mais pessoas”, mas para mim a afirmação que tem tanto de fantástica, com de estúpida é esta “Se não quiseres trabalhar como está, existem milhares de pessoas que não se importam de o fazer, mesmo a ganhar muito menos”. São estes os nossos gestores de hoje. A nossa economia está entregue a pessoas que pensam só em números. Em que as pessoas actualmente são só mais um número. O que é feito dos tempos em que a empresa era uma extensão da vida familiar. Criávamos amigos no emprego para o resto das nossas vidas. Podia dizer mais, os nossos melhores amigos eram os nossos colegas do emprego. Agora com a rotação impressionante nos empregos, não temos tempo para criar relações. Andamos sempre a correr e não é de admirar que a frase mais ouvida dos últimos tempos seja “Não tenho tempo para nada. A vida passa a correr.” “Ainda ontem era dia 25 e hoje já é dia 26.” A última expressão mostra mesmo como anda a cabecinha do ser humano.
Agora tinha a mania que era um homem crescido. Já fazia a barba e metia aquele after-shave que me fazia dar trinta saltos pela casa e dizer trezentos palavrões, tamanha era a dor, já tinha ido à tropa, lavava os dentes três vezes por dia, cortava as unhas dos dedos dos pés, não com um cortador de relva mas sim com um corta unhas todo xpto, comprado na loja dos chineses e não deixava crescer a unha do dedo mindinho para tirar a cera do ouvido. Era um homem feito, mas faltava-me uma coisinha indispensável para me tornar um homem independente. Precisa de ter um meio de transporte próprio. Precisa de ter um carro. Depois de ter conseguido ter coragem de abordar o meu pai, lá consegui através de uma novo alicate comparado através do ebay, arrancar umas poucas palavras de dentro da minha boca. Desta vez foi em forma de telegrama, tamanho era o medo. P_A_I Q_U_E T_A_L E_U I_R T_I_R_A_R A C_A _R_T_A . Depois de mandar este telegrama via verbal a dois metros de distância, coloquei logo um tacho em cima da minha cabeça. Sabia que vinha bomba e queria ficar protegido mas afinal o baril ficou muito quietinho. “Será que ele anda a tomar Xanax?”, pensei eu. Se assim for vou já falar com os meus amigos farmacêuticos para me arranjarem umas toneladas desse produtos que alteram o sistema nervoso.
Foi lindo, não só me apoiou como me pagou a carta de condução. O homem já me via com outros olhos. Com emprego e com a tropa feita, só faltava mesmo dar-lhe um neto para ser o triângulo perfeito.
Inscrevi-me na escola de condução da moda. Estava na moda porque fazia um marketing muito agressivo e preço fantásticos. Também podíamos pagar através de prestações, mas o meu pai era dos antigos, era daqueles que tinham o dinheiro debaixo do colchão e nunca pagaria nada a prestações. Quando fui efectuar a inscrição, pareciam os meus amigos da máfia, só faltava mesmo o casacão e o chapéu. "Quanto é?", disse eu, e a senhora lá disse o valor. Fui com a mão ao meu bolso e retirei um molho de notas, que fez a senhora pensar que tinha assaltado uma velhinha à saída de um Banco ou tinha feito durante um ano de arrumador de carros. Para se ter a licença da carta era necessário primeiro tirar a parte do código. "Grande seca...", pensei eu. Mais matéria para empinar, mas afinal aquilo até tinha piada. Milhares de sinais com diversos tipos de formatos e cores. As aulas eram ultra modernas. Com equipamentos audiovisuais e sistemas de sons muito elaborados, conseguíamos, sem dificuldade, assimilar todo a matéria. Além disso fartava-me de fazer exames e aprender com os erros. O dia do teste chegou e não tive qualquer problema. O teste era de cruzinhas. De quatro respostas tínhamos que escolher uma. Só podíamos errar, no máximo, duas. Estava feita a primeira parte. Agora seria a parte mais emocionante. Apreender a conduzir a viatura no trânsito caótico da cidade de Lisboa onde o maior perigo vem de algumas mulheres, dos velhotes que já têm capacidades motoras insuficientes para conduzir e de alguns homens que têm a mania que são pilotos do WRC. Ah, já me esquecia, e dos motoristas de táxi. Pensam que a estrada é só deles. Só cá para nós, a partir dos quinze anos o meu pai ensinou-me a guiar um carro. No norte, nas terras dos meus pais, em estradas sem qualquer trânsito, divertia-me a guiar o azulinho. Por isso não tive dificuldade em tirar a carta à primeira. As lições ensinaram-me sobretudo a estar atento aos outros condutores e às suas movimentações. Foi espectacular quando me deram a guia da carta. Estava feita mais uma conquista e esta era das grandes. A independência global estava cada mais próxima.
Como eu sou um idiota (tenho muitas ideias) e como achava que a minha estava vazia, consegui encaixar um curso de fotografia de básico na minha vida. Vou ser sincero. Procurei o mais barato e que tivesse a vertente de fotografia de autor. Depois de consultar o mercado, optei por um curso de três meses na Associação Portuguesa de Arte Fotográfica. Ficava no centro de Lisboa, mais concretamente no Bairro Alto. Não podia ser melhor. Bairro alto = Criatividade = Alucinações. O Curso abordava a medição de luz, aberturas e diafragmas, composição, fotografia de retrato, paisagem e também um pouco da história da fotografia. Tinha uma parte prática de revelação de filme e impressão de fotografia a preto e branco em laboratório. Era constituído por uma aula teórica e uma aula prática, por semana. A inscrição poderia ser efectuada presencialmente no horário de funcionamento da APAF ou via Internet, bastando para isso preencher a ficha de inscrição, fazer a transferência bancária do valor mencionado para o NIB indicado e enviar a ficha e o comprovativo da transferência para o secretariado. O curso era nocturno e adaptava-se aos horários dos treinos de andebol.
Como gostei tanto do curso básico, quando este acabou, inscrevi-me num curso profissional de dois anos. Gostei tanto de fotografia que pensei seriamente seguir este ramo a nível profissional. O objectivo do curso profissional era ensinar a usar os elementos materiais com que trabalha o fotógrafo para captar as suas imagens – máquinas e acessórios, ópticas, emulsões, iluminação, etc. – e para o seu processo posterior em laboratório. Além disso, desenvolve também as técnicas específicas dos campos de aplicação mais importantes da fotografia: macro, retrato, arquitectura, indústria, publicidade…e ainda as técnicas fotográficas, criativas de laboratório que distinguem a obra única e exclusiva da produção em série. As áreas a aprender eram, História da Fotografia: um estudo detalhado da evolução da fotografia, dos problemas que se foram colocando e da forma de resolvê-los. Tecnologia fotográfica: a luz e os princípios de óptica, tipos de máquinas, acessórios, emulsões fotográficas, materiais de laboratório. Fotografia Aplicada: prática da fotografia e especializações (macrofotografia, retrato, arquitectura, industrial, publicitária, reportagem, natureza morta, desportos, etc.). Química fotográfica: as emulsões fotográficas e os processos químicos em fotografia. Técnicas criativas: reforço e atenuação, desfocagem, misturas de preto e branco com cor, contraste, iluminação, fotomontagem, transferência de imagem. O objectivo era fazer uma fotografia que implica planeá-la, determinar que planos devem ficar nítidos e quais ficam desfocados, escolher a focal, o diafragma e a velocidade de obturação mais adequados para o resultado que se pretende, em função das condições de captação. Ao longo do curso foram-nos pedidos trabalhos e analisados. Foi-nos pedido para participarmos em concursos. Fazia de tudo para conseguir um lugar de destaque. Gastava fortunas em rolos e revelações, mas os resultados eram satisfatórios. Tão satisfatórios que fui convidado a dar aulas práticas de revelação. Enquanto estava no segundo ano do curso, dava aulas praticas nos cursos básicos.
Aventurei-me nos concursos de fotografia de autor. Ganhei dois prémios, curiosamente com o mesmo valor de prémio. Quinhentos euros. O que mais me deu gozo foi o concurso organizado pela Câmara Municipal de Lisboa, em que o tema era LISBOA. Era um tema muito vasto, mas eu já tinha iniciado um projecto com os Sem-abrigo em Lisboa. Queria apresentar imagens chocantes, mas nunca humilhar a imagem da pessoa fotografada. Passei dias com a máquina na mão em zonas “manhosas” onde os sem-abrigo dormiam. A minha ideia era eles perceberem que estava por ali, mas não lhes queria roubar a alma ou lhes tentar roubar a sua identidade. Ao fim de algum tempo consegui algumas conversas e comecei a ficar amigo de alguns. A zona à qual gostava mais de me deslocar era ás arcadas do Martim Moniz. Falei com eles e expliquei-lhes o meu projecto. Queria mostrar que os Sem-abrigo tinham vida própria e não eram uns bandidos, como a sociedade os pintava. Queria mostrar o lado positivo e caras marcadas por vidas difíceis. Foram dias de muitas emoções. Só tendo uma relação mais intimista com estas pessoas é que dá para perceber o que sofreram e o que ainda sofrem. Pessoas abandonadas pelas famílias. Atiradas literalmente para as ruas. Pessoas que tentaram a sua sorte em sair das suas terras e arriscaram uma vida melhor na cidade, acabaram por não conseguir e ficaram a viver na rua. Pessoas doentes mentais e com problemas com álcool. Existiam também pessoas de outros países, que tinham vindo ilegalmente para o nosso pais. Mas a maioria eram toxicodependentes.
Alguns destes são muito humanos e tinham uma óptima vida e numa questão de pouco tempo perderam tudo. Belos empregos, muito dinheiro, a família e acabaram a dormir rua, vivendo à custa das instituições de caridade, como por exemplo, a Associação social sem alojamento, ou Centro de Assistência Social. Para conseguir imagens mais fortes e intimistas resolvi dormir três dias seguidos com eles. Foi duro, muito duro, ver uma mãe e a filha a dormir entre cartões, uma senhora de cadeira de rodas a dormir ao frio e ao vento, toxicodependentes a injectarem-se de heroína e ficar de imediato em estado imobilizado. Dormiam todos em cartões enrolados em velhos cobertores. Existiam sacos de plástico por todo o lado cheios de tralha que eram importantes para eles, mas realmente era só mesmo tralha. Coisas velhas e sujas. As pessoas cheiravam mal. Não existia higiene e muitos adoeciam e era preciso chamar a ambulância para os levar aos cuidados hospitalares. A única esperança destas pessoas eram as instituições de caridade, que lhes davam o jantar e a ceia. Durante o dia muitos iam à sopa dos Pobres, ou procuravam alimentação nos caixotes do lixo, sendo os mais apreciados os contentores dos super mercados. Também fotografei os sem-abrigo em instalações próprias para o efeito. Existe na Matinha alojamento para estas pessoas, com condições excelentes. Quartos para dois, com casa de banho e refeitório. O problema é que o tempo máximo que podiam permanecer no alojamento era dois dias. Como os quartos não eram muitos a rotatividade era enorme. A instituição procurava que pelo menos durante dois dias as pessoas cuidassem da sua higiene e se alimentassem como deve ser. A boa higiene de uma cidade é um bom caminho para termos as pessoas saudáveis e que não se criem epidemias. É curioso, por exemplo, se fosse um sem-abrigo, poderia vestir-me, comer e tomar banho, a custo zero. Existem instituições que nos fornecem isso tudo, mas a minha questão é a seguinte. Será que isso é bom? Não existe um aproveitamento da parte de muitas pessoas que não gostam de trabalhar, para não fazerem nada e terem as coisas “à borla” para poderem sobreviver? Mas se não fosse assim, talvez essas pessoas roubassem ou cometessem suicídio. É o chamado pau de dois bicos.
Com essas imagens dos sem-abrigo ganhei o concurso e essas imagens continuam a ser as minhas melhores imagens do meu portfolio. Não imagens arrasadoras, mas sim retratos realistas e perturbadores de faces marcadas por uma vida muito difícil.
Mais, já casado, comecei a estudar quais eram os trabalhos em fotografia que poderia abraçar e ganhar dinheiro. Como a minha mulher é professora de Português/inglês, pensei em fazer viagens e começar a relatá-las e vendê-las às revistas de turismo. Primeiro analisei qual era o equipamento necessário. Máquina com várias grandes angulares e uma objectiva para retrato. Alguns filtros para os por do sol e rolos fotográficos que enriquecessem as cores. O material estava escolhido. Agora faltavam os sítios. Como o dinheiro era curto e a pensar na logística, começamos por fotografar sítios espectaculares de Portugal. O nosso primeiro trabalho editado pela revista Rotas e Destinos foi o das Aldeias Históricas.
As dez Aldeias Históricas de Portugal definem, no seu todo, uma área que envolve a Serra da Estrela, a mais alta cadeia montanhosa do País. Área esta que abrange os territórios da Beira Interior e faz fronteira com Espanha. São representativas de um património histórico-cultural riquíssimo que é apenas uma das faces visíveis comuns a todas elas, como a sua envolvente geografia, as populações residentes, o clima severo, a terra áspera e os paraísos naturais contrastantes.
Se toda esta região tem sofrido uma gradual desertificação humana e declínio de actividade económica, não se poderá no entanto contestar o elevado potencial turístico que pela mesma razão apresenta, exibindo intactos testemunhos do património construído, cultural e natural do passado mais remoto.
Os ancestrais hábitos comunitários podem ser, ainda hoje, presenciados em algumas das aldeias, nomeadamente na actividade agrícola. O mosaico rural visível nesta região é resultado da pastorícia e da agricultura de subsistência, com produção de castanha, o vinho, o azeite e o queijo como produtos regionais.
Outros aspectos marcantes nesta área geográfica e na sua população são as linhas defensivas criadas através da edificação de numerosos castelos que se podem visitar e a religião como elemento central da vida das populações, facto notório nos numerosos cultos e romarias existentes.
Um denominador comum surge à vista do visitante, a pedra, na paisagem e nos edifícios, maioritariamente granito e algum xisto. Este elemento dá origem a cenários únicos conferindo às aldeias um carácter típico e histórico ao que não é alheio a sua óptima preservação, comparticipada pelo recente Programa de Recuperação das Aldeias Históricas de Portugal.
Como trabalhava nas Pousadas de Portugal, conseguimos dormidas sem custos. Foi uma aventura espectacular. Além de estarmos a fazer um trabalho que adorávamos, também viajávamos e tínhamos contactos com novas realidades, novas culturas. Fizemos outras reportagens por todo o país e continuámos a publicar as nossas aventuras. Para receber os valores acordados pelas revistas, tinha que passar um recibo. Tive que me colectar como empresário em nome individual para que isso acontecesse. No preenchimento do IRS, tinha que preencher mais um anexo e mencionar os valores que tinha recebido ao longo do ano. Digamos que não era um negócio muito lucrativo, mas dava um grande gozo.
Depois de tantas aventuras na minha vida e com o horário preenchido a fazer actividades ao longo do dia, só ia a casa mesmo para dormir. Um dia acordei e resolvi ir viver sozinho. Enfrentei de frente os meus pais e disse-lhes que já tinha idade e dinheiro para enfrentar o mundo sozinho. Aos vinte e três anos ia partir para a maior aventura da minha vida. Habituado a chegar a casa e ter o prato na mesa e de manhã levantar-me e ter a camisa passada, tudo iria mudar. Os meus pais verificaram que não me conseguiam mudar de opinião e então propuseram-me que fosse viver para a casa que tínhamos em Corroios desabitada. Nada mais correcto. Ia ter uma experiência nova e não sabia se iria correr bem e por agora era bom não alugar ou comprar uma casa. A que tínhamos era excelente, apesar de estar a vinte e poucos quilómetros de distância. Foi do tipo tiro e queda. Acordei, falei com eles e dai a dois dias já estava a viver sozinho. Tudo mudou na minha vida. Tinha que me reestruturar de novo. Agora não tinha ninguém para cuidar das minhas coisas. Era eu que tinha que fazer tudo. Ainda pensei comprar um robot daqueles que fazem tudo, mas infelizmente ainda estávamos no sec.21, e os robots que vi no A.I – Inteligência Artificial (filme de Steven Spielberg, a partir de um projecto de Stanley Kubrick), ainda eram só ficção. Para a cozinha ainda pensei em comprar a mítica Bimbi, mas, apesar da minha “carola” já pensar muito no futuro, só anos mais tarde é que apareceu no mercado esta salvação dos homens. Já vi muitos homens a cumprir promessas em Fátima, por se terem conseguido livrar da cozinha, ao oferecerem uma Bimbi à sua mulher e esta nunca mais os chatear. Uma salva de palmas à Bimbi, a máquina de lavar roupa, maquina de lavar loiça e outros aparelhos que tornaram a vida do homem menos cor-de-rosa. Viva a televisão, o comando da televisão (sim, porque o comando é MEO), a cerveja e os tremoços.
Isto é tudo muito bonito, mas a verdade é que ao viver sozinhos temos que nos desdobrar nos dois sexos. Eu próprio falava comigo, do tipo. “Olá querido, tiveste um bom dia?” “olá querida, Foi muito mau. A venda de batatas está muito mal. O que safa são só os grelos. Esses sim, são muito procurados.”. “Não te preocupes, fiz uma sopinha de nabiças que vais adorar”. Estava a ficar louco, já falava comigo próprio, até gostava, só não me conseguia beijar porque era só um. Ainda tentei o espelho, mas era estranho.
Tive que aprender tantas, tantas coisas. Aspirar a casa, limpar o pó, lavar o chão, lavar a loiça, lavar a roupa, passar a roupa a ferro, fazer comida, guardar a comida em sítios específicos, dar banho ao cão de plástico e dar o comida ao periquito que estava no wallpaper do portátil. Andava louco. Nunca tinha tido tanto para fazer em tão pouco tempo. Aprendi a cozinhar, porque felizmente e por brincadeira, tinha tirando um curso extra light que a minha empresa me tinha proporcionado. Nesse curso era eu e outro colega, no meio de dezenas de colegas de saias. Até me deu vontade, nesses dias do curso, em usar saias também. Teria que usar collants, porque se o meu pai é “irmão” do Toni Ramos a nível de pelo, eu sendo seu filho… estão a ver a desgraça. Viva os pelos! É dos peludos que elas gostam mais, ou será que é dos carecas? A verificar na SIC Mulher.
Comprei um livro de receitas elaboradíssimas e revolvi mandar-me de cabeça para a confecção de pratos riquíssimos em paladares e de grande imaginação e de incrível apresentação. O meu prato mais famoso e muito difícil de confeccionar era batatas fritas com salsichas enlatadas. O truque estava no ketchup. Sim não comprava daqueles caros, que davam um toque muito avermelhado. Comprava os do Lidl, tinham um toque mais alaranjado. Em relação ao sabor, nunca percebi a diferença.
Os tachos, panelas, cafeteiras, pratos, copos, e uma carrada de quilos de metal andavam sempre á minha volta. Pensava “Quanto mais sujas, mas lavas.” Para fazer um determinado prato tinha que ir comprar mais um utensílio para cozinha. Pensei “Não ganho para isto. Vou optar por fazer como nos restaurantes. Prato do Dia.” Fazia uma lista para oito dias e criava oito pratos e depois rodava-os nas próximas quatro semanas. Quando iniciava o outro mês fazia uma nova lista de almoços/jantares e utilizava a mesma técnica. Assim controlava, logo à partida, tudo o que necessitava e ganhava nos custos de horas despendidas, assim com em custos monetários.
Passei a pagar a conta da água, da luz, do telefone, do condomínio do prédio, da contribuição autárquica, mas graças aos meus pais não tinha a conta da casa para pagar. Já estava paga. Era menos uma dor de cabeça. Optei por pagar tudo por transferência bancária, assim controlaria tudo pela internet e não tinha que perder tempo a efectuar os pagamentos no multibanco. Tive que também ir às instituições com quem tinha contratos e alterar as moradas de envio da correspondência.
Em relação aos meus deveres estava tudo controlado. A casa lavadinha, e os pagamentos em ordem, agora em relação aos meus direitos que tinha sobre a casa é que foram os chamados anos loucos da minha vida.
Aos vinte e três anos a viver sozinho, apesar de ser uma pessoa responsável, quem não faz as suas maluqueiras. Quem não fez meta o dedo no ar, ou pegue no martelo bata com ele na sua própria cabeça. Logo vi que o martelo não saiu da caixa das ferramentas. Viver sozinho é um tempo maravilhoso, mas acima de tudo é um acto de solidão. Vivemos muito tempo sem ninguém por perto e se não formos fortes psicologicamente ou não tivermos actividades em que constantemente estamos ocupados, podemos pensar em muitas vezes fugir para a Austrália e conhecer o suposto animal que era o mais indicado para nos trazer os bebés. Quando estamos sozinhos abrimos mais o nosso coração às nossas experiências emocionais. Ficamos mais aberto ao afecto e à troca de amor. A vida era vivida a um ritmo alucinante e as horas para dormir eram poucas.
Foi durante esse período que fui “apanhado na curva”, “agarrado” ou simplesmente um irresponsável. Inconsciente fui de certeza, as outras duas questões, passados estes anos todas, ainda não descobri e dificilmente irei descobrir. “Não tenho preservativo”. “Não faz mal eu tomo a pílula”. Numa relação colorida, o resultado foi desastroso. Quase que não sabíamos o nome um do outro, já ela me estava a dizer que estava grávida. Já tinha feito o teste de gravidez, daqueles que se compram na farmácia e tinha dado positivo. Pensei cá para comigo “Onde está a câmara do programa do Nuno Graciano da SIC?” Só pode ser mesmo para os apanhados. Mas a verdade é que era mesmo verdade. Porque é que uma verdade não pode ser mentira? Porque é que na repetição de um golo a bola não vai para o lado da baliza? Depois de perguntar “Como é possível?” quatrocentas e cinquenta e nove milhões, duzentas e trinta vezes e mais, mandar mais quatro asneiradas para o ar, a resposta foi um “Não sei” muito frio. A verdade é que estava um frio desgraçado nesse dia. Mais uma vez os meus sentimentos ficaram baralhados. Qual seria o meu futuro, o da rapariga e o da criança? Eu apontava para um ponto enorme de interrogação. Não existia nenhuma base sólida para que o futuro se mostrasse risonho. A verdade é que ela estava mesmo grávida. A boa noticia é que não era de quatrigémeos, mas sim de uma bela menina. Depois de uma longa e discutida conversa, resolvemos assumir a criança e educa-la em conjunto. A ideia era ir viver para minha casa e formarmos uma família. Foi um grande abalo na minha vida de um momento para o outro, passei dos dias mais loucos da minha vida, para os anos mais “totós” da minha vida. Uma criança a caminho, quem diria senhor Jorge Carvalho.
Começou o ciclo da gravidez e tudo o que era necessário fazer. Consultas ao ginecologista. Vimos a Barbara a crescer através da televisão. Não foi na Sony lá de casa. Foi mesmo num pequeno aparelho na sala do ginecologista. Eu conhecia bem como a Barbara tinha chegado aquele ponto. Todos nós tínhamos passado por aquilo. A rapariga parecia feliz dentro da barriga da mãe e todas as vezes que íamos ao médico o seu peso apresentado era muito superior ao anterior. Era bom sinal. A mãe cuidava da sua alimentação e deixara de fumar. Fazia exercício físico regularmente e seguia à risca todos os conselhos dados pelo médico. Em casa preparávamos o quarto da Barbara. Era a cama com grades, a banheira do banho, as fraldas, as chupetas, as roupas e todo o conjunto de adereços necessários à sobrevivência de uma criança. O dia dezassete de Dezembro marcou o nascimento de mais uma criança neste mundo. No hospital Garcia da Horta, Barbara Silva Carvalho tinha respirado por si própria e conseguido a sua maior proeza até ao momento.
Quem é que estava a ver literalmente tudo de frente e viu uma cabecinha a aparecer por entre as pernas da mãe? Quem foi? O apresentador do BUZZ pergunta de novo. Quem foi? Foi eu. Jorge Carvalho. Vi tudinho. O nascimento das minhas filhas foi a coisa mais marcante que me aconteceu, tirando aquele dia que levei com uma tijoleira na cabeça e parti a cabeça e levei cinco pontos. Essa também ficou marcada, até perdi o cabelo para sempre naquela zona.
É uma imagem única o nascimento de uma criança, apesar do berros irritantes da mãe. “Socorro, não posso mais. Não assim não, não quero mais” e gritam e gritam. Andaste a brincar aos papás e mamas e a agora gritas? Agora aguenta que os médicos especializados estão aqui a ajudar-te. Sempre de olho nas pulsações, os médicos controlavam todos os pontos sensíveis de problemas até que à nona dilatação a Barbara apareceu. Era sem dúvida neta do meu pai e por sua vez sobrinha do Toni Ramos. Vinha com uma cabeleireira farta que dava para meter uma ganchinho. Tão linda e tão parecida com o padeiro? Com o talheiro? com o carteiro? Não era nada parecida comigo. Foi a loucura. O fogo de artifício explodiu, os papelinhos foram lançados ao ar, a musica do Avô Cantigas começou a tocar nas colunas do hospital. Foi um breve momento de pura alegria, mas rapidamente raptaram a criança. Uma enfermeira levou-a para a lavar e para fazer os primeiros testes. Depois regressou dizendo que era uma criança perfeita com três quilos e quinhentas gramas e quarenta e oito centímetros de altura. Eu desconfiei, saquei da máquina de calcular e fiz contas. Cinco dedos em cada mão, mais cinco dedos em cada pé, dão vinte dedos. Aproximei-me da rapariga e fiz a contagem. Bravo, era uma rapariga perfeita. Tinha tudo no sítio. A Barbara estava com fome e nada melhor para começar a vida do que um litro de leite materno. Amamentar é um acto natural e constitui a melhor forma de alimentar, proteger e amar o bebé. A amamentação é um processo fisiológico, natural, mas que precisa de ser aprendido. A Barbara procurava a fonte de alimento e a mãe tentava-lhe indicar o caminho. Não foi fácil acertarem o ritmo. Andaram em aprendizagem constante durante uns tempos, mas por fim a rapariga acertou e saciou-se até querer.
O leite materno contém todas as proteínas, açúcar, gordura, vitaminas e água de que o bebé necessita para ser saudável. Além disso, contém determinados elementos que o leite em pó não consegue incorporar, tais como anticorpos e glóbulos brancos. É por isso que o leite materno protege o bebé de certas doenças e infecções. O aleitamento materno protege as crianças de otites, alergias, vómitos, diarreias, pneumonias e bronquiolites. Outras vantagens do leite materno para o bebé, melhora o desenvolvimento mental do bebe, é mais facilmente digerido e promove o estabelecimento de relação mais forte com a sua mãe.
A dupla que não se largava um minuto, mãe e filha, ficaram no hospital durante dois dias em estado de observação. Ao fim desses dois dias apresentavam-se bem de saúde e tiveram “alta”.
Comprei uma cadeirinha própria para a criança viajar no carro e assim fez a sua primeira viagem de cinco quilómetros. Também tivemos o cuidado de a agasalhar bem devido ao frio existente em Dezembro. O quarto estava pronto para receber aquele ser tão pequeno. O primeiro banho foi um pouco complicado. Era tão pequenina que fazia impressão mexer-lhe. Mas nada melhor do que comprar aqueles conjuntos cassetes VHS de curso intensivos que eram vistos na TV. “Aprenda a cuidar do seu filho em cinco minutos” era o curso mais conhecido e mais comercializado. Cuidámos bem da zona onde ainda restava um pouco do cordão umbilical e fizemos uma lavagem completa com direito a shampoo de primeira qualidade recomendada pela marca Chico. Tivemos o cuidado, também, de manter a temperatura ambiente do quarto, porque não queria que a rapariga ficasse constipada logo à nascença. Alguns dias depois, foi fazer o teste do pezinho. Foi uma picadela das grandes, mas não se queixou muito. Deveria estar com sono. Os dias foram passando, assim como os meses. A rapariga foi crescendo, fazendo sempre as consultas recomendadas e nunca teve grandes problemas de saúde.
Quem teve problemas de saúde foi eu, mas foi com a relação afectiva com a sua mãe. Sempre pensei que era uma relação destinada ao fracasso. A base não foi construída e ao fim de um ano era impossível viver em comunidade. Tínhamos pontos de vista diferentes em quase todos os assuntos e isso foi o fim. Era difícil tomar uma medida drástica devido à Barbara, mas pensei melhor e achei por bem de todos nós, cada um viver para seu lado. Também não queria que a minha filha vivesse num ambiente, onde a discussão e o jogo do disco com pratos da cozinha, fosse o cenário mais normal. Depois de uma valente discussão, cada um foi viver para seu lado, mas a questão da educação da Barbara mantinha-se. Como faríamos? Quando é que eu a podia ver? Como, mais uma vez, não foi fácil chegar a um acordo, tivemos que ir a tribunal. Foi dado entrada no Tribunal do Barreiro de uma acção de poder paternal. Só assim poderia ter acesso ao meus deveres e direitos na educação da Barbara. Fomos a uma primeira sessão para ver se conseguíamos sozinhos arranjar uma solução, sem que fosse o tribunal a ditar as leis. Foi impossível mais uma vez. Parece que a mãe da rapariga estava possuída pelo demónio e via-me como um monstro. Naquele momento só lhe interessava o dinheiro da pensão de alimentos. Parecia que estava a usar a rapariga para se vingar por a relação não ter dado certo. Por mim ia até à instituição mais elevada em termos de Tribunais para resolver esta questão. Se fosse preciso ir ao Tribunal da Comunidade Europeia iria sem qualquer problema. A segunda sessão já foi na presença do juiz. Este analisou todo o processo e distribuiu pelos dois encarregados de educação as tarefas na educação do menor. Teria que pagar uma pensão de alimentos e visitaria quando quisesse a menor, desde que a mãe estivesse disponível para a entregar e teria também direito em ir busca-la de quinze em quinze dias, para passar o fim-de-semana comigo. Além disso, o pai teria todo o direito na escolha da escola e outras situações na educação da Barbara. Foram anos difíceis os seguintes. Mantive sempre o pagamento da pensão de alimentos. Este era efectuado através de transferência bancária até ao oitavo dia de cada mês, mas a relação com a menina era e sempre foi difícil. Ainda veio algumas vezes ter comigo, mas ao fim de algum tempo, deixou de quer vir. Ainda pensei ir a Tribunal de novo, mas quem não queria era a criança e mesmo que o Tribunal dissesse que tinha direito, não era minha intenção trazê-la à força. Senti sempre, nos contactos que mantive, que a rapariga era feliz e tirá-la do seu ambiente à força, poderia provocar-lhe algum trauma. Actualmente falamos e vimo-nos frequentemente mas é mais uma relação de amizade do que pai/filha.
O que eu gostava mesmo, mesmo de fazer era ir à Aldeia Velha. É uma típica aldeia alentejana, onde predominam as pequenas casas caiadas de branco e onde a tranquilidade das gentes se estende ao verde da paisagem, em que sobressaem sobreiros, azinheiras e eucaliptos. O território de Aldeia Velha é o que se situa mais a poente do concelho, sendo também o menos acessível, encontrando-se limitado a norte e a poente pelo concelho de Ponte de Sor, a sul com o de Mora e freguesia do Maranhão e a nascente com a freguesia de Avis. Aldeia Velha é a freguesia de maior dimensão no concelho de Avis. Os caminhos em terra batida que rodeiam a aldeia convidam à exploração por parte dos apreciadores dos passeios pedestres, de bicicleta ou de quads. Entre o muito que a natureza tem para oferecer, destaca-se um espaço de rara beleza: uma pequena queda de água, localizada perto da povoação, habitualmente designada de “Pego do Inferno”. A ribeira, as pequenas barragens e a contiguidade das duas albufeiras (de Maranhão e de Montargil) fazem de Aldeia Velha um local de eleição para os adeptos dos desportos náuticos e para os apreciadores do contacto com a natureza. Quando me deslocava a esta minúscula aldeia era como se ganhasse anos de vida. Existia ali uma força de vida enorme. Era tudo ao contrário das grandes cidades. O tempo na aldeia era passado de forma muito devagar. Tínhamos tempo sempre para tudo. Para dar os bons dias a todas as pessoas com que nos cruzávamos. Tínhamos tempo para longos passeios por trilhos lindíssimos e conseguíamos cheirar o perfume deixado pelas plantas naquele ar despoluído. Gostava de me sentar perto dos mais velhos e ouvir contar as suas histórias de outros tempos. Gostava de ver as pessoas da aldeia ainda vestidas com os trajes tipicamente alentejanos. As senhoras com as saias redondas e com chapéus enormes, os homens com as suas calças vincadas, as botas de cano alto e a sua característica boina. A sua linguagem também era curiosa e levava-me algumas vezes ao riso bem alto. Alguns exemplos de algumas palavras engraçadas que eles usam.

Besta - Animal de Carga nomeadamente , mulas , machos . Borralho - O que resta de um lume de chão , as brasas envoltas em cinzas , muito útil para assar morcela Camalho - Cama feita no chão utilizando os materiais mais á mão de semear. Encherga - Colchão que se colocava antigamente nas camas e que era cheio com palha. Frascal - Monte de Feno Morcela - Chouriça , enchido Alentejano e não só Gorpelha - Alforges que se colocavam nas Bestas Tromba - O focinho de um animal ( de duas ou quatro patas) Chaparro - Azinheira Pequena Zambujeiro - Oliveira Pequena

Gostava também muito, e ainda gosto, de ir à festa anual de Aldeia Velha. A padroeira da aldeia é a N. Sr.ª de Santa Margarida e no primeiro fim-de-semana de Agosto a aldeia transforma-se em três dias de festa. Na 6ªfeira existe um bailarico com um organista da terra e o bar está aberto até ao último alcoólico deixar a zona. Aquilo é sempre a aviar. Sai mais uma. Mesmo que não queiramos, já é tradição pagar um “copo” a todas as pessoas que estão no grupo e depois todas essas pessoas também pagam um “copo” a todas as outras. Fazendo as contas, quase não temos lápis para escrever tantos números/”copos” que são ingeridos naquele dia. O baile corre sempre muito bem e a dança em grupo é o apogeu de uma noite de loucura. Mas no dia seguinte é o corpo que paga e um dia na piscina espectacular das Galveias apaga um pouco as marcas de uma noite bastante agressiva. Na tarde de sábado o mítico torneiro de futsal e um jogo de solteiros contra casados faz as delícias dos habitantes. A noite de sábado é onde a principal atração da festa entra em palco. Desde o Tony Carreira, Santamaria, Emanuel e outros, já entraram naquele palco para dar grandiosos concertos. A nível religioso é efectuado a missa e a respectiva procissão, onde todas as pessoas da terra fazem questão em acompanhar a imagem da N. Sr.ª pelas ruas da aldeia. O domingo é dedicado ao tiro aos pratos e à noite mais um concerto de uma banda, mas desta vez em playback. É um ritual anual que não se deveria perder. Acaba por ser um encontro anual das famílias, muitas delas imigrantes, que se deslocam nessa data às suas aldeias para estar com as suas famílias.
Foi numa dessa idas a Aldeia Velha que conheci a minha actual mulher. Ainda me lembro como fosse hoje. Estava ela na piscina de Avis com um ar desesperado. Estava mesmo a precisar de companhia. E eu como cavalheiro que sou, não poderia deixar uma senhora com ar desesperado, sozinha. Apresentei-me e dai a três meses já pensávamos em casar. Tão depressa? Será que estou bom da cabeça? Será que bati com a cabeça em alguma parede e não dei conta? Ou será que rapidamente nos apercebemos que encaixávamos perfeitamente e estávamos em sintonia em múltiplas situações. As relações são duradoiras, porque ambos têm que saber da necessidade do espaço de cada um. Têm que, em vez de “cortar as pernas” ao parceiro, apoiá-lo e motivá-lo. A paixão é muito bonita, mas também passa rapidamente. Depois fica o amor e o respeito mútuo. Ou eu também estava desesperado ou tinha sido acertado pelo cupido do amor, mas a verdade é que meses depois já estávamos a enviar os convites para o casamento. Preparámos tudo da forma mais tradicional possível. Compramos uma casa, antes de casar, mobilamo-la, e preparamos o casamento pela igreja e pelo civil. Convidámos os pais, tios, primos, amigos, afilhados, e todos os que achámos que tínhamos ligações de sangue. Foi um casamento à antiga com mais de duzentas pessoas. Antes de casar pela igreja, fomos à conservatória para casar pelo civil. O que é o casamento civil? Visto como uma instituição ou, mais modernamente, como um contrato, o casamento civil é o compromisso que o homem e mulher, maiores de 16 anos, consciente e livremente, pública e solenemente, assumem perante a sociedade o amor que os une. Baseia-se na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, que ficam obrigados a respeitarem-se, serem fiéis, coabitar, cooperar e assistirem-se mutuamente. É celebrado perante um funcionário do Registo Civil, na presença de duas testemunhas e a vontade dos nubentes tem que ser manifestada no próprio acto da celebração. Na celebração do casamento civil devem estar os noivos, podendo ainda intervir entre duas a quatro testemunhas. A celebração foi pública, por isso levamos uma “carrada” de amigos para assistir a este acto maravilhoso. Escolhemos o regime de comunhão de adquiridos. O casamento será celebrado neste regime de bens se os noivos não celebraram convenções antenupciais, quer dizer que comungam apenas dos bens que adquirirem depois do casamento. Em relação ao casamento pela igreja, a minha amada queria muito e eu, não sendo um cristão assumido, respondi que sim. Era um sonho antigo e quem era eu para estragar esse lindo sonho. Mas porquê casar pela Igreja? Para os crentes católicos, o casamento não é uma simples formalidade civil. Pelo contrário, os noivos católicos crêem que o amor que os une é um "sinal" muito particular do próprio amor de Deus e sinal do amor com que Jesus Cristo ama a Igreja. "Sinal" é também um dos significados da palavra "Sacramento". Por este sacramento - o Matrimónio -, os noivos oferecem-se mutuamente diante de Deus e Deus consagra (torna sagrado) e abençoa esse amor. Por sua vez, a comunidade é testemunha, une-se à oração e alegria dos noivos. A opção pelo casamento religioso deve ter motivações predominantemente religiosas e não simplesmente por uma razão social, para agradar aos pais ou porque é mais solene. Dada a seriedade do Matrimónio, os noivos devem preparar convenientemente a celebração. Em muitos lugares, os párocos pedem aos noivos que façam um "Centro de Preparação para o Matrimónio" (CPM). Nós fizemos a nossa preparação com o padre que nos iria casar. Foi uma sessão divertida, mas essencialmente uma sessão em que recebemos mais instrução em relação à religião cristã e à forma como temos que encarar a vida a dois. O casamento foi efectuado na Igreja de Palmela e a mítica boda foi na Pousada de Palmela. Não faltaram as típicas entradas, a sopinha, os dois pratos principias, os doces e o café. Logo de seguida abriu-se o buffet, porque o casamento foi à tarde e o convívio foi à noite. Foi um belo dia da minha vida.
As novas tecnologias sempre foram um vício para mim. O estar a par de todas as novas ferramentas electrónicas é essencial. Se perdermos o “barco”, rapidamente não conseguimos seguir a evolução. Neste momento a evolução neste campo é tão grande que o que foi ontem, hoje já é diferente. Vejamos por exemplo o caso dos telemóveis. Neste momento existem mais equipamentos móveis do que pessoas, ou seja, somos 10 milhões de habitantes, mas existem mais de 10 milhões de telemóveis/cartões activos, o que dá mais do que um equipamento móvel por habitante. A evolução na electrónica e o marketing são fundamentais para colocarem este jogo/negócio sempre em circulação. Um telemóvel topo de gama há seis meses já está completamente desactualizado. Passa-se o mesmo com os computadores e outros componentes informáticos. Para conseguirmos acompanhar a sua evolução temos que nos munir de ferramentas que rapidamente temos acesso à informação e essa ferramenta que veio revolucionar o mundo foi a INTERNET. Talvez seja a melhor descoberta de sempre. Comparado à internet só eventualmente o Fogo, a Roda, recordando assim de repente outras épocas.
A Internet é o maior conjunto de computadores interligados do mundo. Na verdade, ela não tem dono, não tem um computador específico ou mesmo um lugar. Por isso comparam o seu funcionamento ao de uma grande teia de aranha. No início, este conjunto de computadores (rede) foi utilizado somente com fins militares e académicos, mas, nos dias de hoje, pode ser usada por qualquer pessoa. Podemos pesquisar vários assuntos, conhecer países, museus, bibliotecas, fazer novos amigos, jogar, fazer compras, descobrir novos programas e muito mais. Com a internet podemos ter toda a informação rapidamente e no momento. Podemos ter acesso ás nossas contas bancárias e efectuar todas transacções possíveis (pagamento, transferências, aplicações bancárias, etc). Podemos criar sites próprios, sites para fins pessoais ou profissionais, podemos ter o nosso correio electrónico ou marcar as nossas férias de sonho. Existem milhões de utilidades que podemos retirar da internet. Não se esqueçam que é ilegal, retirar copias piratas de músicas e filmes da internet. Quem o fizer está sujeito a pesadas multas e apreensão do material.
Depois de dois anos consecutivos que demorei mais de três horas a chegar ao trabalho de carro e de verificar que as motas passavam sem problema por entre os carros e que chagariam rapidamente ao seu destino, resolvi tirar a carta de mota.
Ao som de Steppenwolf andar de cabelos ao vento é a loucura. O Hino dos motoqueiros.

Steppenwolf

Born To Be Wild

Get your motor runningHead out on the highwayLookin' for adventureIn whatever comes our wayYeah, darlin', gonna make it happenTake the world in a love embraceFire all of your guns at once andExplode into spaceI like smoke and lightningHeavy metal thunderRacin' with the windAnd the feeling that I'm underYeah, darlin', gonna make it happenTake the world in a love embraceFire all of your guns at once andExplode into spaceLike a true nature's childWe were born, born to be wildWe can climb so highI never want to dieBorn to be wildBorn to be wildGet your motor runningHead out on the highwayLookin' for adventureIn whatever comes our wayYeah, darlin', gonna make it happenTake the world in a love embraceFire all of your guns at once andExplode into spaceLike a true nature's childWe were born, born to be wildWe can climb so highI never want to dieBorn to be wildBorn to be wild


Em português

Deixe seu motor funcionandoDirija-se para a auto-estradaEm busca da aventuraNão Importa o que aconteça em nosso caminhoSim querida, faça isso acontecerPegue o mundo num abraço carinhosoDispare todas as suas armas ao mesmo tempoE expluda espaço foraEu gosto de fumaça e relâmpagoO estrondo do trovão correndo com o tempoe o sentimento que ele provoca em mimSim, querida, faça isso acontecerPegue o mundo num abraço carinhosoDispare todas as suas armas ao mesmo tempoE expluda espaço aforaComo um verdadeiro filho da naturezaNós nascemosnascemos para ser selvagempodemos escalar tão altoeu nunca quero morrernascido para ser selvagemnascido para ser selvagem
A letra bem poderia ter sido escrita para mim. Representa bem a minha personalidade. Livre e sempre à procura de novos desafios.
Basicamente queria um meio de transporte que rapidamente me poderia levar a todo o lado sem andar no meio do trânsito. Investiguei nos fóruns da Internet e junto de pessoas que tinham motas, qual as vantagens e desvantagens deste meio de transporte em relação ao carro. As grandes vantagens eram a rapidez de deslocação, consumo de gasolina e os valores baixos de manutenções/revisões. As grandes desvantagens eram a insegurança e não estar protegido das intempéries. Nessa altura tinha acabado de fazer trinta anos e como me sentia responsável, analisei os prós e os contras e avancei para inscrição da carta de condução. Nunca tinha andado de mota. Não foi necessário fazer o exame do código, porque já o tinha feito quando tirei a carta de condução, faltava-me fazer algumas aulas práticas e candidatar-me ao exame. Foi tudo muito rápido. Apenas tive que me concentrar na condução. Ainda pensei que iria precisar de umas rodinhas daquelas pequenas que se colocam nas bicicletas das crianças, mas na primeira aula, ao arrancar com a Mota, parecia que já condizia á anos. Antes da primeira aula o instrutor explicou-me todas as funções da mota e disse-me como funcionavam. Primeiro fiz uns pequenos testes de embraiagem, de aceleração, experimentei as luzes e os piscas. Estava pronto para ir para o inferno do trânsito.
A carta de condução é o documento que atesta, em Portugal, a aptidão de um cidadão para conduzir veículos a motor na via pública. Este documento é certificado em função da categoria do veículo a conduzir e segue-se, salvo casos específicos, a um exame teórico (exame do código de estrada) e outro prático (exame de condução); este último é obrigatório em qualquer uma das classes. O único documento que substitui a carta de condução é a "guia provisória", cuja legalidade se restringe ao território nacional. O possuidor de um título de condução válido de qualquer Estado-membro da União Europeia pode conduzir livremente em todos os restantes Estados-membros com o mesmo. No entanto, se muitos países terceiros aceitam este documento europeu, outros exigem uma Licença Internacional de Condução, documento que em Portugal é emitido pelo Automóvel Clube de Portugal. Consoante a categoria do veículo a conduzir, a carta certifica a aptidão apenas nessa categoria ou, por extensão - normalmente através de um terceiro exame -, a várias categorias. A classe que eu me candidatei foi à categoria A (Motociclos com cilindrada superiores a 50 centímetros cúbicos).
Agora que o exame tinha corrido muito bem e tinha a guia na minha mão faltava escolher a mota e toda a roupa própria e o capacete. Para a cidade nada melhor que uma scooter. Como anda não sabia se ia gostar ou não de andar de mota, comprei uma mota nova de uma marca chinesa. Tinha 125 centímetros cúbicos e oito cavalos. Não andava nada, mas para mim era o ideal. Nunca tive ideias de andar depressa. O meu objectivo era só chegar ao destino. Comprei um casaco com protecções e um capacete homologado. Sempre dei muita importância ao capacete e por isso quando o comprei segui as indicações para a melhor aquisição e posterior conservação e substituição.
Segundo os principais construtores todos os capacetes devem ser substituídos após 5 anos de utilização. O estado do interior do capacete é tão importante em termos de segurança como o seu exterior. Comprar um capacete homologado e de qualidade. A diferença básica entre os capacetes de policarbonato e os de materiais compostos é que estes últimos são mais resistentes a impactos violentos. Experimentar o capacete antes de o comprar. Os tamanhos podem variar entre fabricantes e entre modelos, a dica básica é medir a circunferência da cabeça na altura da testa. (ex: minha cabeça mede 56cm, esse será o número do capacete na hora da compra capacete tamanho 56). Comprar um capacete que esteja justo mas que não aperte. O uso irá "alargar" com o tempo o interior do capacete. A higiene é importante no capacete. Com o tempo, pequenos organismos alojam-se no forro pelo que os melhores são os capacetes com forro destacável. É necessário lavá-lo com frequência. Prefiro marcas e modelos que me garantam peças e acessórios de substituição. Nem sempre o factor preço é sinónimo de qualidade superior.
Gostei tanto de andar de mota e sentia-me tão independente que andei sete anos de mota sem cair. Todos me diziam que mais tarde ou mais cedo que caía. Apesar de ter trocado de mota três vezes e para motas mais potentes, continuei com a mesma postura desde o inicio. A segurança em primeiro lugar. Só deixei de andar de mota, porque morreram à minha frente dois motociclistas sem qualquer culpa. Os condutores dos carros é que foram os culpados. E para mim foi o fim, por enquanto, da condução das motas. Em sete anos não caí e não me estava apetecer experimentar o chão. Voltei aos “enlatados” (carros).
A pedido de várias famílias, e também dos pais, vinha a cegonha a caminho, ou será o canguru?, já estou um pouco baralhado com esta história de quem traz as crianças. Desta vez foi uma gravidez desejada. Mandamos os contraceptivos “à vida” e avançámos com a inseminação natural. Para muitos casais para terem filhos têm que efectuar a inseminação artificial, o que deve ser uma chatice para a parte físico/psicológica, como para a carteira. Teríamos que ter um filho, independentemente se fosse menino ou menina, no dia de Natal. Andámos a fazer contas de somar, dividir, multiplicar e de subtrair, para que o nascimento fosse nesse dia histórico. Como era uma gravidez planeada, tudo foi efectuado de modo muito tranquilo e em pormenor. Como já tinha passado por essa experiencia de ficar grávido, ria-me com os enjoos e desejos da Helena.
As míticas consultas ao médico foram feitas de forma regular e sempre com o mesmo médico. A gravidez correu sem grande problema e no início do dia vinte e cinco de Dezembro “rebentaram-lhe as águas”. Através da ecografia sabíamos que iria ser uma filha e que teria os vinte dedos da praxe. Iríamos chamar-lhe Inês. O parto foi efectuado no Hospital Garcia da Horta, em Almada. É uma Hospital muito requisitado para partos, porque tem fantásticos médicos nessa área e condições óptimas em equipamentos para que tudo se processe na melhor maneira possível. Mais uma vez participei no parto. Se no nascimento da Barbara tinha ficado atrás do pano, desta vez avancei mesmo para a frente da acção. Foi um misto de horrível com uma alegria sem palavras. Ver sair um ser humano, ainda mais cozinhado por mim, a sair do ventre da mãe, é fantástico. Não foram precisos mais instrumentos, do que as mãos. A Inês deslizou suavemente até à mão da médica. Essa parte foi linda, mas poderiam ter avisado do que viria a seguir. Meus amigos, já viram uma placenta a sair de um corpo humano? Se não viram, então é melhor não verem. É estranho, muito estranho. Foi uma imagem que vai ficar marcada na minha memória para sempre. Muitos médicos não deixam os pais assistirem aos partos, porque podem criar traumas pelo aquilo que vêem. Por mim assistia a todos os partos, sem qualquer receio. É único e todos o deveriam fazer e levar uma máquina de filmar.
A Inês também era sobrinha do Tony Ramos. Cabelo muito preto e comprida. Cinquenta centímetros, para três quilos e quatrocentas. Era muito vivaça e rapidamente começou a fazer o que gostava mais. Berrar, chorar e coisa do género. Depois de pesada e de efectuar os testes voltou para junto da família. Começou de imediato a beber aquele leite ultra nutritivo. Ao fim de dois dias estava pronta para ir para casa. A verdade é que a Inês não nasceu no dia vinte cinco de Dezembro, mas sim a vinte e seis. As contas foram mal feitas.
Vou voltar a estudar, disse para a Helena. O Andebol continuava na minha vida e agora jogava no Amora Futebol Clube. Jogávamos na terceira divisão nacional. Fui jogar para este clube porque, além de me pagarem, mantinha a minha forma física. Mas o que mais motivava era que iria treinar os jogadores infantis do clube. Jogava/treinava nos seniores e treinava/orientava os infantis. Foi um sonho tornado realidade. Mas para poder treinar tive que tirar o curso de terceiro nível de treinado. O clube inscreveu-me no curso de terceiro nível, na Associação de Andebol de Setúbal. Deram-me uns manuais pelos quais tinha que estudar e depois iria a um teste teórico e exames práticos. Quando se treinam jovens entre os oito e dez anos, alem de saber tudo acerca do andebol, também temos que ter uma parte de educador infantil. Metade do curso era baseada nessa base. Além do jogador, também estamos a educar a criança a ser um ser humano com valores mais válidos. Nesta parte o curso era bastante teórico, mas bastante interessante, porque referia qual a melhor postura que deveria ter com crianças. Depois de estudar e pedir algumas informações ao meu treinador estava pronto para ir a exame. No primeiro dia eram os exames teóricos. Existia um de educação Infantil, outro das regras/jogo e outros dos materiais a usar. Eu não tinha qualquer dificuldade porque ao longo dos anos tinha adquirido competências que ao chegar os terrenos de jogo já sabia toda a “missa”. Depois de ter o certificado de habilitações na mão já poderia treinar os rapazes. Sempre fui mais amigo do que treinador. Lembro-me do que os meus treinadores do Sporting fizeram comigo e tentei fazer o mesmo com os meus atletas. Basicamente os treinos eram constituídos por jogos recreativos e muito diversificados, aplicados sempre no domínio do Andebol. Nestas idades não interessa muito os resultados, mas sim que comecem a gostar de deporto e, se os conseguirmos manter no Andebol, melhor. É preferível passarem a sua adolescência metidos em pavilhões ou campos de futebol, do que guetos no meio de gangs. Durante dois anos fui treinador, mas o clube teve uma grave crise financeira e teve que anular algumas secções desportivas. O Andebol foi uma delas e todos os atletas ficaram sem clube. Eu acabei por, na época seguinte, ir jogar para o campeonato do Inatel (ainda hoje jogo) e nunca mais treinei nenhuma equipa de formação.
Como no Andebol no Inatel não treinamos, só jogamos uma vez por semana e durante a semana, criou-se um vazio em mim. O que fazer? Pensei em dedicar-me ao tricô, mas tenho os dedos demasiados tortos. Candidatar-me a presidente de Câmara? Não tenho pinta de corrupto. A cantor de música Pimba? Tenho uma voz horrível. Arrumador de carros? Odeio estar sempre no mesmo sítio e a cheirar a “cavalo”. Toxicodependente? Não obrigado, gosto muito de viver. Chulo? Já gostei mais de carne que gosto agora. Estou mesmo a pensar em abolir a carne da minha alimentação. A única resposta para esta questão teria que passar pelas áreas que gosto mais. Pela liberdade e campos abertos. Ar puro e algum sofrimento.
Experimentei de tudo o que me aparecia pela frente em que achava que poderia teria proveito na minha evolução como pessoa e continuar a apreciar a natureza. Estes são os desportos que nos últimos nove anos experimentei a sério, o que quer dizer que não os fiz só uma vez. Bobybord, Surf, Skimming, Mergulho, Canoagem, Mountainbord, Motocross, Trekking, Montanhismo Futebol 11, Futebol salão, Futebol sete, Corrida a Pé, Cross, Snowboard e Tenis. Fiz durante um período da minha vida e tentei verificar se era mesmo o que queria no futuro. Também os experimentava porque procurava algo de novo, sentir novas sensações. Todos eles, apesar de serem diferentes, tinham todos os mesmos parâmetros de aprendizagem. Primeiro tínhamos que nos certificar que teríamos que comprar o melhor material para o nosso nível de aprendizagem. Depois tirar um curso, ou aprender com alguém que tivesse mais experiência, conhecer o material ao pormenor, investir muito na segurança e depois ser autodidacta e super dedicado. São todos espectaculares, nada que se pareça com andar de bicicleta.
O que é a bicicleta? É um veículo com duas rodas presas a um quadro, movido pelo esforço do próprio usuário (ciclista) através de pedais. Foi inventada no século XIX na Europa. Com cerca de um bilhão de unidades em todo o mundo, a bicicleta é usada tanto como meio de transporte no ciclismo utilitário, como objecto de lazer no cicloturismo e para competições desportivas de ciclismo. A bicicleta afectou consideravelmente a história tanto no campo industrial como no cultural. No início, a bicicleta inspirou-se em tecnologias pré-existentes. Hoje, no entanto, tem contribuído para outras áreas. Além de lazer e transporte, as bicicletas estão a ser adaptadas para outras utilizações, na área militar e em desporto. A bicicleta também é bastante utilizada como meio de transporte no dia-a-dia, por ser um transporte barato, ecológico e saComprei uma bicicleta numa grande superfície de comércio de nome Continente. Não conhecia ninguém que andasse de bicicleta, mas existia um chamamento em mim que deveria ter um objecto daqueles. Comprei uma bicicleta barata porque não saberia se iria gostar. No principio andei sozinho para ver se me adaptava e para ganhar forma física. Na bicicleta trabalham outros músculos do corpo humano diferentes dos que se trabalham no andebol. Ao fim de algum tempo estava pronto para me juntar a grupos que já tinham mais rodagem. Como o que eu gosto é de BTT (Bicicleta Todo o Terreno), explorei as serras de Sintra, Monsanto e Arrábida. Rapidamente apercebi-me que a bicicleta que tinha, não me satisfazia os requisitos necessários para andar por essas bandas. O quadro da bicicleta era frágil, as rodas empenavam, os travões mal travavam e comprometiam a minha segurança e o selim era bastante desconfortável. Não tive dúvidas que, para continuar a evoluir, era necessária outra bicicleta. Como os euros não abundavam, mais uma vez tentei a minha técnica mais estranha aos olhos de muita gente. Dizem que sou um negociador nato, mas com condições muito estranhas em relação ao que se faz no mercado. Gosto de efectuar trocas directas, ou seja, o que eu não quero faço uma troca directa por qualquer coisa que me interessa. No fundo era como se negociava na época medieval. Já tinha trocado uma mota por outra mota sem qualquer implicância de dinheiro. Desta vez troquei a minha Playtation2 e mais cem jogos e o comando por uma bicicleta só com suspensão à frente de marca BH (marca espanhola). Ainda pensei em comprar uma bicicleta nova e ir a Espanha busca-la, visto que o IVA é mais baixo e isso significava uma redução bastante acentuada na factura final. Como consegui a troca directa, visto não precisar da Playsatiton2, foi prefeito. Já tinha uma bicicleta mais equilibrada para aquilo que fazia. Passeios aos domingos de manhã passaram a fazer parte da minha rotina. Tive que adquirir suportes para levar a bicicleta em cima do carro. Era uma maneira mais prática e higiénica do que levar a bicicleta dentro do carro. Ao fim de alguns meses, estava viciado. A sensação de deslize e sentir o vento na cara era para mim uma fonte de rejuvenescimento. Cada vez que acabava uma volta de meio-dia, na minha cara ficava um sorriso de orelha a orelha. Todos diziam que tinha ficado uma pessoa mais alegre e sentimentalista em relação ao que me rodeava. A verdade é que começava a ver o planeta de maneira diferente. Se até aqui preocupava-me com algumas questões ambientais, desde o momento que comecei a andar de bicicleta mais a sério, fique mesmo interessando em participar activamente na protecção do planeta. Como o fiz? Ao andar nos trilhos simplesmente aconselhava os meus amigos a não deitar nada par o chão. As cascas de banana, os papéis das barras energéticas e outros lixos, nunca deveriam ser deixados no chão, mas sim levados para serem colocados em recipientes próprios.
A minha antiga bicicleta, com alguns materiais comprados em lojas locais e outros mandados vir de várias lojas europeias através da Internet, foi transformada em bicicleta de cidade. Já há algum tempo tenho efectuado o trajecto Casa – Trabalho – Casa de bicicleta. Por semana, utilizo três vezes a bicicleta como meio de transporte. Cuido do planeta, porque faço menos poluição, retiro uma viatura do trânsito, poupo nas manutenções e reparações no automóvel e não gasto gasolina, permitindo assim não gastar os recursos naturais do Planeta Terra. Poupo por dia cerca de seis euros em relação ao vir de automóvel, e chega ao emprego com um sorrido enorme da cara. Durante os primeiros tempos foi difícil não ser gozado no emprego. Era o pobrezinho que não tinha dinheiro para a gasolina. Era o anormal que vinha de bicicleta. Era o “triste” porque não andava dentro dos padrões da sociedade. Lembro-me de uma frase que me disseram há pouco tempo. Estava um grupo de homens num jantar ao pé de mim e eu não estava a beber álcool. Estava a beber água ou coisa parecida e de repente alguém virou-se para mim e disse “Vê lá se te fazes homem. Bebe para seres homem.” Vai ser uma frase que de certeza me marcará para sempre. É estranho que temos que fazer coisas que não gostamos para sermos inseridos na sociedade. No meu caso afasto-me simplesmente, porque esse tipo de pessoas não faz parte dos meus parâmetros de vida. No emprego começaram a ver-me de maneira diferente quando comecei-lhes a explicar que a bicicleta tinha enumeras vantagens em relação ao automóvel. A aquisição era um valor simbólico. Por cinquenta euros temos um meio transporte não poluente. Que faria exercício físico regularmente, a carteira ficava bem mais recheada e chegavam sempre com um sorriso enorme na cara, porque não tinham que estar horas no trânsito infernal. Também lhes expliquei que a cidade de Lisboa era uma cidade óptima para andar de bicicleta. Realmente temos sete colinas, mas as principais avenidas da cidade tem subidas suaves. Podemos ver no site do youtube uma reportagem sobre a bicicleta como meio de transporte em Lisboa http://www.youtube.com/watch?v=74God8gFh80 (TVI), ou aqui http://www.youtube.com/watch?v=UJMnt_AOaVQ&feature=related (SIC).
Já existem algumas ciclovias em Lisboa, mas ainda são insuficientes, para que as pessoas se aventurem de forma segura pelas ruas da capital. Está previsto para 2009, uma ciclovia que ligará Belém ao Cais do Sobre que por sua vez ligará ao Parque das Nações. Está previsto também a implementação de uma rede de ciclovias com mais de duzentos quilómetros e apoiadas com bicicletas de aluguer, como se vê em Amesterdão ou em Barcelona. Um dos casos de sucesso em Portugal e Aveiro e as suas Bugas. Bicicletas que não têm custo para o utilizador que se pode servir todo o dia numa rede própria efectuada para o efeito. Neste momento tenho-me empenhado em colaborar em petições para a construção de ciclovias e para termos benefícios fiscais por parte do estado na compra de bicicletas. A bicicleta é um veículo não poluente e deverá ser apoiado e incentivado pelo estado português, para uma melhoria nas redes rodoviárias e protecção do meio ambiente. As empresas deveriam apresentar soluções para pessoas que queiram ir trabalhar de bicicleta. Deveriam ter balneários para os seus trabalhadores e estacionamento seguro para arrumar as bicicletas.
Algumas palavras de quem vai de bicicleta par ao trabalho:
“Eu comecei há cerca de dois meses a deslocar-me para o trabalho de bicicleta - a distância não é muita, já que moro em Alcântara e trabalho na Baixa - mas já mudou a minha vida em muitos aspectos. Para já, o sorriso na cara com que chego ao trabalho, por ter levado logo de manhã com o vento na cara e ter escapado à rotina dos transportes públicos...” Laura
“Sem dúvida que promover o uso da bicicleta como opção válida tem sido uma luta, mas nos últimos anos tem havido um crescimento significativo. O principal obstáculo para a adopção de um estilo de vida mais saudável por parte dos portugueses é principalmente psicológico, mas também económico. Desde já informo que sou obeso (105-110kg), moro em Alcântara, e um dos meus principais percursos consiste em subir até ao ponto mais alto de Lisboa (Campolide). As "sete colinas" de Lisboa não passam de pequenos outeiros. O alto do Castelo situa-se a uns 90m de altitude, o alto de Campolide talvez atinja 110 ou 120. Não faltam cidades por esse mundo fora com relevos muito mais difíceis” Jorge Lima, Engº Informático.
“Começei a andar de bicicleta em Lisboa no final de 2004 e primavera de 2005. A opção foi totalmente racional. O deslocamento da minha casa em telheiras para a universidade (ISCTE, cidade universitária) demorava 10 minutos de bicicleta, 25 "de metro + a pé" e 8 de carro, sem trânsito, + tempo para estacionar, + tempo a pé do local de estacionamento até à porta da universidade (15 a 20 minutos no total). Ou seja, a razão para eu me ter iniciado a andar de bicicleta em Lisboa foi, imagine-se, a preguiça! mais 15 minutos de sono todas as manhas são para mim, ouro...
Finalizado o meu 3º ano do curso segui em direcção à Holanda para 10 meses de Erasmus (4º ano) na cidade com maior taxa de utilização de bicicleta da Europa - Groningen - uma cidade Universitária. Fui para a Holanda, atraído pela cultura em torno deste meio de transporte. Chegando lá, apercebi-me que teria de percorrer diariamente 25 minutos em cada sentido para fazer o percurso casa-universidade, isto em dias de bom tempo, o que por lá é bastante raro. Em dias de chuva vento ou neve, não se viam menos bicicletas na rua, apenas o tempo de deslocação era superior, cerca de 35 minutos em cada sentido, e refira-se também o estado encharcado em que alunos e professores chegavam às salas de aulas.” António cruz
No meu caso pessoal demoro menos tempo a ir da casa para o emprego de bicicleta que ir de carro. Está comprovado que grande parte das pessoas trabalham a menos de dez quilómetros do emprego e essa quilometragem é perfeitamente fazível, mesmo para quem não tenha muita condição física. Mas porque é que não se vê ainda muitas pessoas a utilizar este transporte? Será que tem medo de uma repreensão social? Será que o povo português é tão obeso que não tem condição física para o fazer? Será que é porque o governo português não construiu condições próprias para a deslocação em bicicletas? Será por comodismo? Penso que será por todas elas, mas se não formos nós a tentar ultrapassar esses pontos negativos, quem será? Por favor cuidem do vosso/nosso planeta e cuidem da vossa condição física. Gosto muita da frase do senhor H.G Wells “Quando vejo alguém a andar de bicicleta, sinto esperança pelo futuro da raça humana.”·
Lá fora existem paisagens lindíssimas e perfumadas com o melhor perfume que já se fez até hoje.
Com a evolução de andar de bike, comecei a procurar outras “paragens”. Comecei a andar dias inteiros em cima da bicicleta e a procurar cada vez melhores sítios para andar, o que me levou a efectuar as chamadas Grande Rotas. Com a ajuda do GPS (Global Positioning System), podemos ir a qualquer parte do mundo, mesmo que não conheçamos o caminho. O GPS é um sistema de posicionamento geográfico que nos dá as coordenadas de um lugar na Terra. Este sistema foi desenvolvido pelo Departamento de Defesa Americano para ser utilizado com fins civis e militares. A nossa posição sobre a Terra é referenciada em relação ao equador e ao meridiano de Greenwich e traduz-se por três números: a latitude, a longitude e a altitude. Assim para saber a nossa posição sobre a Terra basta saber a latitude, a longitude e a altitude. Foi graças ao GPS que parti há uns anos para os Caminhos de Santiago de Compostela (caminho Português). Este ano vou fazer o Caminho Francês (o mais popular). Este caminho deu origem ao livro de Paulo Coelho – Diário de um Mago.
O caminho Português de Santiago é um caminho de peregrinação efectuado pelas pessoas que queriam ir de Lisboa a Santiago de Compostela, pelos seus próprios meios. É um trajecto religioso que passa em enumeras capelas e igrejas e que tem uma força inexplicável. Ao longo do caminho somos inundados de pessoas maravilhosas e de espírito solidário. Abrem-nos a porta de sua casa para nos darem de comer e de beber. Oferecem dormida e descanso. São pessoas simples, mas com uma mentalidade muito evoluída em que as questões materiais são relegadas para segundo plano. Há quem goste muito de planear os Caminhos de Santiago ou outra grande rota (vários dias a andar de bicicleta), mas eu faço o mínimo planeamento possível. Como diz um ditado Árabe “Um encontro de acaso vale mil encontros marcados”.
Eu viajo sem muita logística/planeamento. Gosto da surpresa e dos encontros com outras culturas. Choro de felicidade quando começo uma nova expedição ou travessia e fico numa neura tremenda quando regresso às rotinas. Ao longo dos últimos cinco anos a minha vida tem sido maravilhosa. Já fiz tantas Expedições/Travessias por este Portugal lindo e fora deste que me deu a oportunidade de ver o mundo de maneira diferente e de alterar um pouco a minha personalidade. Agora corro menos e converso mais. Ajudo mais o próximo que antigamente. Procuro mais as histórias contadas pelos homens das aldeias, do que o balcão de uma tasca. Com a minha paixão pela evasão e de ter milhares de momentos únicos para recordar, nada melhor que criar um site na internet para divulgar as minhas actividades. Depois de verificar qual o melhor servidor de site que me daria garantia de ter um espaço sem custos na rede e que fosse fiável ao ponto de não desaparecer com a minha informação/divulgação para sempre, optei pelo www.tripod.com. É uma ferramenta muito fácil de utilizar. É direccionada para o utilizador final. Este não tem que saber escrever em HTML ou outra linguagem de programação. O esquema é muito simples. Basta escolher o padrão de fundo e colocar lá toda informação que se quiser. O site http://www.mariabolacha.web.pt é a minha vida. É para onde olho e sinto-me realizado. É do tipo um diário de bordo da minha vida nos últimos cinco anos. Todos os dias, tento manter-lo actualizado com maluqueiras que me passam pela cabeça. O seu aspecto gráfico penso que é cuidado e tenho alguns fãs que adoram o meu site, não só pelas aventuras em si, mas pela qualidade dos meus cartazes. São feitos com o software Photoshop, mais uma ferramenta que domino entre muitas, e apresento um trabalho final que agrada a muitas pessoas. Tenho cerca de quase 80.000 entradas no meu site, o que é significativo, para um site não comercial e que não pertence a um grupo ou clube. Com a criação do site e a minha enorme experiencia em expedições/travessias alguém me propôs criar uma empresa de eventos. Eu pessoalmente não gosto de cobrar dinheiro a ninguém numa área que adoro, mas organizar uma logística para grandes grupos, tem o seu custo. A empresa chamaria-se MariaBolacha e teria que ter estatutos e estar registada. Para criar uma empresa é necessário passar por sete pontos.

Ideias
Analise Mercado
Legislação e Fiscalidade
Orçamentos
Plano de Negócios
Financiamento
Abertura do Negocio

A ideia já estava concebida. Iria ser uma empresa de eventos na área dos desportos radicais (bicicleta, Trekking, Moto4, etc). Tudo no âmbito de expedições/travessias. Analisámos o mercado e verificámos que existem lacunas nesta área. Existe espaço para mais uma empresa. O mercado não está saturado. Temos que conhecer as leis. Temos que efectuar obrigação de registo da sociedade em cartório. Temos que ter licenças de exploração e/ou de exercício de actividade. Temos obrigação perante o Estado em cumprir os seus compromissos fiscais. Temos que verificar se existem benefícios fiscais ou outros incentivos para a sua empresa. Estes podem ajudar-nos a realizar a ideia. Basicamente estávamos preparados para abrir a empresa e começar a trabalhar, mas depois verifiquei que se abrisse a empresa, teria que deixar o meu emprego fixo e com contrato, porque não tinha tempo para trabalhar nos dois sítios. Analisei bem os pontos positivos e negativos. Apesar de saber que iria trabalhar numa área que adoro, pensei na minha família e no seu sustento e coloquei este projecto em standby. Neste momento de crise internacional, penso que é um risco bastante grande arriscar em ficar sem emprego. Joguei pelo seguro e não me arrependo.
A Inês, a minha filha mais nova, tem estado a ter uma educação privilegiada. Até aos dois anos, quando os pais iam trabalhar, ficou à guarda dos avós. Pensamos em colocá-la num infantário, mas achámos que com seis meses de idade (idade em que a mãe acabou a licença de parto) era muito nova para ir para um local desconhecido. Assim, e com a concordância dos avós maternos, ficou ao seu cuidado. As crianças até aos 2 anos não têm o mesmo tipo de defesas em relação aos adultos por isso quem puder esperar até essa altura é melhor, mas a partir dos dois anos, o melhor é “mistura-los” com miúdos, para desenvolverem e sociabilizarem de outra maneira. Claro que não vai ter a mesma atenção e mimos dos avós mas isso faz-lhes bem. Eles precisam de começar a lidar com frustrações por mais que isso nos custe. Rapidamente eles se integram e adaptam-se facilmente. Quanto mais tarde se der esta alteração pior para eles. Acho sinceramente que a melhor altura para colocar uma criança num infantário é aos dois anos de idade.
Nos dois primeiros anos de vida o infantário era a casa dos avós que informados de qual era a melhor alimentação para administrar à bebe e quais os cuidados a ter, mas claro que dizer isso a uma avó é quase uma ofensa. “Queres saber mais do que eu? Eu crie-te e fizeste-te uma bela mulher”. Ok, ok. Mas como todos sabemos os avós acabam por ser manipulados pelas crianças, porque querem agradar e facilitam muitas situações, mas não foi o caso. Os avós sempre tiveram uma presença forte na educação da Inês, ensinando-lhe a falar, gatinhar, andar e comportar-se. Até que aos dois anos de idade achámos por bem em coloca-la num infantário. Já estava crescidinha o suficiente para se aventurar num mundo diferente e também já se exprimia de forma a que se alguém lhe fizesse mal o dissesse. Conseguimos uma inscrição na Escola do Alfeite no Laranjeiro. Até à data era uma criança super saudável, mas os primeiros meses de vida no infantário foram de loucos. Doenças atrás de doenças, viroses, atrás de viroses. Mais tarde percebemos que era normal, porque as crianças vão para os infantários sem “anti-corpos” e muito desprotegidas em relação a doenças. Qualquer contacto com outras crianças que estejam doentes, lá têm que ir rapidamente para o centro de saúde ou o hospital. Estes, no inverno estão apinhados de crianças, todas eles com o mesmo sintoma. Gripe. Antigamente a gripe era curada em três a quatro dias, agora o vírus é muito poderoso e mais difícil de eliminar, o que provoca que as crianças sofram mais e estejam em casa uma semana para tratar de uma simples gripe. Depois de tratadas regressam ao Infantário. As crianças não são muito de comer. Estão sempre a arranjar manhas para se livrarem da comida. Só com muita disciplina e às vezes alguma agressividade no bom sentido é que conseguimos sensibiliza-las que a alimentação é fundamental para a sua sobrevivência. É a “gasolina”, como lhe chamo, que alimentar o nosso corpo e que o coloque a andar. Todos passámos pelo mesmo e sabemos que não é fácil, a partir de uma certa idade de uma criança, “domá-la” quando ela é pequena, porque já tem a sua personalidade e já sente que é alguém e assim já tem os seus direitos. Na questão dos deveres é que está mais “escasso”.
A sociedade está toda alterada. Antigamente quem se formava academicamente com curso superior, tinha mais privilégios e conseguia empregos estáveis e bem remunerados. Acho que deveria ser sempre assim. São pessoas que mostraram competências nos estudos e por isso deveriam partir à frente no mercado de trabalho. Mas a verdade é bem diferente. A Helena Carvalho, a minha mulher, é um exemplo de como uma pessoa que tem um curso superior em línguas e mais uma porrada de cursos extra universidade, não consegue um contrato de trabalho numa empresa. Há mais de dez anos, salta de emprego em emprego sempre a receber a recibos verdes. Para esta pessoa, como para a sua família, não existe estabilidade financeira, porque nunca sabe qual será o seu futuro. Nos últimos quatro anos teve sorte em conseguir trabalhar em duas escolas e por isso teve que passar inúmeros recibos verdes. Como ela não se informou antecipadamente de quais eram os problemas de passar recibos de valores bastantes elevados, tivemos problemas com o IRS (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares). Vieram cartas desse instituto a pedir o pagamento de valores bastante elevados. Contactei de imediato as finanças que me sugeriram que fosse ao centro de apoio ao cliente IRS, na Av. João XXI. Assim o fiz. Um homem muito simpático explicou-me todo o processo e ficamos a saber porque iríamos pagar aquele valor, assim como poderíamos no futuro preencher o IRS de modo a não ter mais surpresas. Fomos informados que se os rendimentos anuais forem superiores a dez mil euros é necessário por lei, fazer a retenção na fonte de 20% no recibo do IRS. Além da desgraça de a Helena Carvalho não ter contrato laboral com uma empresa que lhe daria rendimentos estáveis, vai ter que reter na fonte 20% do que ganha e ainda pagar mensalmente a segurança social… Fazendo contas, quase não vale a pena trabalhar. Será que o nosso sistema está bem? Acho que não é o que me preocupa é que vai ser pior neste e nos próximos anos.
Com a maior crise financeira desde 1929, instalada no planeta, o futuro apresenta-se negro. Na minha empresa já informaram que iriam despedir cerca de trinta porcento dos trabalhadores. A Helena carvalho não vê melhoria na sua condição de trabalho e continuará a trabalhar a recibos verdes. Era esta a sociedade que idealizávamos?
Como é que chegamos a esta crise financeira que nos irá arrastar a todos para anos muito difíceis. Todos dizem que foi por causa do preço do petróleo. A verdade é que o barril do petróleo foi vendido a mais de 140 dólares o barril, o que fez disparar todas as matérias primas, mas também é verdade que o barril do petróleo está a ser vendido neste momento abaixo dos quarenta dólares e porque é que a crise continua. Porque a crise se alastrou pelo sistema bancário e os bancos pararam de emprestar dinheiro uns para os outros. Contribuindo assim que não houvesse liquidez nos valores aplicados na banca.
Os governos estão a tentar solucionar a crise injectando dinheiro nos mercados. As taxas de juros têm vindo a baixar por decisão dos governos. Os governos, também têm vindo a “injectar” dinheiro nas empresas e na banca de modo a impulsionar a economia, porque o mundo actual é extremamente dependente do sistema bancário. Se esse sistema ruir, o mundo literalmente pára e, por isso, os governos estão acertadamente a fazer todo o possível para impedir isso. Nesse processo, primeiro o Reino Unido e depois os EUA nacionalizaram parte de alguns bancos. Em outras palavras, estamos vendo um desgaste claro do paradigma actual de livre mercado, dos chamados princípios de trickle-down economy e Reagonomics, segundo os quais os governos devem deixar os mercados agirem mais ou menos livremente, e deve-se gastar dinheiro e reduzir impostos (particularmente dos mais ricos) para estimular a economia.
Pessoalmente tinha feito umas aplicações há uns anos em fundos de investimento. Sabia o risco que corria, porque a intensidade onde os criei, tinham me avisado do risco. O risco não era muito, mas oscilava conforme o mercado financeiro. Nos anos loucos de oitenta e noventa ganhou-se muito dinheiro e o povo estava feliz, nos últimos anos a economia ficou estável e quem foi esperto retirou de imediato as suas economias dos fundos de investimento. Quem não os tirou viu-se colocado num “poço sem fundo”. As bolsas caíram a pique e o nosso principal índice (PSI20) perdeu mais de cinquenta porcento nos últimos anos. Já chegou aos 13.000 pontos e agora ronda os 6.000 pontos. Foram muitas as pessoas que ou colocaram uma corda ao pescoço ou se mandaram de prédios. É inacreditável como o ser humano só pensa em números. Que é feito do ser humano que dava mais importância à conversa e partilha de emoções humanas do que aos números da empresa? Conheço pessoas da minha empresa que nunca devem ver os filhos. Entram na empresa às oito e saiem às vinte e duas horas. Que tipo de vida têm estas pessoas? São ricas e depois? Passaram uma vida dentro de quatro paredes tendo o mesmo comportamento que as máquinas.
Com este ambiente negro em que vivemos e com o aproximar da crise dos quarentas anos nada melhor que uma boa noticia. O governo anuncia o programa das novas oportunidades. Eram uma lufada de ar fresco dado pelo Ministério de Educação. A informação foi-me transmitida por um amigo e fiquei de orelhas no ar. Sempre me senti um pouco envergonhado quando tinha que dizer a minha escolaridade. Não me sentia a pessoa com a escolaridade que tinha, mas era a minha realidade e agora com as novas oportunidade não iria deixar passar esta oportunidade. Mas afinal o que são as Novas Oportunidades? A Iniciativa Novas Oportunidades, procura dar resposta aos baixos índices de escolarização dos portugueses através da aposta na qualificação da população, concretiza-se em duas ideias-chave: uma Oportunidade Nova para os jovens e uma Nova Oportunidade para os adultos. O que se aprendeu ao longo da vida também conta. Através do processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC), ou de Cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA), pode-se obter certificação escolar e profissional. Através do número de telefone que está no site http://www.novasoportunidades.gov.pt/, consegui informações importantes para contactar a escola que mais garantias me dava para concluir a Certificação de Competências. Escolhi a escola Anselmo de Andrade, em Almada. Depois de um primeiro contacto na secretaria, fui chamado para uma reunião. Uma senhora muito simpática explicou o processo todo e referiu que teria que optar pelo curso EFA, ou o RCCV, mas que por ela estava mais que apto para frequentar o RVCC.
O que se aprendeu ao longo da vida também conta. Através do processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC), ou de Cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA), pode-se obter certificação escolar e profissional... E, se assim se quiser, continuar a aprender e a elevar o grau de escolaridade...
O que é o processo RVCC. É um processo que Reconhece, Valida e Certifica Competências (R.V.C.C.). Ou seja, no Centro Novas Oportunidades o adulto vê Identificadas e Reconhecidas as competências que possui e foi adquirindo ao longo da vida. Posteriormente, estas competências são Validadas e Certificadas e ficam registadas na Carteira de Competências-Chave, permitindo obter um certificado emitido pelo Ministério da Educação e correspondente aos 4º, 6º ou 9º anos de escolaridade, no Nível Básico, ou ao 12º ano de escolaridade, no caso do Nível Secundário. A quem se destina? O Sistema Nacional de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências pode ser uma resposta para si, caso não possua o nível básico ou secundário de educação e tenha adquirido conhecimentos e competências através da sua experiência de vida. Como Funciona? O processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (R.V.C.C.) faz-se através da construção de um arquivo de testemunhos pessoais (Portefólio Pessoal) no qual se organizam documentos e outros materiais que comprovam os saberes e competências adquiridos ao longo da vida. Com a produção deste Portefólio, o Adulto constrói a sua História de Vida, realizando uma reflexão pessoal sobre a mesma e (re)define o seu projecto pessoal. O Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos é o documento fundamental que orienta o trabalho de reconhecimento, validação e certificação desenvolvido pelos formadores, pelos profissionais e pelo adulto num Centro RVCC. É com a construção do Portefólio Pessoal e no enquadramento do Referencial de Competências-Chave que se desenvolve o processo de verificação e exploração de competências. As quatro áreas de Competências-Chave (Linguagem e Comunicação, Matemática para a Vida, Tecnologias da Informação e Comunicação, Cidadania e Empregabilidade) expostas neste Referencial são tidas como as áreas básicas e essenciais próprias de um adulto como cidadão no mundo actual. Para cada uma destas áreas encontram-se especificados critérios de evidência que clarificam quais as competências, e como evidenciar as mesmas, a considerar em cada uma das unidades que compõem essas áreas. Resumindo. O adulto realiza, em sentido lato, uma auto-avaliação. Sem dúvida que a melhor escolha que fiz em escolher o processo RVCC. Desde logo pensei na auto-biografia como um desafio e que iria explorar ao máximo. Apesar de saber que iria deixar muitas experiências de fora seria um exercício de ginástica mental e de muita introspecção. Seria o recordar de muitas imagens já há muito perdidas e recriar ambientes saudosos que parecem ter milhares de anos. O primeiro trabalho apresentado foi uma pequena composição em Inglês para ver as competências que tínhamos em língua estrangeira.

My name is Bond, James Bond…Ok, ok, I’m not but a mortal named Jorge Carvalho that lives in a beautiful planet daily attacked by an only stupidly intelligent being. So intelligent that he will destroy himself. I was born in the nearer year of 1969 by the Mass time, in the maternity, mother of all of us, named Alfredo da Costa.
If I’m not wrong I’m 39 and some changes. I was born with ten fingers on both hands and ten toes on both feet, which means that I was born almost physically perfect. If it wasn’t for my black toe nail, I could say I was a happy man.
After living 26 years in Olivais do Sul, I set off to discover the desert called Feijó. It wasn’t easy. I had to work on a relationship and raise deep friendship and love bounds. It was a won battle and I hope a won war also.
In spite of being a hard worker man and of liking to give my contributions in my professional area, it is on the open spaces that I feel fulfilled and happy.
All that means suffer, pain and conquer, on top of a bike, on foot or another sport that uses the human body as an engine, it is at the final landmark that the eyes sparkle and my smile really feels up my face.
My family is essential to my mental balance.
Right now, with 39 years old, I feel better than ever before mentally and physically which makes me think that the years to come will be of prosperity and full of health.
Looking backwards to what is already on paper and it looks like it is reasonably well written but the truth is that I had to make some decisions so that it looked as a fairly good final work.
The truth is…I really need help with my English. It’s been a long time since I’ve used the English language and as it is impossible for me to write an all in English text I’ve tried several techniques to achieve the final product.
First I thought of hiring the best world translator, but after checking my bank account I totally put aside this hypothesis. Then I tried the internet translators but the more I translated the more I got confused and bored.
I was thinking about the possible solutions to my problem when I looked to my right side and there she was, the solution to my problem: my dearest wife, an English teacher.
After several negotiation hours I finally got some formation and ideas to accomplish the best work possible. But, once more, I wasn’t able to achieve my goal, I couldn’t write a single line.
I finally adopted a drastic method: I wrote the text and my dearest wife translated it.
My name is Carvalho, Jorge Carvalho and HELP, I REALLY NEED LOTS OF HELP.
P.S. I won’t be needing help with school because I will be having regular tutoring on English.

A verdade é que dessa data para hoje, já estudei um pouco e também procurei ajuda. O resultado foi que, apesar de perceber tudo em inglês e falar uma pouco, desenferrujei no meu modo de escrita e posso vou apresentar um pequeno texto escrito só por mim.

My name is Jorge Carvalho and I’m thirty-nine years old. I live in Feijó, Almada. I work in Grupo Pestana Pousadas, I’m a purchase technician. The Pousadas are situated in castles in beautiful places here in Portugal.
I love riding my bike, surfing the net, listening to music and trekking in open spaces because I’m a free spirit person and I love the nature.
As Novas Oportunidades vão abrir-me portas para outros voos. Com a Certificação poderei concorrer a novos empregos ou então tentar novas responsabilidades na actual empresa. Mas não servirá só para isso. Como as duas palavras dizem (NOVAS OPORTUNIDADES), servirá para que eu tenha a oportunidade de restabelecer a minha auto-estima e procurar um novo sentido na minha vida. Um vida mais simples e com menos correrias. Procurar ouvir o meu amigo do lado e dar-lhe a mão quando for preciso. Contribuir de forma mais significativa para que o mundo seja mais limpo e saudável. Ajudar os outros, contribuindo solidariamente quer pela minha presença, quer por algum valor monetário ou material. Procurando sempre novos objectivos e novas “viagens” para que estes me limpem a alma e me transformem numa pessoa mais sorridente e alegre e com isso faça contagiar os que estão ao meu redor. Como se costuma dizer “O Futuro a Deus pertence”, ou seja, no meu caso “ O futuro a mim pertence” e vou tentar fazer todo o possível para que seja um futuro com muito sol e música, com muita alegria e amor, mas acima de tudo tentar das mais valor às questões humanas e menos às questões materiais, como sempre a minha mãe me ensinou.

Dedico esta auto-biografia a minha mãe Leonor.